Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:03/30/2007
Processo:01702/07
Nº Processo/TAF:
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
IVA
NEGLIGÊNCIA
FACTOS NOVOS
CULPA
Texto Integral:1 – A ..... , S.A, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 77 a 84, do TAF de Leiria, que julgou improcedente o recurso que havia apresentado da decisão do Exmo. Director de Finanças de Leiria, que lhe aplicara a coima de € 8.500,00, pela prática da infracção prevista e punida pelos artigos 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea a) do CIVA e 26º, nº 4 e 114º, nº 2, do RGIT.

2 – Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade apurada.

Argumenta a arguida que o processo está ferido de nulidade e, concomitantemente, a decisão recorrida está, também ela, ferida de nulidade, que é insanável e de conhecimento oficioso, por a decisão de aplicação da coima não conter os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Ora, a ser assim, tais factos eram já do conhecimento da recorrente à data da apresentação do recurso da decisão administrativa, que os não articulou, motivo por que deles a douta sentença de 1ª instância não conheceu nem tinha de conhecer.

Trata-se, por isso, de matéria deduzida ex novo, o que impede este Tribunal ad quem de a conhecer.

A este propósito, salienta-se o teor do acórdão do STA, de 23.11.2000, recurso 043299, onde designadamente se refere:

“I - É através das conclusões da alegação do recorrente que é delimitado objectivamente o âmbito do recurso (artºs 684°, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC …), visto que aquelas se destinam a resumir para o tribunal "ad quem" os fundamentos daquele, ou seja, as questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, pelo que tudo o que fique para aquém de tal objectivo é deficiente ou impertinente.

II - Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova (artºs 676°, nº 1 e 684°, nº 3 do CPC), não sendo, assim, licito às partes suscitar questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas, pelo que o Tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questões novas não decididas nos arestos recorridos, excepto nas situações em que a lei expressamente determine o contrário ou em que a matéria é de conhecimento oficioso.

E, conforme se diz no Ac. deste TCA, de 16/03/2005, recurso 00598/05, que passamos a citar Da opção do legislador de atribuir aos recursos ordinários a função de permitir que o Tribunal ad quem proceda à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, decorre que essa reapreciação se há - de mover dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.

Excluída está, por isso, a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova) na instância de recurso, embora isso não resulte de qualquer proibição legal, as antes da ausência de qualquer permissão expressa.

(...)

Concluímos assim que, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado:

1. pela matéria de facto alegada em primeira instância,

2. pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância,

3. e pelo julgado na decisão proferida em primeira instância”.


Improcedem, assim, as 7 primeiras conclusões.

3 – Alega ainda a recorrente que não praticou qualquer facto punível, por um lado, porque não actuou com culpa, mas sim devido a dificuldades económicas e, por outro, não retirou da conduta que se lhe impunha qualquer vantagem económica directa.

Mas não é assim.

Sob a epígrafe “Falta de entrega de prestação tributária”, dispõe o artigo 114º do RGIT:
1 – A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 – Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos caos em que a lei o preveja.

…”.

Por sua vez, o nº 4 do artigo 26º do RGIT estabelece:

“4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”.

Assim, a conduta não querida pela norma a título de contra-ordenação e por isso penalmente punível é o atraso no pagamento por inobservância do prazo legal de cumprimento por período até 90 dias se o comportamento for doloso – o agente age, sabendo e querendo a realização do tipo – e além de 90 dias, se a acção for negligente – violação do dever legal de cuidado, exigível ao agente em concreto e face às concretas circunstâncias do caso.

Os factos imputados à arguida podem constituir infracção punida pelo nº 1 ou pelo nº 2 do artigo 114º do RGIT conforme tenham sido praticados com dolo ou negligência, respectivamente.
“A culpa, não porque se presuma, mas por ser “algo que em regra ou prima facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo” está, em princípio, ínsita na descrição deste facto. Nos casos em que se prevêem tipos legais de infracção cometida com dolo e com negligência preenchidos pela mesma materialidade, a descrição factual terá implícita uma afirmação da existência de culpa, que, na falta de referência explícita ao dolo, se deverá entender ser a negligência, como forma mínima de imputação subjectiva de uma conduta a uma actuação” (cfr. Ac. STA, 2ª Secção, de 03.11.99, Proc. 23 832).

No caso dos autos, a decisão administrativa de aplicação da coima enquadrou a infracção no nº 2 do artigo 114º, que prevê a imputabilidade da conduta a título de negligência.
O intuito da previsão deste ilícito é, precisamente, o de punir com coima quem adoptou um comportamento que conduz à falta de cumprimento pontual da obrigação tributária, sem, no entanto, a respectiva vontade ser iluminada pelo desiderato de obtenção de uma vantagem patrimonial própria ou alheia.

O interesse jurídico tutelado pela norma é o pagamento do imposto no prazo legal.

As relações económico-financeiras entre a arguida e outras empresas e as eventuais dificuldades económicas da arguida resultantes dessas relações não configuram uma situação de inexigibilidade que exclua, isente ou atenue a culpa (neste sentido, cf. Acórdão deste TCA, de 24.03.98, Recurso 65 321).

A não entrega do valor do imposto devido viola o disposto nos artigos 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea a) do CIVA, já que a lei impõe tal obrigação independentemente de o sujeito passivo ter cobrado ou não o valor do imposto facturado. Daí que não tendo remetido à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA o valor do imposto devido, a arguida tenha preenchido os elementos típicos da contra-ordenação prevista no artigo 114º, nº 1 e 2 do RGIT”.

4 - Quanto à questão de saber se a medida da coima é excessiva e se foi devidamente fundamentada, a sentença refere expressamente:
Quanto ao montante fixado nada há a censurar atento a que foi fixada em valor pouco para além do mínimo legal e (0,4%) e atentos os elementos referidos no ponto F., do probatório”.

Ora, o ponto F. contém os fundamentos necessários para considerar que a coima adequada deveria ser ligeiramente superior ao mínimo legal, sendo, por isso, óbvia a legalidade em termos de adequação do valor da coima na medida aplicada já que não se está perante um caso dos previstos no artigo 51° do DL 433/82, alterado pelo DL 244/95, de 14/9.

Não procedem, pelo exposto, as restantes conclusões das alegações de recurso.

5 - Em face do exposto, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.