Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:10/17/2006
Processo:01391/06
Nº Processo/TAF:159/01 LEIRIA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:CUMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDOS
AJUDAS DE CUSTO
DONATIVOS
JUROS COMPENSATÓRIOS
Texto Integral:1 – D ........ , SA, recorre da sentença proferida pelo Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou a impugnação judicial que havia deduzido totalmente improcedente no que tange às liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 1996 e 1997, por cumulação ilegal de pedidos; procedente no que tange às ajudas de custo pagas aos motoristas, encargos com refeições, serviço de camião e máquina, compras de pneus a J ... e ao CFI; e improcedente relativamente às ajudas de custo com encarregado geral, economista, mecânico e operador de laboratório, quanto a donativos, à nota de crédito e às compras de pneus à V ....... .

Após alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

“A) À data da apresentação da impugnação judicial - a 26 de Novembro de 2001 – não assume eficácia jurídica o regime previsto no n.° 5 do artigo 47.° do CPTA, mas antes o disposto no n.° 4 do artigo 38.° da LPTA, segundo o qual: "Em caso de ilegal cumulação ou coligação, os recorrentes têm a faculdade de interpor novos recursos, no prazo de 1 mês, a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando-se as respectivas petições apresentadas na data de entrada da primeira. "
B) Deste modo, quer o despacho proferido a fls. 765, quer a decisão de fls. 786 devem ser anulados, por manifesto vício de Lei, consubstanciado na errada aplicação da norma ínsita no n.° 5 do artigo 47.° da CPTA à impugnação Sub Judice.
C) Nos termos do artigo 11.° do EBF "O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo. "
D) Donde decorre que, aceite como provado que a Recorrente efectuou um donativo de €3.750,00 ao Grupo Recreativo do Casal e um donativo de €5.000.000,00 à Associação Cultural e Recreativa do Arnal, devem aquelas quantias ser aceites como custos fiscais dedutíveis e, em consequência, ser em correspondência anulado o acto de liquidação Sub Judice.
E) Resulta dos factos dados como provados e indicados em II. S), T), U), e V) que a Recorrente i) celebrou com A ........ SA um contrato de fornecimento de materiais, ii) tendo aquela Sociedade reclamado da qualidade do Tout-venant, iii) e que a Recorrente emitiu a favor de A ........ SA a nota de crédito, ora em apreço.
F) Dos depoimentos de P ... e de P ... resulta claro que a emissão da Nota de Crédito em análise teve por base as reclamações - que constam dos autos - apresentadas pela Sociedade A ............ SA.
G) Provado que está que o gasto em apreço se subsume ao escopo/actividade da Sociedade, preenchendo o requisito da indispensabilidade, o valor relativo à Nota de Crédito suportada pela Impugnante deve, então, ser considerado dedutível, nos termos do art. 23.° do CIRC.
H) A factura n.° 26744 consubstancia a real aquisição de pneus pela Recorrente, sendo, por isso, o acto de Liquidação adicional Sub Júdice ilegal por manifesta violação de Lei.
I) Considerando quer a prova documental, quer a prova testemunhal produzida por P ..., J ... e A ... , não se compreende de que modo pode o douto Tribunal a quo aceitar como provada a materialidade da operação de compra de pneus relativamente ao fornecedor J ... e não o considerar quanto à V. .... .
J) Ora, considerando que, no caso em apreço, não foi dada a conhecer à Recorrente qualquer fundamentação referente aos juros compensatórios constantes das liquidações n.° 2001 8310007400 e n.° 2001 8310007401 só podemos concluir que a mesma padece de vício de falta de fundamentação legalmente exigida, o que a torna anulável ao abrigo do disposto no artigo 99.° alínea c) do CPPT”.

2 – A recorrente defende que quer o despacho proferido a fls. 765 (que, constatada a cumulação ilegal dos pedidos de anulação das liquidações de IVA e de IRC dos anos de 1996 e 1997, ordenou a notificação da impugnante para, em 10 dias, se pronunciar sobre a referida excepção dilatória e indicar qual dos pedidos pretendia ver apreciado), quer a decisão de fls. 786 (na parte em que absolveu a Fazenda Pública da instância no que tange à impugnação do IVA e juros compensatórios) devem ser anulados, por manifesto vício de violação de lei, consubstanciado na errada aplicação da norma ínsita no nº 5 do artigo 47º do CPTA.

Apesar de ter deduzido impugnação judicial, mediante a apresentação de uma única petição, contra as liquidações adicionais de IVA e de IRC dos anos de 1996 e 1997, bem como de juros compensatórios, vem agora a recorrente defender que a cumulação daqueles pedidos é ilegal.

