Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:10/09/2015
Processo:09023/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 2.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO.
INDÍCIOS FORTES DA OCORRÊNCIA DE TRANSAÇÕES FICTÍCIAS.
Texto Integral:Recurso Jurisdicional ( Impugnação)
Nº 09023/15
2º Juizo-2ª Secção ( Contencioso Tributário)


A Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, na sequência da “ Vista” aberta, vem emitir parecer nos termos do artigo 14º, nº2 do CPPT:

A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença do TT de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por T…, Ldª contra as liquidações de IRC e JC dos anos de 2007 e 2008.

Os fundamentos do recurso constam dos termos conclusivos de fls.352 e 354 – cujo teor aqui se reproduz – imputando o recorrente erro de julgamento à sentença recorrida. .

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, assistir razão à Recorrente, cujos argumentos acompanhamos, dando-os aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. “ - cfr. douto Ac. do TCA SUL de 10.07.2015, 08716/15.


As liquidações impugnadas tiveram origem em acção de inspecção de que foi objecto a impugnante, aos exercícios de 2007 e 2008, na sequência de investigação a outros sujeitos com os quais a impugnante estabeleceu relações contratuais.

Na sequência de tal inspecção a AT procedeu a correcções, por não ter aceite como custos fiscais, o valor das facturas emitidas pela “C…” e “ C…, Ldª, em virtude de ter considerado que as mesmas não tinham como suporte uma transacção real e efectiva dos bens.

A douta sentença, ora recorrida, fundamenta a procedência da impugnação no não cumprimento do ónus que impendia sobre a AT

De acordo com a jurisprudência firmada na matéria, de que são exemplo, entre outros, os Acs. do STA de 30.4.2003, Recº 0241/03, 23.10.2002, Recº 01152 e de 20.11.2002, Pº 01483/02, tendo a Administração Fiscal, considerado haver fundadas dúvidas sobre a realização das operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na contabilidade do contribuinte, desconsiderando tais operações, cabe-lhe, no processo em que o contribuinte impugne a sua actuação, a prova dos respectivos pressupostos, e ao contribuinte a prova de que as faladas operações tiveram, efectivamente lugar, ou seja, à Administração Tributária cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua actuação, designadamente, a existência do facto tributário em que assenta a liquidação, seja porque a contabilidade não reflecte a matéria tributável efectiva, nomeadamente por existência de indícios fundados de incluir operações não efectuadas ou de omitir operações efectuadas, e ao contribuinte o ónus de provar que as operações a que se referem as facturas tiveram efectivamente lugar.

Na situação em apreço, foi com base na factualidade descrita no RIT, cujo teor aqui se reproduz, que aqui nos dispensamos de repetir, que a AT concluiu pela existência de indícios fundados quanto à não verificação das transacções descritas nas facturas, sendo que tal factualidade suscita efectivamente fundadas dúvidas quanto à veracidade daquelas pelo que era ao contribuinte que cabia demonstrar que realização das transacções o que não logrou fazer face ao teor da prova produzida, em nossa opinião.

Com efeito, a douta sentença, ora recorrida, fundamenta a procedência da impugnação no não cumprimento do ónus que impendia sobre a AT.

No caso em apreço, a conclusão de que a AT não reuniu indícios suficientes para a conclusão de que se está perante facturação falsa é fundamentada pela douta sentença, essencialmente, nos seguintes factos relevantes :

1.
a). as declarações prestadas pelo sócio-gerente da C…, J…, no âmbito do processo inspectivo “ seriam susceptíveis de constituir um indicio válido de falsidade das facturas processadas por aquela empresa” todavia, “ perdem a sua validade para tal efeito a partir do momento em que, em audiência de inquirição de testemunhas, o mesmo sócio gerente confirma as relações comerciais estabelecidas com a impugnante…. “;

b) os indícios recolhidos e referentes ao sujeito passivo A… não podem relevar como a AT pretende, face às considerações expostas a propósito da C…;

2. a circunstância da AT ter concluído que um fornecedor de um fornecedor não possuí estrutura empresarial para realizar as transacções constantes das facturas por si passadas não pode levar à conclusão de que as facturas passadas pelo fornecedor da impugnante não têm subjacentes efectivas e reais transmissões de bens.

Ora, parece-nos que não tendo o Meritíssimo juiz “ a quo” valorado o depoimento prestado nos presentes autos pela testemunha José Inocêncio, cuja inquirição foi determinada por se entender útil à descoberta da verdade, como resulta de fls. 181 dos autos e da douta sentença a fls. 312 não poderia, sem mais, ser retirado valor e colocada em causa a veracidade do seu depoimento prestado em 2009, no âmbito da acção inspectiva.

Para colocar em causa o teor do depoimento prestado no âmbito da acção inspectiva, teria o Meritíssimo Juiz “ a quo” que fundamentar, retirando da factualidade apurada, circunstâncias concretas que explicitassem de forma fundada porque razão a testemunha prestou o depoimento, no âmbito da acção inspectiva, em 2009, num sentido e, quando da sua inquirição neste processo, presta depoimento em sentido oposto.

Não resultando da sentença factualidade no sentido atrás exposto, não poderia deixar de ser valorado o depoimento prestado pelo José Inocêncio A. Aroeira e constante do RIT.

Relativamente à desconsideração dos indícios recolhidos quanto aos fornecedores:

Como se escreve no sumário do douto Ac. do TCA Norte de 1.3.2007, 00027/00 “situando-se a origem da emissão das questionadas facturas no outrem, com quem o contribuinte fiscalizado se relacionou comercialmente, a objectiva dos serviços de inspecção tem, necessária e preferencialmente, que direccionar-se para os concretos moldes em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir a veracidade, a realidade, das operações que este inscreveu em tais documentos.
6. Seria ilógico que dessa forma não se procedesse, tanto mais que, na perspectiva do contribuinte sujeito a fiscalização, os elementos integrantes da respectiva contabilidade e vertidos nas competentes declarações tributárias gozam de uma aura de verdade que, da possível ausência de reparos em sede da actuação dos respectivos fornecedores/prestadores de serviços, sairá reforçada, sendo, virtualmente, inatacável.
7. Contudo, se assim deve ser na hipótese de a avaliação da situação dos emitentes das facturas resultar branca, no caso de a mesma redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transacções fictícias, obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro. A génese destas situações não pode ser outra que não o comportamento assumido por este, mas, sempre e necessariamente, com a complacência do receptor da facturação. ..”.

Os indícios de facturação falsa resultam do RIT pelo que deveria a impugnante ter demonstrado a materialidade das operações postas em causa, o que não logrou fazer com a prova que apresentou.

Em consequência, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos ter havido erro de julgamento como pugnado pela Recorrente.

Assim, emito parecer no sentido da procedência da presente impugnação.

Lisboa, 09 de Outubro de 2015

A Procuradora Geral - Adjunta

(Fernanda Carneiro)