Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:03/20/2007
Processo:00544/06
Nº Processo/TAF:
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:FUSÃO DE SOCIEDADES
TRANSMISSIBILIDADE DE PREJUÍZOS
NULIDADE DO ACTO
INCOMPETÊNCIA DO AUTOR DO ACTO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do artigo 85º do CPTA, vem o Ministério Público emitir o seguinte parecer sobre o mérito do recurso jurisdicional.


1 – E ….. , S.A, veio interpor a presente acção administrativa especial contra o despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que lhe indeferiu o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais apurados pelas sociedades E ….. , S.A. e E ….. , S.A, realizado na sequência da operação de fusão promovida no decurso do exercício de 2003.

Alega, em síntese:
      a) A nulidade do acto impugnado;
      b) A incompetência do Senhor Secretário de Estado para a emissão do acto impugnado;
      c) Que se terá formado um acto tácito de deferimento do pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais, pelo que;
      d) O acto expresso é nulo (ou anulável) por pretender revogar ilegalmente esse acto de deferimento tácito.

Vejamos:

a) Da nulidade do acto impugnado

A nulidade invocada resultaria da falta de assinatura do autor do acto já que, tendo este sido praticado por Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi assinado por R ….. em nome da Directora de Serviços do IRC, M ….. .

Salvo o devido respeito, não é assim.

De facto, o documento em causa (doc. nº 1, junto a fls.) mostra-se assinado pela funcionária citada. Todavia, esse documento apenas transmite à autora que, “por Despacho nº 1120/2006-XVII, de 08.09.06, de Sua Exa. o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (…) foi indeferido o pedido de dedução de prejuízos e revogado o acto tácito de deferimento”, de acordo com os fundamentos que, de seguida, transcreve.
Assim, uma coisa é o despacho de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Despacho nº 1120/2006-XVII, de 08.09.06) que, como não podia deixar de ser, está por ele assinado, outra coisa é a notificação desse despacho que foi assinado por um funcionário, não se descortinando qual o normativo que obriga o membro do Governo que profere um determinado despacho a ter que notificá-lo, ele mesmo, ao interessado.

Pelas razões expostas, não ocorre a invocada nulidade.


b) – Da incompetência do autor do acto

Alega a autora que a competência para a emissão do acto cabe ao Senhor Ministro das Finanças e não ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, encontrando-se assim o mesmo acto inquinado do vício de incompetência, o que acarreta, em consequência, a sua anulabilidade.
O acto impugnado foi praticado pelo “Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por delegação de competências (Despacho 17829/2005 (2ª Série), publicado no DR nº 159, II Série, de 2005.08.19)”, conforme foi comunicado à autora e se constata do primeiro parágrafo do documento por esta invocado (doc. 1).

Assim sendo, não está o acto inquinado do vício de incompetência, como a autora bem sabe.


c) – Do acto tácito de deferimento

As sociedades E ….. e E ….. foram incorporadas na E ….. por via de uma operação de fusão por incorporação inscrita na Conservatória do Registo Comercial em 9 de Dezembro de 2003 (data a partir da qual se consideravam extintas as sociedades incorporadas – E ….. e E ….. ).
A integração do património das sociedades incorporadas foi efectuada reportando os seus efeitos a 1 de Janeiro de 2003.
No dia 13 de Outubro de 2003, a E ….. solicitou a Sua Excelência a Ministra das Finanças a transmissão dos prejuízos fiscais das sociedades incorporadas para a sua esfera.
Tal pedido foi efectuado ao abrigo do disposto no artigo 69º do CIRC que, subordinado à epígrafe, "transmissibilidade dos prejuízos fiscais", dispunha:

1 - Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no nº l do artigo 47°, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 - A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais corno a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos corno económicos.
(…)
7 - O requerimento referido no nº l, quando acompanhado dos elementos previstos no nº 2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de seis meses (redacção da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro - Orçamento do Estado para o ano de 2003) a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 - Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.

Acresce que, em 31 de Outubro de 2002 foi publicado o DL nº 229/02, de 31/10, que acrescentou ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artº 11º-A, que, sob a epígrafe "Impedimento de reconhecimento do direito a benefícios fiscais" passou a dispor o seguinte:

"1 - Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social ...".

É inquestionável que a requerida transmissibilidade dos prejuízos fiscais é um benefício fiscal já que se trata de “uma medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem” (cfr. artigo 2º, nos 1 e 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Ora, tratando-se de um benefício fiscal, nos elementos previstos no nº 2 do artigo 69.º do CIRC integra-se o ónus constante do nº 1 do artigo 11.º-A do EBF. Ou seja, o contribuinte tinha que demonstrar que lhe poderia ser concedido o benefício fiscal, apresentando “todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada: quer os constantes da Circular n.º 6/2002, de 2 de Abril, da Direcção-Geral de Serviços do IRC, que enumera os elementos que devem acompanhar os pedidos de transmissibilidade de prejuízos, quer o deste artigo 11.º-A, n.º 1, do EBE, que não consta daquela circular por ter entrado em vigor cerca de meio ano após aquela.

A formação do acto tácito está, assim, dependente do preenchimento dos requisitos de deferimento da pretensão, já que se estes não estiverem reunidos, não pode haver formação de acto tácito.
E o prazo só começa a contar a partir do momento em que estão preenchidos tais requisitos.
Ora, no caso dos autos, só em 10 de Março de 2005 os serviços tomaram conhecimento dos últimos elementos necessários para a apreciação e autorização do pedido.
É pois evidente que só a partir desta data é que poderia começar a correr o prazo para a formação do acto tácito de deferimento.

Assim, o prazo de deferimento tácito terá ocorrido em 10 de Setembro de 2005, dispondo a AT do prazo de um ano para proceder à revogação por ilegalidade do acto presumido assim formado.

O acto expresso revogatório, de 8 de Setembro de 2006, foi assim proferido atempadamente.


d) - Do acto expresso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Como já se disse, nos termos do nº 2 do artigo 69º do CIRC, "a concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais corno a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos corno económicos".
Ou seja, o Ministro das Finanças só autorizará a transmissibilidade dos prejuízos fiscais da sociedade fundida, se entender que a fusão é realizada por razões económicas válidas e inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.

E, de acordo com a jurisprudência, estamos aqui perante um poder conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração.

Conforme se refere Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05, “Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.
Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais" Curso de Direito Administrativo, Vol.II, pág. 107.

Ora, saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial.
Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".

“Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha, nem vem alegado.
No sentido ora exposto, pode ver-se o acórdão deste STA de 5 de Julho de 2006 (rec. nº 142/06)”.


2 - Em face do exposto, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.