Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:07/27/2007
Processo:01957/07
Nº Processo/TAF:384/06.0BELRS
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
IVA
NÃO ENTREGA DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA
CÚMULO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – J ..... , LDA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 79 a 85, do TAF de Lisboa 2 (Loures), que julgou improcedente o recurso que havia apresentado da decisão administrativa que lhe aplicara a coima de € 2 279,05, pela prática da infracção prevista e punida pelos artigos 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea a) do CIVA e 26º, nº 4 e 114º, nº 2, do RGIT.

2 – Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade apurada.

Argumenta a arguida que a decisão administrativa está ferida de nulidade e, concomitantemente, a decisão recorrida, nulidade que é insanável e de conhecimento oficioso, por a decisão de aplicação da coima não ter aludido, minimamente que fosse, aos critérios para determinação da concreta medida da coima.

Sob a epígrafe Requisitos da decisão que aplica a coima, dispõe o nº 1 do citado artigo 79º do RGIT:
      “A decisão que aplica a coima contém:
              a) A identidade do infractor e eventuais comparticipantes;

              b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

              c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

              d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;

              e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

              f) A condenação em custas.”

Por sua vez, estabelece o nº 1 do artigo 27º do mesmo diploma que a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.

O nº 4 dos “Factos Provados” diz o seguinte:

          4 – Em 2/2/2006, por despacho do Chefe do 4º Serviço de Finanças de Loures, exarado a fls. 12 e 13 dos autos e que se dá por integralmente reproduzido, foi aplicada a coima ao arguido no montante de € 2.279,05 (dois mil duzentos e setenta e nove euros e cinco cêntimos), devido à prática de contra-ordenação fiscal com características negligentes p.p. nos artºs.26, nº1, e 40. nº 1, al. a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.), e 26, nº 4, e 114, nº 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), aprovado pela Lei 15/2001, de 3/6, decisão que lhe foi comunicada em 1/6/2006 (cfr. fls. 14 dos autos)”.

Ora, o referido despacho começa por identificar a arguida, referindo, seguidamente, a factualidade que lhe é imputada. Depois, cita a norma jurídica que prevê e que pune a conduta em apreciação. Após, descreve a medida da coima, em abstracto, e indica os elementos a ter em conta para aplicação da coima em concreto, a saber: que não houve actos de ocultação, que a arguida não retirou benefício económico da infracção, que é frequente a prática de infracções como a dos autos, que a conduta sob apreciação tem carácter negligente, que a arguida não tinha especial obrigação de não cometer a infracção, que se desconhece a sua situação económica e financeira e que o tempo decorrido desde a prática da infracção foi superior a 6 meses.
Depois, fixa o montante da coima a aplicar à arguida e condena-a em custas. Por último, ordena a notificação da arguida com a advertência de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”.

Desta exaustiva exposição do conteúdo da decisão aplicativa de coima bem se vê que, contrariamente ao entendido pela recorrente, nela se recortam os requisitos do nº 1 do artigo 79º do RGIT e, bem assim, alguns dos elementos referidos no artigo 27º do mesmo diploma, indicadores da gravidade objectiva e subjectiva das infracções, em função dos quais se há-de graduar a coima a aplicar.
Com efeito, quando se afirma que é frequente a prática da infracção e se menciona o carácter negligente da conduta sob apreciação e se refere que se desconhece a situação económica e financeira do arguido está a dar-se cumprimento adequado ao estabelecido no nº 1 do citado artigo 27º do RGIT.
Toda esta gama de referências foi tomada em conta na graduação da coima e deve considerar-se bastante para satisfazer a exigência formal do mencionado artigo 27º. Com efeito, os elementos que contribuíram para a fixação da coima não têm de ser todos os elementos indicados naquele preceito, bastando que sejam alguns deles ou até outros.
De acordo com a jurisprudência corrente, proferida, porém, no âmbito do CPT, “A lei basta-se, para que se mostre cumprido o requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 212 do CPT ”com a indicação na decisão de aplicação da coima, dos elementos que contribuíram para a
fixação da coima aplicada”, não exigindo, pois, que os elementos indicados sejam todos e só os referidos no artigo 190º, ou que esses elementos justifiquem a coima aplicada, ou seja, o acerto da decisão, até porque estamos aqui no campo da validade formal da decisão e não da sua validade substancial.
“2 – Assim, só a falta absoluta de indicação desses elementos será geradora da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 195º do CPT, não sendo aplicável às decisões de aplicação da coima em processo de contra ordenação fiscal, a disciplina do CPA, designadamente o seu artigo 125º, porque afastadas pelas normas especiais do CPT, que regem essa matéria” (cfr. Ac. TCA, de 03.11.98, Recurso nº 1018/98).


No caso concreto, a decisão que aplicou a coima encontra-se, por isso, suficientemente fundamentada, sobretudo no tocante ao carácter cognoscitivo e valorativo que conduziu à aplicação da coima em concreto.


3 - Alega ainda a recorrente que a sentença recorrida “objectiviza” a responsabilidade contra-ordenacional, porquanto não actuou com culpa.

