Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:02/06/2008
Processo:02208/08
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Carlos Monteiro
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO
DOLO
Data do Acordão:03/24/2009
Texto Integral:VENERANDOS JUIZES DESEMBARGADORES DO
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL




A recorrente pede a revogação do decidido na sentença do TAF de Leiria, assacando-lhe errado julgamento da matéria de facto e a violação do nº 1 do artº 27º, nº 5 do artº 60º e nº 1 do artº 119º, todos do RGIT, com aplicação da coima única de € 2000,00, alegando para tanto que o auto de notícia foi levantado por quem não presenciou os factos pelo que não se encontra provado o dolo, que este também não existe por a tributação ter sido efectuada na base de métodos indirectos e que tendo pago o imposto antes da decisão da coima aplicada, se encontra reduzida a gravidade do facto e não fazer sentido que a coima seja superior ao valor do imposto.
A FP recorrida não contra-alegou e o Ministério Público respondeu a fls. 126 a 129 pela improcedência do recurso.
A meu ver, a recorrente não tem qualquer razão e o recurso improcederá, como consta da citada resposta e em termos que aqui se dão por reproduzidos, com vénia.
Com efeito, a recorrente confunde conceitos e finge ignorar os indiscutíveis meios de prova da infracção dolosa que lhe foi imputada e censurada.
Mas com a douta sentença recorrida, tal como é pacífico na Doutrina e na Jurisprudência, podemos afirmar que a conduta da recorrente é caracterizada pelo dolo directo, no conceito do art. 14.º, n.º1 do Código Penal, por agir com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar, tendo a recorrente actuado reiteradamente e contabilisticamente para aparentar redução dos seus proveitos e assim pagar menos IRC, (…) “a situação dos autos configura mesmo um exemplo paradigmático de contra-ordenação praticada com dolo (...) e no que respeita ao doseamento da coima aplicada, também ela se mostra proporcional à infracção praticada”.
Para Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, V. II, pág. 162, define-se dolo como a vontade consciente de praticar um facto que preenche um tipo de crime, constando a vontade dolosa de dois momentos: a) a representação ou visão antecipada do facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual ou cognoscitivo); e b) a resolução, seguida de um esforço do querer dirigido à realização do facto representado (elemento volitivo). Não bastando o conhecimento de que o facto preenche um tipo de crime, sendo necessária a própria consciência da ilicitude, pois nos expressos termos do art. 16.º, a falta de consciência da ilicitude exclui o dolo. No mesmo sentido Vai Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, tomo I, págs. 332 e 333, pois a doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, na sua formulação mais geral, como o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito, sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto. Do que neste elemento verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (…) das circunstâncias do facto (…) que preenche um tipo objectivo de ilícito (art. 16.º-1). A razão desta exigência deve ser vista à luz da função que este elemento desempenha: o que com ele se pretende é que, ao actuar, o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Por isso, numa palavra, o conhecimento da realização do tipo objectivo de ilícito constitui o sucedâneo indispensável para que nele se possa ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a esse título. Com a consequência de que sempre que o agente não represente, ou represente erradamente, um qualquer dos elementos do tipo de ilícito objectivo o dolo terá, desde logo, de ser negado (…). Fala-se a este respeito, com razão, de um princípio de congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo de ilícito doloso.”
No caso concreto, portanto, são indiscutíveis e amplamente demonstrados, além do dolo directo e do elevado grau de ilicitude da conduta da recorrente, o correcto doseamento da coima aplicada.
Em conclusão, comprovada a improcedência das censuras constantes da alegação da recorrente, quanto aos pressupostos de facto e de direito, deverá ser confirmada a douta sentença recorrida e improceder o recurso, segundo o meu parecer.

O Magistrado do Ministério Público