Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:01/16/2007
Processo:01525/06
Nº Processo/TAF:9/06.0BEALM
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
IVA NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão:02/27/2007
Disponível na JTCA:SIM
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Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – T .............. , LDA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 50 a 56, do TAF de Almada, que julgou improcedente o recurso que havia apresentado do despacho do Exmo. Chefe de Divisão de 23/06/2005, que lhe aplicara a coima de € 8.251,54, pela prática da infracção prevista e punida pelos artigos 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea b) do CIVA e 24º, 26º, nº 4 e 114º, nº 2, do RGIT.

A única questão suscitada pela arguida é a de saber se esta praticou, ou não, qualquer conduta ilícita, ainda que a título negligente.
No entender da arguida, não praticou, assacando, assim à douta sentença erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e na aplicação do direito, deixando, porém, claro que não está em causa o montante em concreto da coima aplicada (cf. artigo 14º das alegações de recurso).

2 - Argumenta a recorrente que não praticou qualquer facto punível, por um lado, porque o Estado, a quem havia prestado serviços, não havia ainda procedido ao respectivo pagamento na data em que a arguida supostamente deveria entregar valor do IVA; por outro, porque não houve qualquer prejuízo para o Estado.

Mas não é assim.

Sob a epígrafe “Falta de entrega de prestação tributária”, dispõe o artigo 114º do RGIT:
1 – A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 – Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos caos em que a lei o preveja.

…”.

Por sua vez, o nº 4 do artigo 26º do RGIT estabelece:

“4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”.

Assim, a conduta não querida pela norma a título de contra-ordenação e por isso penalmente punível é o atraso no pagamento por inobservância do prazo legal de cumprimento por período até 90 dias se o comportamento for doloso – o agente age, sabendo e querendo a realização do tipo – e além de 90 dias, se a acção for negligente – violação do dever legal de cuidado, exigível ao agente em concreto e face às concretas circunstâncias do caso.

Os factos imputados à arguida podem constituir infracção punida pelo nº 1 ou pelo nº 2 do artigo 114º do RGIT conforme tenham sido praticados com dolo ou negligência, respectivamente.
“A culpa, não porque se presuma, mas por ser “algo que em regra ou prima facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo” está, em princípio, ínsita na descrição deste facto. Nos casos em que se prevêem tipos legais de infracção cometida com dolo e com negligência preenchidos pela mesma materialidade, a descrição factual terá implícita uma afirmação da existência de culpa, que, na falta de referência explícita ao dolo, se deverá entender ser a negligência, como forma mínima de imputação subjectiva de uma conduta a uma actuação” (cfr. Ac. STA, 2ª Secção, de 03.11.99, Proc. 23 832).

No caso dos autos, o despacho administrativo de aplicação da coima enquadrou a infracção no nº 2 do artigo 114º, que prevê a imputabilidade da conduta a título de negligência.
O intuito da previsão deste ilícito é, precisamente, o de punir com coima quem adoptou um comportamento que conduz à falta de cumprimento pontual da obrigação tributária, sem, no entanto, a respectiva vontade ser iluminada pelo desiderato de obtenção de uma vantagem patrimonial própria ou alheia.

O interesse jurídico tutelado pela norma é o pagamento do imposto no prazo legal.


As relações económico-financeiras entre a arguida e outras empresas (ou o Estado) e as eventuais dificuldades económicas da arguida resultantes dessas relações não configuram uma situação de inexigibilidade que exclua, isente ou atenue a culpa (neste sentido, cf. Acórdão deste TCA, de 24.03.98, Recurso 65 321).

Por outro lado, na contra-ordenação prevista neste normativo, a circunstância “prejuízo” faz parte do tipo de ilícito e é verificável pela não entrega, total ou parcial, do imposto no prazo legal.
A existência de prejuízo para a Fazenda Pública decorre do facto de o Estado não poder fruir e dispor do imposto devido e que não foi entregue, no prazo legal, nos Cofres do Estado.

Assim, o não pagamento tempestivo do imposto importa sempre um prejuízo para o Estado.

Ora, conforme ressalta da matéria de facto dada como provada, “A Recorrente não enviou nos termos do nº 1 do art. 26º e alínea b) do nº 1 do art. 40º, ambos do CIVA, conjuntamente com a respectiva declaração periódica do período de 0406T, e até 16/08/2004, o montante de imposto exigível no valor de € 27.505,13” (alínea C9, do probatório).
Como refere, e bem, o ilustre magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, “a não entrega do valor do imposto devido viola o disposto nos artigos 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea b) do CIVA, já que a lei impõe tal obrigação independentemente de o sujeito passivo ter cobrado ou não o valor do imposto facturado. Daí que não tendo remetido à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA o valor do imposto devido naquele trimestre, a arguida preencheu os elementos típicos da contra-ordenação prevista no artigo 114º, nº 1, do RGIT”.

3 - Em suma:

a) - A infracção que é imputada à arguida é tão só a de, enquanto sujeito passivo do IVA, estar obrigada a entregar as declarações periódicas a que se refere o artigo 40º do CIVA, conjuntamente com o imposto arrecadado, por força do artigo 26º do mesmo diploma, e de não ter enviado com a declaração periódica do segundo trimestre de 2004, o montante de imposto exigível, no montante de € 27 505,13;

b) – A entrega da declaração de IVA desacompanhada do respectivo meio de pagamento traduz, no mínimo, a violação de um dever de cuidado objectivamente imposto aos gerentes de uma sociedade comercial, como é a arguida. A culpa está na inércia da arguida ao deixar de realizar a acção (entrega do imposto) exigida por lei;

c) – As eventuais dificuldades económicas da arguida não configuram uma situação de inexigibilidade que exclua, isente ou atenue a culpa;

d) – Na contra-ordenação prevista neste normativo, a circunstância “prejuízo” faz parte do tipo de ilícito e é verificável pela não entrega, total ou parcial, do imposto no prazo legal, impedindo o Estado de poder fruir e dispor do respectivo montante;

e) - Assim, o não pagamento tempestivo do imposto importa sempre um prejuízo para o Estado.

4 - Em face do exposto, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.