Mas não é assim.

Sob a epígrafe “Falta de entrega de prestação tributária”, dispõe o artigo 114º do RGIT:

          1 – A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
          2 – Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

          3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos caos em que a lei o preveja.

          …”.


Por sua vez, o nº 4 do artigo 26º do RGIT estabelece:
          “4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”.
Assim, a conduta não querida pela norma a título de contra-ordenação e por isso penalmente punível é o atraso no pagamento por inobservância do prazo legal de cumprimento por período até 90 dias se o comportamento for doloso – o agente age, sabendo e querendo a realização do tipo – e além de 90 dias, se a acção for negligente – violação do dever legal de cuidado, exigível ao agente em concreto e face às concretas circunstâncias do caso.

Como se diz no Ac. do STA, 2ª Secção, de 03.11.99, Proc. 23 832, “Os factos imputados à arguida podem constituir infracção punida pelo nº 1 ou pelo nº 2 do artigo 114º do RGIT conforme tenham sido praticados com dolo ou negligência, respectivamente.
“A culpa, não porque se presuma, mas por ser “algo que em regra ou prima facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo” está, em princípio, ínsita na descrição deste facto. Nos casos em que se prevêem tipos legais de infracção cometida com dolo e com negligência preenchidos pela mesma materialidade, a descrição factual terá implícita uma afirmação da existência de culpa, que, na falta de referência explícita ao dolo, se deverá entender ser a negligência, como forma mínima de imputação subjectiva de uma conduta a uma actuação”.

No caso dos autos, o despacho administrativo de aplicação da coima enquadrou a infracção no nº 2 do artigo 114º, que prevê a imputabilidade da conduta a título de negligência.
O intuito da previsão deste ilícito é, precisamente, o de punir com coima quem adoptou um comportamento que conduz à falta de cumprimento pontual da obrigação tributária, sem, no entanto, a respectiva vontade ser iluminada pelo desiderato de obtenção de uma vantagem patrimonial própria ou alheia.

O interesse jurídico tutelado pela norma é o pagamento do imposto no prazo legal.


Ora, conforme ressalta da matéria de facto dada como provada, a recorrente “(…) não efectuou o pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, previamente liquidado nos termos da lei, relativo ao mês de Abril de 2003 e no montante de € 9.747,87 (…), tudo conforme auto de notícia junto a fls. 2 e 3 do processo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido” (nº 1 do probatório).

A não entrega do valor do imposto devido viola o disposto nos artigos 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea b) do CIVA, já que a lei impõe tal obrigação independentemente de o sujeito passivo ter cobrado ou não o valor do imposto facturado. Daí que não tendo remetido à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA o valor do imposto devido naquele trimestre, a arguida preencheu os elementos típicos da contra-ordenação prevista no artigo 114º, nº 1, do RGIT.

4 – Quanto à questão da aplicabilidade do regime do concurso de contra-ordenações, decorrente da circunstância de existirem outros processos de contra-ordenação pela prática de factos idênticos, dir-se-á o seguinte:

Conforme se refere no Ac. deste TCA de 19/06/2007, proferido no Proc. 01768/07, “0 RGIT, quer o anterior CPT, não regulam os pressupostos para que exista concurso de contra-ordenações, nem mesmo o RGCO, regulando este, contudo, a sua forma de punição na norma do seu art.° 19.° n.°1.

0 Código Penal, no seu art.° 30.°, de possível aplicação subsidiária às contra-ordenações - cfr. art.° 3.° a) do RGIT - regula, quer o concurso de crimes, quer o crime continuado, com reflexos ao nível da respectiva punição, no norma do seu art.° 78.°, em que a pena única é encontrada por cúmulo jurídico, nos termos aí regulados. E idêntica forma de encontrar a pena única encontramos no RGCO - seu art . ° 19 . ° n.°l.

Se a anterior norma do n.°1 do art.° 206.° do CPT, apontava para no âmbito tributário haver lugar à existência de concurso de contra-ordenações com a cominação de uma coima única em cúmulo jurídico, pelo menos em certos casos, o actual RGIT, embora admitindo a existência do concurso de contra-ordenações, deixa de, ou afasta, o regime de punição privilegiado subjacente ao concurso de crimes que era o de um pena única em cúmulo jurídico que não material, como hoje se prevê na norma do art.° 25.° (2) deste diploma, ou seja, deixou de existir a principal característica que enforma o regime do concurso de crimes - a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico - desta forma se perdendo o principal interesse no concurso, a não ser de índole de eventual economia processual.

Assim, por actualmente, em todos os casos, as coimas aplicadas a várias contra-ordenações, cometidas pelo mesmo arguido, serem cumuladas materialmente (art.° 25.° do RGIT), improcedem as conclusões sobre esta questão na medida em que pugnavam pela cominação de uma pena única, segundo as regras do cúmulo jurídico”.

Improcedem, assim, todas as conclusões da recorrente.

5 - Em face do exposto, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.