Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:12/21/2006
Processo:01513/06
Nº Processo/TAF:113/05.2BELLE
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IRS
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA
NOTIFICAÇÃO DO CONTRIBUINTE
Texto Integral:4

Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – A EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 140 a 142, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a oposição deduzida por A … à execução fiscal que contra ele pende no Serviço de Finanças de Lagoa, por dívida de IRS e juros compensatórios do ano de 2001, no montante de € 282 034,02.

Para assim decidir, entendeu o Mº Juiz “a quo” que “a notificação da liquidação do IRS desse ano ocorreu após a data da instauração da execução fiscal (e, aparentemente, já no decurso da oposição). A não notificação ao contribuinte da liquidação torna inexigível o respectivo tributo”.

2 - Na minha perspectiva, a decisão recorrida não terá optado pela melhor solução.

De facto, a questão essencial é a de saber se o oponente foi, ou não, notificado da liquidação do tributo no prazo da caducidade.

Sobre esta questão apenas constam do probatório da sentença os seguintes factos:

“A presente execução fiscal foi instaurada no Serviço Local de Finanças de Lagoa no dia 04-12-2004.
Visando a cobrança ao ora Oponente do IRS do ano de 2001.
A liquidação oficiosa de 2001 foi efectuada em 13-12-2005”.

Ora, a liquidação em causa não foi efectuada em 13/12/2005, mas sim em 26/06/2004, tendo-lhe cabido o nº 2004 5000682332, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 120.
Por outro lado, também não consta da matéria de facto (e que é de inquestionável relevância para a solução desta questão) qual a data da notificação da referida liquidação, embora do documento junto aos autos a fls. 118 se refira que a notificação se deve ter como efectuada em 17/11/2004.

Face às apontadas deficiências, devem admitir-se os documentos juntos pela Fazenda Pública com as alegações de recurso, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 706º do CPC.

3 - Em matéria de notificações regem os artigos 36º e 38º do CPPT que, em resumo, estabelecem os seguintes princípios: as notificações são efectuadas, regra geral, por carta registada (n.º 3 do artigo 38º) sendo que as liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei serão comunicadas por simples via postal (n.º 4 do mesmo normativo); serão obrigatoriamente efectuadas por carta registada com aviso de recepção sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (n.º 1 do artigo 38º).

Porém, o artigo 149º, nº 3, do CIRS estabelece que as notificações de actos de liquidação devem ser feitas por via de carta registada simples.
Veja-se, neste sentido, Jorge Lopes de Sousa (CPPT Anotado, 4ª Edição, 2003, p. 224, nota 295): “(…) com a Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao nº 3 do art. 139º do CIRS, passou a bastar a carta registada, sem aviso de recepção, para todas as notificações relativas ao IRS (…). Esta redacção foi mantida no art. 149º, nº 3, do CIRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, que corresponde àquele art. 139º, nº 3.”
Todavia, como se constata agora com os documentos juntos com as alegações de recurso, a notificação da liquidação do imposto foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Lagoa por carta registada com aviso de recepção, através do ofício nº 8575, de 07/10/2004, carta que foi devolvida, em 22/10/2004, com as indicações seguintes: “não atendeu” e “não reclamado”(cfr. fls. 159 a 163).
Assim sendo, nos termos do nº 5 do artigo 39º do CPPT, foi novamente notificado, igualmente por carta registada com aviso de recepção, através do ofício nº 9168, de 29/10/2004, com as mesmas indicações: “não atendeu” e “não reclamado”, tendo sido devolvido pelos CTT ao Serviço de Finanças em 17/11/2004 (cfr. fls. 164 a 167).

Por força do disposto no nº 6 do mesmo artigo 39º, na redacção dada pelo DL 160/03, de 19 de Julho, “a notificação presume-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.

Ora, tendo o último registo sido efectuado em 29/10/2004, presume-se efectuada a notificação no dia 2/11/2004 (já que o dia 1 é feriado) e não em 17/11/2004, data da devolução da carta pelos CTT ao Serviço de Finanças.

Ao oponente cabe elidir a presunção da notificação.

Quanto ao alegado estado civil do oponente cabe referir que “A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite”, nos termos do nº 7 do artigo 13º do CIRS.
Estando casado nessa data, nenhuma obrigação compete à Administração Tributária de indagar a alteração desse “estado”, se tal não lhe for comunicado (o que não foi sequer alegado, quanto mais demonstrado), nem tal alteração tem influência na decisão dos autos já que, quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária (nº 1 do artigo 21º da LGT).
Já no que respeita ao domicílio fiscal, a sua mudança poderia ser relevante. Porém, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária (nº 3 do artigo 19º da LGT), ou seja, “a administração tributária poderá continuar a considerar o contribuinte residente no domicílio que já abandonou (…)” (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, pág. 115).

Cabendo-lhe, pois, elidir a presunção da notificação (efectuada dentro do prazo da caducidade) e não o tendo feito, nem tendo comprovado que comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, não ocorreu a invocada inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação.

Assim sendo, a oposição não podia merecer acolhimento.

4 - Nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 712º do CPC, deve a matéria de facto ser alterada, sugerindo-se que o seja do seguinte modo:

· Onde se diz que a liquidação oficiosa de 2001 foi efectuada em 13-12-2005 deve dizer-se o seguinte: A liquidação oficiosa de 2001 foi efectuada em 26/06/2004, tendo-lhe cabido o nº 2004 5000682332;
· A notificação da liquidação do imposto foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Lagoa por carta registada com aviso de recepção, através do ofício nº 8575, de 07/10/2004, carta que foi devolvida, em 22/10/2004, com as indicações seguintes: “não atendeu” e “não reclamado”;
· Face a essa devolução, foi enviada nova carta registada com aviso de recepção, através do ofício nº 9168, de 29/10/2004, tendo sido devolvido pelos CTT ao Serviço de Finanças em 17/11/2004 com as mesmas indicações: “não atendeu” e “não reclamado”.

5 - Face ao exposto, emito o seguinte parecer:

Deve conceder-se provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a decisão impugnada.