Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:06/11/2007
Processo:01868/07
Nº Processo/TAF:7/03 TAF LEIRIA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:COBRANÇA COERCIVA DE CRÉDITO
INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
FACTO TRIBUTÁRIO OCORRIDO NA ALEMANHA
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – O EXMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 445 a 448, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a oposição deduzida por M ….. , LDA, contra a execução fiscal nº 2119-01/100891.9, instaurada no âmbito da assistência Mútua em matéria de cobrança de créditos entre Estados membros da EU.

Alega, em síntese:
      a) A extemporaneidade da oposição;

      b) A falta de competência do TAF de Leiria para conhecer da questão da notificação ou não pelo Estado alemão do tributo ou tributos em causa;

      c) A falta de notificação do tributo cuja cobrança o Estado alemão solicitou não constitui fundamento de oposição à execução fiscal;

      d) Falta de fundamentação de facto que pudesse conduzir ao conhecimento da questão pelo Tribunal e à decisão de procedência quanto ao argumento da caducidade;

      e) Omissão e falta de fundamentação jurídica quanto ao enquadramento da questão da caducidade por falta de notificação.

2 - Comecemos pela competência do TAF de Leiria para conhecer da questão da notificação ou não pelo Estado alemão do tributo em causa.
O CPPT não contém norma alguma a fixar a competência internacional dos tribunais tributários portugueses, sendo os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, incluindo os de competência administrativa e fiscal, aqueles que o artigo 65º do CPC enuncia (cfr. Ac. deste TCA Sul, de 14/05/2002, Processo 4942/01).

Ora, a presente oposição surge na sequência do pedido formulado pelo Estado alemão às autoridades portuguesas (via Comissão Interministerial) ao abrigo do artigo 12º do DL 504-N/85, de 30 de Dezembro, para efeitos de cobrança coerciva de crédito constituído pela oponente na Alemanha.
Dispõe o artigo 16º do referido DL 504-N/85:
“1 – A Comissão suspenderá o processo de execução, ficando a aguardar a decisão da instância competente, sempre que for informada pelos serviços, organismos e entidades competentes ou pelo devedor de que o crédito ou o título executivo respeitante ao pedido de assistência foi objecto de uma acção de impugnação no país onde a autoridade requerente tem a sua sede.
(…)
4 – A impugnação que tiver por objecto medidas de execução adoptadas em território nacional deverá ser proposta no tribunal competente para apreciar as impugnações relativas à cobrança de créditos idênticos constituídos em território nacional” (negrito nosso).

Da conjugação das disposições citadas decorre que apenas compete aos tribunais portugueses (a quem foi pedida a diligência de cobrança coerciva) conhecer das questões referentes às medidas de execução adoptadas por Portugal, ou seja, a apreciação dos actos executivos praticados pelas autoridades fiscais portuguesas.
Porém, o tribunal recorrido apreciou a notificação (ou falta dela) da liquidação à oponente para concluir que a prova da notificação compete ao exequente, que nenhuma prova fez, concluindo assim, “pela falta de notificação da liquidação do tributo no respectivo prazo de caducidade, facto que, nos termos do Art. 204º, nº 1, alínea e) do CPPT, configura fundamento de oposição à execução”.

Sobre qual o tributo, qual o prazo de caducidade e qual a lei aplicável, nada se diz.

Ora, salvo o devido respeito, o tribunal recorrido estava impedido de se pronunciar sobre tais questões.

De acordo com o probatório, em 05/12/1997, as autoridades alemãs emitiram um aviso de tributação dirigido à oponente e, em 1/12/2000, o Estado alemão emitiu o título de cobrança de dívida de impostos, no montante global de € 99 222 814,07, nele surgindo como devedor a firma oponente. Ao abrigo do regime previsto na Directiva 76/308/CEE, o Estado alemão efectuou o pedido de cobrança do referido título a Portugal, tendo a Comissão Interministerial de Assistência Mútua para a Cobrança de Créditos entre Estados membros da Comunidade Europeia enviado o pedido ao Serviço de Finanças de Torres Vedras que instaurou o processo de execução fiscal com vista à cobrança da referida dívida.

Do exposto se conclui que o crédito em causa não tem origem em relações jurídico-tributárias estabelecidas entre a administração tributária portuguesa e a oponente nem os factos que estiveram na origem do crédito ocorreram no território nacional; por outro lado, a notificação da liquidação foi praticada pelas autoridades alemãs, ao abrigo da legislação alemã e não da legislação portuguesa, cabendo, pois, àquelas autoridades e não às portuguesas a apreciação da legalidade da notificação.
A competência das autoridades portuguesas estava circunscrita, neste caso, ao conhecimento das questões relativas à cobrança coerciva da importância liquidada pelas autoridades alemãs.

Daí que não sejam aplicáveis ao crédito em causa as normas tributárias portuguesas, por força do disposto no nº 1 do artigo 13º da LGT, sendo o TAF de Leiria internacionalmente incompetente para conhecer de factos ocorridos na Alemanha.

Este facto era, aliás, do conhecimento da oponente que, ao longo da petição inicial de oposição não deixa de o revelar.

Assim,

Perante o anteriormente descrito (…), a empresa encontra-se, naturalmente, exaurida de recursos que lhe permita pleitear na Alemanha e perante os tribunais alemães, com a defesa, a certeza e segurança jurídicas indispensáveis à obtenção de Justiça e à sua sobrevivência” (artigo 69º).

“Acontece que a situação em que se encontra a M ….. (por factores alheios à sua gestão e à sua vontade) não pode ser impeditiva de que a empresa, como pessoa colectiva que é, tenha acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, ou seja, a uma decisão justa (…)” (artigo 75º);

“O que, no caso em apreço, apenas ocorrerá se a empresa M ….. se puder defender, em plenitude, perante os tribunais portugueses” (artigo 76º);

“Com efeito, considerando os custos das deslocações e permanência na Alemanha, os preços dos escritórios de advogados, a extrema dificuldade de compreensão da língua alemã e, em especial, da linguagem técnico-jurídica, a própria complexidade do seu sistema jurídico (com normas jurídicas estaduais e nacionais)” (artigo 77º);

“E compaginando os mesmos com a frágil situação económica e financeira da M ….., não se vislumbra outra forma de se poder dar corpo à tutela jurisdicional efectiva (…)” (artigo 78º).

Porém, apesar de compreensíveis, as circunstâncias invocadas não são de molde a alterar as regras de competência internacional dos tribunais portugueses.

3 – Pelo exposto, entendemos que o recurso merece provimento.