Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:06/04/2007
Processo:01846/07
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IRC
ROYALTIES
CDT ENTRE PORTUGAL E O REINO UNIDO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – O EXMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 90 a 96, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial que D ….. , LDA, deduzira contra a liquidação adicional de IRC nº 6420003223, de 20/11/2002, no montante de € 21 837,35, referente a 1998 e respectivos juros compensatórios no valor de € 8 375,97, tudo no montante global de € 30 213,32, alegando, em síntese, que a impugnante não deveria ter aplicado a taxa de 5% prevista no artigo 12º da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido ao pagamento de “royalties” à sociedade “A ….. LIMITED”, com sede no Reino Unido, mas sim a taxa de 15% nos termos do CIRC (alínea a) do nº 2 do artigo 69º, na versão então em vigor) uma vez que comprovou a residência fiscal da beneficiária através da apresentação do certificado de residência confirmado pelas autoridades fiscais do Reino Unido em momento posterior à data do pagamento efectuado.

2 - A impugnante procedeu, em Dezembro de 1998, ao pagamento de “royalties” à sociedade “A ….. LTD”, com sede no Reino Unido, no montante de € 218 373,54 e efectuou retenções na fonte no valor de € 10 918,69, aplicando, para isso, a taxa de retenção na fonte de IRC prevista na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido, procedendo à entrega nos cofres do Estado do montante retido em 18/05/1999, acompanhado da declaração modelo 130.

Na sequência de acção inspectiva relativa ao referido exercício, a Administração Fiscal considerou que a impugnante não deveria ter procedido à retenção de imposto com base na taxa constante da Convenção, mas sim com base nas taxas previstas no CIRC, por não ter apresentado, antes da entrega do montante retido, documento comprovativo de que a beneficiária dos rendimentos é residente de Estado diferente (neste caso, do Reino Unido), emitido e autenticado pelas autoridades fiscais do Reino Unido.

3 - As taxas previstas na citada Convenção originam um nível de tributação inferior ao que resultaria da aplicação das taxas previstas no CIRC (15%, de acordo com a alínea a) do nº 2 do artigo 69º do CIRC).

A questão essencial é a de saber se, para além do requisito de natureza substantiva (residência do beneficiário dos rendimentos num Estado diferente daquele de onde provêm os rendimentos) é ou não necessária a verificação de outros requisitos, de natureza formal, sem os quais aquela Convenção não pode ser aplicada e, em caso afirmativo, se tais requisitos ocorrem no presente caso.

Esses requisitos de natureza formal seriam os constantes da Circular nº 3/96, de 21.03.96, da Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, que refere que o pedido de limitação do imposto será feito, no caso de limitação por redução da taxa, no acto de liquidação do imposto, antes de o devedor dos rendimentos proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado e das notas explicativas à declaração modelo 130 (a utilizar quando ocorrem pagamentos a não residentes) onde se é mencionado: “quando tenha havido limitação do imposto ao abrigo de Convenções, esta deverá ser acompanhada do comprovativo da residência da entidade beneficiária”.

Assim, a aplicação da taxa prevista na Convenção dependeria da verificação dos seguintes requisitos:
- Requisito de fundo: ser o beneficiário dos rendimentos residentes num estado diferente daquele donde provêm os rendimentos no ano a que respeitam;
- Requisito de forma: dever o beneficiário solicitar, em tempo oportuno, a limitação de imposto em formulário devidamente preenchido e também devidamente autenticado pelas autoridades fiscais do estado da sua residência, sendo esta assim confirmada.

