Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:Tributário
Data:05/02/2006
Processo:01118/06
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Magistrado:Francisco M. Guerra
Descritores:SUBSÍDIO DE COMPENSAÇÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Texto Integral:Notas prévias:
Uma vez que o processo contém todos os elementos necessários para a decisão, e, como se depreende das alegações, o que se pretenderia provar pela prova testemunhal refere-se à qualificação jurídica de um facto tributário provado documentalmente, somos de parecer que é dispensável a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente.
Também não nos parece ser de suspender o processo nos termos do artigo 47º do RGIT, uma vez que ainda não se encontra pendente o respectivo processo de impugnação, mas apenas consta a informação da arguída de que irá instaurar esse processo.
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A arguída, Magistrada do Ministério Público, recorre para este tribunal, em 1ª instância, do despacho de aplicação de coima de fls.33 alegando, em suma:
- a nulidade do despacho, por violação do direito de audição e de defesa e omissão de pronúncia;
- a ilegalidade da aplicação da coima porque “o subsídio de compensação abonado aos magistrados que exercem funções nas Regiões Autónomas não é tributável em IRS”.
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Dos autos resultam os seguintes factos:
1 - Foi levantado o auto de notícia de fls.8 porquanto a arguída na declaração Modelo 3 do IRS relativo a 2001 assinalou o campo 3 do quadro 06, quando deveria ter assinalado o quadro 1 porque não permaneceu na Região Autónoma pelo menos 183 dias e porque não declarou o rendimento de trabalho dependente de 6.883,00€ que auferiu do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça;
2 - No referido ano foi-lhe paga a importância de 6.883,41€ [1: E não como referido no auto de notícia.], pelo citado Instituto, a título de “Subsídio de Fixação”, tendo sido retido o imposto de 491,37€ (Fls. 20);
3 - A arguída foi notificada para deduzir a sua defesa, nos termos do artigo 70 do RGIT (fls. 13);
4 - A arguída apresentou a sua defesa tendo requerido o “depoimento de todos os Magistrados do Ministério Público em exercício de funções na Região Autónoma da Madeira” (fls. 15 e seg.);
5 - Foi proferida decisão de aplicação de coima em cuja descrição dos factos consta “À arguída foi levantado Auto de notícia pelos seguintes factos: foram declarados incorrectamente os rendimentos de trabalho independente recebidos do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça do ano de 2001, os quais se dão como reproduzidos”.
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A. N o nos parece verificar-se a invocada nulidade por violaç o do direito de audiç o e defesa.
Com efeito, a arguída não só foi notificada para exercer esses direitos como de facto os veio a exercer deduzindo a sua defesa conforme consta de fls.15 e seg.
É certo que a Administração Fiscal não levou em conta os argumentos invocados pela arguída nem realizou as diligências requeridas. Porém, estes factos não contendem directamente com aqueles direitos mas, eventualmente, com a alegada omissão de pronúncia ou com o erro de julgamento por falta de realização de diligências de prova.
Na verdade, a Administração Fiscal deveria ter-se pronunciado não só sobre os argumentos deduzidos pela arguída como também sobre a necessidade ou não da realização das diligências requeridas. A não realização destas, caso tivessem influência no apuramento dos factos, teria como consequência o erro de julgamento.
Ora, nem no despacho recorrido nem em qualquer momento antes não se verificou a pronúncia da Administração Fiscal sobre essas questões.
Verificar-se ia, assim, a invocada omissão de pronúncia.
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Porém, parece-nos, verifica-se uma outra nulidade que torna anulável a decisão: a falta de descrição dos factos.
Com efeito, tal como se referiu acima, a Administração Fiscal, no despacho de aplicação da coima limitou-se a referir que “foram declarados incorrectamente os rendimentos”.
Ora, a nosso ver, esta expressão é meramente conclusiva e não contém em si qualquer facto.
Quais foram os factos donde se conclui que houve incorrecção na declaração? Não se depreende do despacho recorrido.
É certo que se acrescenta que se dão por reproduzidos os factos constantes do auto de notícia; porém, como vem sendo jurisprudência uniforme deste tribunal [2: Entre outros: ac. 625/03 de 2003.10.07, 303/03 de 2003.06.24, 252/04 de 2004.10.19.] e do STA [3: Ver a jurisprudência citada nos referidos ac. 303/03 e 252/04.], tal menção não é suficiente.
Com efeito, por essa remissão não se sabe, concretamente, qual o “incorrecção” praticada: o ter preenchido o campo 3 do quadro 06 em vez do campo 1? A omissão de inscrição do rendimento auferido do IGFPJ? Ambas? E se foi a primeira, entre que datas permaneceu a arguída na Região Autónoma, para se poder saber se foram ou não mais de 183 dias?
Mostra-se assim violado o disposto na primeira parte do artigo 79º nº 1 al. b) do RGIT. Tal facto constitui a nulidade de falta de requisitos prevista no artigo 63º nº 1 al. d) do mesmo diploma, nulidade esta de conhecimento oficioso (artigo 63º nº 5).
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B. Mesmo que se entendesse que se n o verificavam as nulidades supra referidas, parece-nos ter raz o a recorrente quanto ilegalidade, em concreto, da aplicaç o da coima.
Com efeito, tal como referido pela mesma, tem sido jurisprudência uniforme do STA [4: Ver o acórdão referido nos autos (025816 de 2001.05.02) e outros do mesmo tribunal em relação ao “subsídio de compensação”.] que o chamado “Subsídio de Fixação” não tem natureza remuneratória, pelo que não é passível de incidência de IRS.
Dispõe o artigo 97º do Estatuto do Ministério Público:
Ouvidos o Conselho Superior do Ministério Público e as organizações representativas dos magistrados, o Ministro da Justiça pode determinar que seja atribuído um subsídio de fixação a magistrados do Ministério Público que exerçam funções nas regiões autónomas”.
Ora, tal como o subsídio de compensação a que se reporta o artigo 102 nº 2 (correspondentes aos artigos 24 e 29 do Estatuto dos Magistrados Judiciais), este subsídio tem por escopo ressarcir os Magistrados das despesas e incomodidade suportadas com a permanência em áreas de difícil acesso.
Assim, tal como tem sido decidido pelos tribunais, tais subsídios tem uma natureza compensatória e não natureza remuneratória, pelo que não são passíveis de IRS.
Não se verifica, pois, qualquer ilegalidade se o magistrado não incluir tais subsídios na sua declaração de rendimentos [5: Ac. 2085/99 de 1999.12.14 deste tribunal. No mesmo sentido ac. 2774 de 2000.12.05.]. Consequentemente é ilegal a coima aplicada.
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Somos, pois, de parecer que merece provimento o recurso interposto devendo a arguída ser absolvida da contra-ordenação que lhe é imputada.
Não nos opomos a que o recurso seja decidido por despacho, nos termos do artigo 64 nº 2 do Decreto-Lei 433/82.
Lisboa, 2 de Maio de 2006
O Procurador-Geral Adjunto

(Francisco M. Guerra)