Ora, salvo o devido respeito, a eventual nulidade daquele despacho interlocutório e autónomo, não se nos afigura como susceptível de fundamentar qualquer nulidade da sentença posteriormente proferida, pela simples razão de que não cumpre agora apreciar se a cumulação das impugnações de IVA e de IRC era ou não admissível, uma vez que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou que não era e tal despacho transitou em julgado.

Com efeito, o referido despacho de fls. 765 é do seguinte teor:

“Constata-se agora que a impugnante cumulou os pedidos de anulação das liquidações de IVA e de IRC, cumulação essa que, face ao disposto no Art. 104º do CPPT, se afigura ilegal posto estarem em causa tributos de natureza distinta.

Assim, nos termos dos Art. 3º, nº 3 do CPC e 47º, nº 5 do CPTA, notifique a impugnante para, em 10 dias, se pronunciar sobre a excepção agora suscitada e, bem assim, para indicar qual dos pedidos pretende ver apreciado nestes autos”.

Notificada deste despacho, através de carta registada de 22/02/2006, veio a impugnante, a fls. 768, dizer que “em resposta e face ao conhecimento oficioso da excepção de ilegal cumulação de impugnações, requerer a V. Ex.a se digne prosseguir com a apreciação do pedido de anulação da liquidação adicional nº 2001 8310007400 (IRC 1996) e nº 2001 8310007401 (IRC 1997) e correspondentes juros compensatórios.”
Ou seja, a impugnante conformou-se com o teor do citado despacho, tendo actuado, aliás, em conformidade com o mesmo ao optar pela apreciação neste processo da liquidação do IRC, em detrimento da liquidação do IVA. Assim sendo, não pode agora, até por razões de boa fé e ainda que dúvidas houvesse sobre se deveria ser aplicado supletivamente o nº 4 do artigo 38º da LPTA ou o nº 5 do artigo 47º do CPTA questionar a legalidade daquele despacho interlocutório.
A arguição da referida nulidade no presente recurso, apresentado em 19/04/2006, não é, assim, tempestiva.

Acresce que, ao apreciar apenas as liquidações de IRC e ao absolver a Fazenda Pública da instância no que tange à impugnação do IVA a douta sentença limitou-se apenas a dar sequência ao citado despacho e à opção efectuada pela impugnante.

3 - Quanto ao mérito do recurso, cumpre conhecer das seguintes questões:

3.1 – Ajudas de custo com o encarregado geral, mecânico e operador de laboratório;
3.2 – Donativos;
3.3 – Nota de crédito;
3.4 – Compras de pneus à V .... ;
3.5 – Falta de fundamentação dos juros compensatórios.

Vejamos,

As quatro primeiras rubricas têm a ver com a dedutibilidade fiscal de determinadas despesas, independentemente da questão de saber se as mesmas foram ou não efectivamente realizadas.
Nos termos do n.º 1 do artigo 23º do CIRC (sob a epígrafe “Custos ou perdas”), “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, (…)”, enumerando, de seguida, exemplificativamente, alguns dos custos que devem ser considerados; acresce ainda que, para serem fiscalmente atendíveis, os custos devem ser comprovados por documentos válidos, conforme dispunha o artigo 41º, nº 1, alínea h) do CIRC (actualmente, artigo 42º, nº 1, alínea g)).

A limitação à dedutibilidade de determinados custos prende-se com razões de vária ordem, nomeadamente, com exigências formais e de segurança jurídica, maxime o combate à fraude e evasão fiscais e deriva do princípio fundamental de contabilidade de que todo o registo contabilístico deve ter apoio num documento adequado. Em princípio um documento externo.
Ao exigir o suporte documental e o registo contabilístico da operação, e ao limitar-se a dedutibilidade, o legislador está no fundo a controlar o cumprimento de obrigações fiscais, que decorrem, nomeadamente, dos artigos 17º, nº 3 e 98º do CIRC, do artigo 32º do Código Comercial, do POC e dos princípios constitucionais que impõem que a tributação das empresas incida sobre o rendimento real e efectivo, o qual será apurado de acordo com a declaração do contribuinte, observados que sejam, entre outras, as regras relativas à documentação dos custos e dos proveitos.
Como refere Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária – deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, Lisboa 2000, 2ª edição, págs. 242, ao referir-se ao princípio da documentação regulado no artigo 32º do Código Comercial e concretizado no artigo 98º do CIRC: “O princípio da documentação vai dar origem ao dever que impende sobre todos aqueles que têm uma actividade empresarial – pessoas colectivas ou comerciantes em nome individual – de registarem de forma tendencialmente indelével, todos os acontecimentos comerciais: os movimentos financeiros de concessão de crédito ou contracção de empréstimos, todas as saídas ou entradas de mercadorias, todos os pagamentos ou recebimentos realizados pela empresa, criando-se assim uma base clara e segura para a prestação de contas. E permitindo desta forma, registar todas as relações patrimoniais em que participa a empresa”.

