Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:05/21/2007
Processo:01795/07
Nº Processo/TAF:48/03 TAF LISBOA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IMPOSTO DO SELO
DESCOBERTOS EM CONTA
FEARE
JUROS COBRADOS NOS FEARE
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:



1 – BANCO ..... , S.A, veio interpor recurso da douta sentença proferida pelo Mº Juiz de Direito do TAF de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra a liquidação adicional de Imposto do Selo referente aos anos de 1992 e 1993, no montante de Esc. 247 175 140$00, alegando, em síntese, falta de fundamentação do acto tributário e inexistência dos pressupostos de tributação legalmente exigíveis.

Está em causa a questão de saber se estão ou não sujeitas ao Imposto do Selo as operações referentes a “descobertos em conta”, FEARE e juros cobrados sobre estes e, ainda, se são devidos juros compensatórios pelo atraso na liquidação do imposto e se esta se mostra devidamente fundamentada.

2 – No que concerne à fundamentação, dispunha o artigo 21º do CPT, sob a epígrafe “direito à fundamentação”, que “as decisões em matéria tributária, que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos, de facto e de direito”.
Tal direito constituía garantia expressa dos contribuintes, nos termos do artigo 19º, al. b), do mesmo diploma.
Aliás, o referido direito, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional (artigo 268º, nº 3 da CRP).
Por força do disposto no nº 1 do artigo 77º da LGT, a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Conforme decorre suficientemente dos autos e, nomeadamente, das conclusões da acção inspectiva, delas consta a qualificação do facto tributário, a sua subsunção à norma legal aplicável e a respectiva quantificação.
Assim sendo, a recorrente conhecia as razões por que lhe foi liquidado aquele imposto, tendo podido analisar os critérios de que a Administração Fiscal se socorreu para chegar àquele montante.
E a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20 168. No mesmo sentido, cfr. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10.03.92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. do STA de 11.11.98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).
Aliás, se a recorrente entendesse que a notificação da liquidação não continha a sua fundamentação sempre poderia fazer uso do disposto no artigo 22º do CPT (a que corresponde, actualmente, o artigo 37º do CPPT), o que não aconteceu.

Daí que não ocorra, no caso dos autos, o apontado vício de forma, por falta de fundamentação da liquidação.

3 - Os chamados “descobertos em conta” são situações em que o cliente de uma instituição bancária sacou uma quantia superior ao seu saldo. Tais situações verificam-se nomeadamente, quando, por dificuldades financeiras do seu cliente, o banco consente que aquele saque uma quantia que ultrapassa o saldo da conta de que é titular.
Entende a recorrente que tais operações não correspondem a aberturas de crédito por falta dos dois pressupostos essenciais: um, a existência de uma obrigação por parte de alguém de fornecer a outrem fundos, mercadorias ou valores; outro, resultar de instrumento público, escrito particular ou correspondência a constituição de tal obrigação.
No caso dos autos, não estariam preenchidas as condições para a incidência do Imposto do Selo por não existir obrigação prévia de fornecimento de fundos, nem documento de suporte da operação.

Salvo o devido respeito, não podemos aceitar tal conclusão.

Nesta modalidade, ao “autorizar” determinados clientes a emitirem cheques ou a efectuarem transferências sem terem fundos nessas contas, o Banco aceitou a “obrigação” (pelo grau de confiança ou elevadas movimentações desses clientes) de garantir a cobertura dessas operações.
É que, tal “facilidade” não é concedida a todo e qualquer cliente do banco o que pressupõe um “entendimento” prévio entre ambos (banco e cliente).

Por outro lado, a abertura de crédito não é um acto formal. Estabelece o artigo 1º do Regulamento do Imposto do Selo que o imposto recai sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos designados na Tabela aprovada … ou em leis especiais.
Ora, o crédito assim concedido surge da evidência de saldos devedores nas contas de depósitos à ordem, o que acontece após verificação de todas as operações registadas. Existe, assim, um suporte documental mínimo que, em nosso entender, é suficiente para satisfazer a exigência do “documento” ou “papel” necessário para a incidência do imposto.
Aliás, como se diz no douto Parecer junto pela Recorrente, do ilustre Professor José Guilherme Xavier de Basto e do Dr. Paulo Mota Pinto, “muitas operações bancárias fazem-se agora pelo telefone ou por outros instrumentos de comunicação que a tecnologia moderna põe à disposição dos operadores”, sem que seja questionável a validade de tais operações.

