Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:05/02/2007
Processo:01749/07
Nº Processo/TAF:45/00 TAF CASTELO BRANCO
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IVA 19
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS CORRECÇÕES
DÚVIDA FUNDADA
FACTOS NOVOS
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 - A ..... veio interpor recurso da douta sentença proferida pelo Mº Juiz do TAF de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1996, no montante de Esc. 850 000$00, e respectivos juros compensatórios no valor de Esc. 150 626$00.

Alega, em síntese:
a) Ausência de fundamentação das correcções levadas a efeito pela fiscalização;
b) Incorrecta apreciação da matéria de facto;
c) Da prova produzida pelo impugnante resultou, pelo menos, a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
d) A prescrição da dívida.

2 – Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não merece, a nosso ver, qualquer censura, dado ter feito uma correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade que, com pertinência, vem fixada.

Com efeito, no que concerne à fundamentação, dispunha o artigo 21º do CPT, sob a epígrafe “direito à fundamentação”, que “as decisões em matéria tributária, que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos, de facto e de direito”.
Tal direito constituía garantia expressa dos contribuintes, nos termos do artigo 19º, al. b), do mesmo diploma.
Aliás, o referido direito, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional (artigo 268º, nº 3 da CRP).
Por força do disposto no nº 1 do artigo 77º da LGT, a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Conforme decorre suficientemente dos autos e, nomeadamente do nº 3 do probatório, as correcções levadas a efeito pela Administração Tributária estão suficientemente fundamentadas, sendo a liquidação em causa o corolário lógico das referidas correcções.
Assim sendo, o impugnante conhecia as razões por que lhe foi liquidado aquele imposto, tendo podido analisar os critérios de que a Administração Fiscal se socorreu para chegar àquele montante e para indeferir a reclamação graciosa oportunamente apresentada.
E a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20 168. No mesmo sentido, cfr. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10.03.92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. do STA de 11.11.98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).
Aliás, se o impugnante entendesse que a notificação da liquidação não continha a sua fundamentação sempre poderia fazer uso do disposto no artigo 37º do CPPT, o que não aconteceu.

Daí que não ocorra, no caso dos autos, o apontado vício de forma, por falta de fundamentação da liquidação.

3 – Quanto à incorrecta apreciação da matéria de facto, também ela não ocorre. O impugnante limita-se a alegar o que, no seu entender, deveria ter sido dado como provado, sem que da prova apresentada se possa acolher a sua pretensão.
Trata-se, pois, de um desejo que não corresponde à realidade.

4 – Aliás, se assim fosse, não invocaria o impugnante a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
Porém, perante o tribunal de 1ª Instância não invocou a existência de tal dúvida.
Ora, saber se, perante determinado quadro factual, fica ou não fica “fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário”, é questão que se põe em sede de matéria de facto, porquanto a “fundada dúvida” respeita aos factos, e resulta da livre ponderação dos elementos de facto recolhidos, e de um juízo crítico sobre eles.
Como vem sendo afirmado pela jurisprudência, à face do artigo 121º do CPT, só se estaria perante uma situação de fundada dúvida quando positivamente se provasse que tal quantificação era errada ou, pelo menos, que houvesse indícios de que o fosse, o que não é o caso dos autos (cfr. Ac. do STA, de 24/04/2002, Processo 026679).
E, como já se disse, a sentença fez uma correcta apreciação da matéria de facto, não merecendo, por isso, qualquer censura neste particular.

5 – Quanto à alegada prescrição, o impugnante nada disse na petição de impugnação, motivo por que dela a douta sentença de 1ª Instância não conheceu, nem tinha de conhecer.
Trata-se, por isso, de matéria deduzida ex novo, o que impede este Tribunal ad quem de dela conhecer.

A este propósito, salienta-se o teor do acórdão do STA, de 23.11.2000, recurso 043299, onde designadamente se refere:

“I - É através das conclusões da alegação do recorrente que é delimitado objectivamente o âmbito do recurso (artºs 684°, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC …), visto que aquelas se destinam a resumir para o tribunal "ad quem" os fundamentos daquele, ou seja, as questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, pelo que tudo o que fique para aquém de tal objectivo é deficiente ou impertinente.

II - Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova (artºs 676°, nº 1 e 684°, nº 3 do CPC), não sendo, assim, licito às partes suscitar questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas, pelo que o Tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questões novas não decididas nos arestos recorridos, excepto nas situações em que a lei expressamente determine o contrário ou em que a matéria é de conhecimento oficioso.

E, conforme se diz no Ac. deste TCA, de 16/03/2005, recurso 00598/05, que passamos a citar Da opção do legislador de atribuir aos recursos ordinários a função de permitir que o Tribunal ad quem proceda à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, decorre que essa reapreciação se há - de mover dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.

Excluída está, por isso, a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova) na instância de recurso, embora isso não resulte de qualquer proibição legal, as antes da ausência de qualquer permissão expressa.

(...)

Concluímos assim que, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado:

1. pela matéria de facto alegada em primeira instância,

2. pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância,

3. e pelo julgado na decisão proferida em primeira instância”.


Ora, conforme jurisprudência assente, A prescrição da obrigação tributária não é de conhecimento oficioso no processo de impugnação judicial do acto de liquidação, por não consubstanciar vício invalidante desse acto, cuja verificação possa conduzir à procedência da respectiva impugnação” (cfr. Ac. do STA, de 07/02/07, Proc. 01130/06).

6 – Em face do exposto, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.