Conforme refere TOMÁS DE CASTRO TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal nº 396, págs. 125-126 … “Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal” Idem, pág. 167...”.

Os requisitos de imprescindibilidade de comprovação exigidos pelo artigo 23º do CIRC devem ser aferidos em função dos elementos de escrita e da experiência comum da vida, numa primeira linha; e se dessa apreciação resultarem dúvidas haverá de proceder, então, a maior indagação (com recurso a outros meios de prova), com vista à formulação de um juízo definitivo.

Postas estas considerações de ordem geral, vejamos o que acontece relativamente a cada uma das rubricas citadas:

3.1 – Ajudas de custo

Com interesse para esta questão foram dados como provados os seguintes factos:

“E) Os mapas de ajudas de custo de fls. 91 a 94 foram elaborados posteriormente à realização da inspecção tributária.
F) O encarregado geral da impugnante efectuava deslocações às obras e, mensalmente, apresentava à empresa um mapa dos quilómetros percorridos.
G) Ao operador de laboratório da impugnante incumbia recolher amostras no local e fazer análises no laboratório.
H) Nos anos de 1996 e 1997, o operador de laboratório deslocava-se em viatura própria, fazendo uma relação dos quilómetros percorridos ao fim de cada dia, mediante listagem por si manuscrita.
I) As ajudas de custo eram pagas aos trabalhadores com o respectivo vencimento.

Quanto aos factos não provados, consta da sentença em causa:

“Com interesse para a decisão não se provou que:

A) As deslocações identificadas nos documentos de fls. 91 a 165 ocorreram nos dias e pelos motivos aí referidos”.

De acordo com o artigo 2º do CIRS consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular (nº 1), compreendendo-se no conceito de remuneração, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não (nº 2).
E, por força da al. e) do nº 3 consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente “as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

As ajudas de custo caracterizam-se pela sua finalidade compensatória – consubstanciam o reembolso ou compensação das despesas que o trabalhador foi obrigado a suportar do deu bolso, na sequência de deslocações ao serviço da entidade patronal.
Todavia, relativamente às importâncias em causa, nenhuma prova foi efectuada de que se destinavam a compensar o encarregado geral, o economista, o mecânico ou o operador de laboratório de despesas que tivessem efectivamente suportado do seu bolso ou, a existirem, que tivessem resultado de deslocações ao serviço da entidade patronal, por forma a poder concluir-se que tais quantias se destinavam a reembolsá-los dessas despesas, sendo certo que os documentos alegadamente demonstrativos dessas eventuais despesas foram elaborados posteriormente à realização da inspecção tributária e que não se provou que as deslocações identificadas nos documentos de fls. 91 a 165, ocorreram nos dias e pelos motivos aí referidos.
Um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. É que não se trata aqui de uma questão de veracidade (quanto à existência e montante) da despesa contabilizada, mas da sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.
Assim, se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade [e compreende-se que assim seja, pois o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. Ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. nº 4736/01); como refere o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2ª edição, pág. 470), “o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário...”].

Daí que não estando comprovada a realização daquelas despesas ao serviço da impugnante nem sequer que representam o reembolso de despesas feitas pelos trabalhadores acima indicados, não possa concluir-se terem sido indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora,
E, assim sendo, não podem ser aceites como custos fiscais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC.

3.2 – Donativos

Relativamente a esta questão, foi dado como provado que:

“M) Em 1997, a impugnante doou à Associação Cultural e Recreativa do Arnal o montante de 1.000.000$00 – fls. 365 e 370.
N) Nos termos do artigo 1º dos estatutos da Associação Cultural e Recreativa do Arnal, constituída em 9 de Julho de 1975, esta visa a promoção cultural, desportiva e recreativa dos seus associados – fls. 366 a 368.
O) Em Dezembro de 1997, a impugnante doou ao Grupo Recreativo do Casal o montante de 750.000$00 – fls. 369 e 471.
P) (…).
Q) Do DR nº 163, III série, de 15/07/99, consta certificação nos termos da qual “por escritura de 26 de Maio de 1999, (…) foram alterados os estatutos da associação denominada Grupo Recreativo do Casal, (…) que tem por objecto a promoção cultural, recreativa e desportiva dos seus associados, sem fins lucrativos, por tempo indeterminado” – fls. 374.
R) Por despacho datado 16 de Junho de 2000 e publicado no Diário da República nº 153, de 5 de Julho de 2000 foi atribuído o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública ao Grupo Recreativo do Casal, com sede em Casal de santo Amaro, em Penacova – fls. 370”.