No caso dos autos, a certificação pelas competentes autoridades do Reino Unido até ocorreu em 10/09/1998 (cfr. alínea K) do probatório), mas apenas foi apresentada depois de o imposto retido ter sido entregue ao Estado Português.
Ora, de acordo com a jurisprudência deste TCA, “a prova da residência da beneficiária não é elemento constitutivo do direito ao benefício da redução da taxa normal de IRC; e uma vez feita, não poderá deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários, ou seja, o pagamento dos “royalties”. (cfr. AC. deste TCA Sul, de 09/05/2007, Processo 01041).
Diz-se neste acórdão: “só com a redacção dada ao art. 90º do CIRC pela Lei 32-B/2002, de 30/12 (OE 3003) ficou certo que a prova de residência do beneficiário dos pagamentos deverá ser feita até à data em que deve ser efectuada a retenção na fonte.
Com efeito, tal normativo (que corresponde ao art. 69º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos questionados na presente impugnação (…), passou a ter a seguinte redacção:
1 - …
2 - Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no nº 1 do artigo 88º, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial ou, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
3 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
4 - Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
5 - O sujeito passivo não residente, quando não tenha efectuado a prova no prazo referido no número anterior, pode requerer à Direcção-Geral dos Impostos o reconhecimento dos benefícios resultantes de convenção destinada a eliminar a dupla tributação e solicitar o reembolso do imposto retido na fonte, no prazo de dois anos a contar da data da verificação do facto gerador do imposto, mediante apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças.
Ou seja, a lei passou a determinar que, ao que aqui importa, a prova de residência do beneficiário dos pagamentos deverá ser feita até à data em que deve ser efectuada a retenção na fonte. E, como se diz no ac. deste TCAS, de 16/5/2006, rec. 504/05, ainda assim, não é líquido «que tal imposição se traduza no requisito do direito ao benefício, tendo em conta o que estatui o nº 7 daquele mesmo preceito, quanto ao consignar que “sempre que, por incumprimento do prazo de apresentação do certificado referido no nº 5, a retenção da fonte sobre os juros ou royalties não for efectuada de acordo com a taxa fixada na alínea f) do nº 2 do artigo 80º, a entidade beneficiária dos rendimentos pode apresentar pedido de reembolso do excesso, no prazo de (...) acompanhado do certificado e de outros elementos comprovativos que forem solicitados pelos serviços competentes» ... «parece não conferir ao certificado em causa mais do que um efeito meramente probatório da verdadeira condição à redução da taxa em causa, ou seja, a residência da beneficiária num outro Estado membro.»
De todo o modo, à data dos factos aqui relevantes (…) o referido art. 69º do CIRC (nas redacções do DL nº 123/92, de 2/7 e da Lei nº 39-B/94, de 27/12) – que era, como se disse, o que então correspondia a este actual art. 90º -, limitava-se a dispor o seguinte:
2 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos:
a) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial, da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico e bem assim da assistência técnica, em que a taxa do IRC é de 15%;
b) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou cientifico, em que a taxa do IRC é de 15%;
c) Lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 435/CEE/1990, de 23 de Julho de 1990, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contenta que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período, em que a taxa do IRC é de 15% até 31 de Dezembro de 1996, sem prejuízo do disposto nas convenções bilaterais em vigor, e de 10% desde 1 de Janeiro de 1997 até 31 de Dezembro de 1999;
d) Rendimentos dos títulos de dívida e outros rendimentos de aplicação de capitais, exceptuados os lucros colocados à disposição por entidades sujeitas a IRC, em que a taxa do IRC é de 20%;
e) Prémios de lotarias, rifas, apostas mútuas, jogo do loto ou do bingo, bem como importâncias ou prémios atribuídos em sorteios ou concursos, em que a taxa do IRC é de 35%.”

E mais adiante:

E é evidente que a referida prova não pode deixar de ser feita, pois dela depende a verificação ou não verificação daquele requisito substantivo; contudo, porque, como, se disse, essa prova não é elemento constitutivo do direito ao benefício em causa (redução da taxa normal de IRC de 15% para 10% ou 5%), uma vez feita (cfr. als. c) e d) do Probatório) não poderá deixar de retroagir (cfr. art. 11º do EBF) os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários, ou seja, o pagamento dos “royalties” e/ou dos dividendos (os benefícios fiscais constituem-se com a verificação histórica dos pressupostos objectivos ou subjectivos da respectiva previsão, que são, verdadeiramente, o seu facto constitutivo, ainda que o benefício fiscal esteja dependente de reconhecimento declarativo unilateral pela Administração Fiscal, e mesmo que a respectiva eficácia seja, por vezes, diferida no tempo, por virtude de uma condição suspensiva).

Diga-se, aliás, que sobre situações semelhantes a esta (embora estando em causa outras Convenções sobre Dupla tributação celebradas com outros Estados e, nalguns casos, rendimentos tributáveis em IRS), já o TCAS se pronunciou por diversas vezes, nomeadamente nos acs. de 03/11/2004, rec. 00151/04 (3); de 5/7/2005, rec. 05675/01; de 9/5/2006, rec. 00436/05; de 16/5/2006, rec. 00504/05; de 14/11/2006, rec. 01424/06; e de 24/4/2007, rec. 01704/07”.

Assim sendo, improcedem todas as conclusões do recurso.

4 - Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.