Assim sendo, tais operações incluem-se no artigo 1º da TGIS, quanto ao capital, e no artigo 120-A da mesma Tabela, quanto aos juros a eles associados.

3 – No que respeita aos FEARE (financiamento externo para antecipação de receitas à exportação), tais operações são definidas pelo Banco de Portugal como “financiamentos externos, em moeda estrangeira, a mutuar por exportadores nacionais, junto de instituições de crédito não residentes, destinados a antecipar receitas de exportação”.
As operações FEARE objecto da liquidação ora em causa foram realizadas pela Sucursal Financeira Exterior (SFE) da recorrente, na Zona Franca da Madeira.
A AT considerou que tais operações se integravam igualmente no artigo 1º e, quanto aos juros, no artigo 120º-A, ambos da TGIS.
A recorrente, por seu lado, entende que aquelas operações não estavam, à data, sujeitas a imposto porque:

      1. O financiador não era residente;

      2. Tais financiamentos não revestem a abertura de crédito, mas sim a forma de mútuo, não compreendidos na norma invocada.


Ora, atento o conceito de território nacional, nem a SFE da recorrente, instalada na Zona Franca da Madeira, se pode considerar “não residente”, nem as operações por ela realizadas podem deixar de ser consideradas como levadas a cabo em território nacional.
Por outro lado, tal como se diz no Parecer citado, nestas operações “existe sempre documento de suporte do financiamento, pelo que esse elemento da incidência se encontra sempre preenchido”.
E acrescenta o mesmo Parecer: “Os FEARE podem, no caso concreto, quer do ponto de vista do direito comercial, quer segundo a definição da TGIS, traduzir-se em verdadeiras aberturas de crédito, sujeitas a tributação no imposto do selo estabelecido no artigo 1º da TGIS”, se a instituição de crédito acordou com o financiado que este poderia dispor futuramente dos fundos (cfr. pág. 105).

De facto, estes financiamentos, por representarem uma verdadeira e própria abertura de crédito, sempre estiveram sujeitos ao imposto do selo previsto no artigo 1º da TGIS.

4 – No que respeita aos juros cobrados nos FEARE, a sua razão advém do disposto na alínea b) do artigo 120º-A da TGIS.
Aliás, em 1992, a recorrente liquidou e entregou imposto do selo relativo a juros cobrados sobre aquelas operações, no montante de Esc. 1 250 383$00.
E, em 1993, liquidou e entregou Esc. 9 020 334$00, correspondente aos juros devidos por contratos realizados após Setembro de 1992.

5 – No que respeita aos juros compensatórios, a nossa posição tem sido a seguinte:
A liquidação de juros compensatórios pela Administração Fiscal está indefectivelmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devida pelo contribuinte.
Os juros compensatórios constituem “um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do contribuinte por incumprimento dos deveres acessórios” (Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 451). Os juros compensatórios aparecem como um agravamento “ex lege” proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.
São uma compensação ou indemnização, uma espécie de reparação civil pelo retardamento da liquidação e subsequente atraso do recebimento do correspondente tributo o que pressupõe uma situação liminar de culpa, consubstanciada na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder-se formular a respeito da sua conduta o referido juízo de censura (cfr. Ac. do STA, de 16/11/1983, in AD, 266/207).
Os juros compensatórios “pressupõem atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte” (cfr. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4ª edição, pág. 174).
A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte” (cfr. Ac. do STA, de 23/09/98, Proc. 22 612).

Não estando demonstrada nos autos a culpabilidade da recorrente no retardamento da liquidação não são devidos, a nosso ver, juros compensatórios.

6 - Face ao exposto e sem necessidade de maiores considerações, emito parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, excepto no que respeita aos juros compensatórios.