Nos termos do nº 1 do artigo 39º-A do CIRC, na redacção da Lei 10-B/96, de 23 de Março, “São ainda considerados custos ou perdas do exercício os donativos, em dinheiro ou em espécie, concedidos pelos contribuintes, até ao limite de 8%o do volume de vendas e ou dos serviços prestados no exercício, às entidades mencionadas no artigo 9º, que prossigam predominantemente fins sociais, bem como a centros de cultura e desporto ou centros populares de trabalhadores organizados nos termos dos estatutos do Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores”.

As entidades beneficiárias dos donativos só podem ser:
a) – As mencionadas no artigo 9º que prossigam predominantemente fins sociais, a saber:
a1) – Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
a2) – Pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência ou solidariedade social;
a3) – Instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas;
a4) – Pessoas colectivas àquelas equiparadas.
b) - Centros de cultura e desporto;
c) – Centros populares de trabalhadores nos termos dos estatutos do Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres.

Não está em causa que os montantes indicados integrem o conceito de doação previsto no artigo 940º do Código Civil, segundo o qual, a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe, gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.
E, da matéria de facto provada resulta com clareza que o recebimento das importâncias pela Associação Cultural e Recreativa do Arnal e pelo Grupo Recreativo do Casal não implicou para estas instituições qualquer contrapartida, susceptível de exclusão do animus donandi típico dos donativos.
É certo que, à data dos donativos em causa, as entidades beneficiárias não integravam o elenco das mencionadas no artigo 9º do CIRC.
Porém, salvo o devido respeito, de acordo com os seus estatutos, as entidades referidas enquadram-se no grupo “centros de cultura e desporto”, previsto no citado artigo 39º-A do CIRC.
Na verdade, a Associação Cultural e Recreativa do Arnal “visa a promoção cultural, desportiva e recreativa dos seus associados” e o Grupo Recreativo do Casal “tem por objecto a promoção cultural, recreativa e desportiva dos seus associados”.

Assim sendo, as liberalidades indicadas devem ser considerados custos ou perdas de exercício, nos termos e condições fixadas no citado artigo 39º-A do CIRC.

3.3 – Nota de crédito

A Nota de Crédito nº C 000262, no montante de Esc. 33 250 500$00, emitida a favor de A ........ , SA, não foi aceite como custo pela administração fiscal por decorrer da incapacidade daquela empresa de solver os seus compromissos e representar uma redução de proveitos, em infracção ao disposto no artigo 37º do CIRC.
De acordo com a matéria de facto dada como provada (cfr. alíneas S), T, U e V)), não ficou demonstrado que os motivos da emissão da nota de crédito a favor da A .............. , SA tenham sido as reclamações constantes dos faxes de fls. 210 a 213, nem que esta empresa tenha tomado conhecimento da rectificação.
Assim sendo, bem andou a sentença recorrida ao não aceitar como custo fiscal a importância constante da referida nota de crédito.

3.4 – Compras de pneus à V ........

Não consta da matéria de facto dada como provada que a impugnante tenha adquirido à empresa V ........ os bens titulados pela factura e guia de remessa de fls. 276 e 277.
Daí que o valor constante daquela factura não possa ser aceite custo fiscal.

3.5 – Juros compensatórios

A liquidação de juros compensatórios pela Administração Fiscal está indefectivelmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devida pelo contribuinte.
Os juros compensatórios constituem “um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do contribuinte por incumprimento dos deveres acessórios” (Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 451). Os juros compensatórios aparecem como um agravamento “ex lege” proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de autoliquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.
São uma compensação ou indemnização, uma espécie de reparação civil pelo retardamento da liquidação e subsequente atraso do recebimento do correspondente tributo o que pressupõe uma situação liminar de culpa, consubstanciada na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder-se formular a respeito da sua conduta o referido juízo de censura (Cfr. Ac. do STA de 16.11.1983, in AD, 266/207).
Os juros compensatórios “pressupõem atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte (cfr. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4ª edição, pág. 174).
“A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte” (cfr. Ac. do STA de 23.09.98, Proc. 22 612, de que foi relator o Ex.mo Cons.º Jorge de Sousa).

Salvo o devido respeito, não está demonstrada nos autos a culpabilidade da impugnante no retardamento da liquidação, razão por que não são devidos juros compensatórios.

4 – Em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de que deve ser dado parcial provimento ao presente recurso.