Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:07/16/2007
Processo:01902/07
Nº Processo/TAF:2282/05.2BELSB
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:IRC
PRAZO MÍNIMO PARA AUDIÇÃO PRÉVIA
CUSTOS FISCAIS
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhor Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – H ..... , LDA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 309 a 314, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação que havia deduzido das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2001 e 2002.

Aduz, em síntese, preterição de formalidade essencial (frustração do direito de audição prévia), errónea quantificação e qualificação dos factos tributários e vício de violação de lei, maxime do disposto no artigo 23º do CIRC.

Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não merece censura pelas razões que, de seguida, tentaremos explicar.

2 – No que respeita à frustração do direito de audição, a argumentação da recorrente assenta no pressuposto de que, atenta a complexidade do procedimento, a administração fiscal não deveria ter fixado o prazo mínimo de 8 dias previsto no nº 6 do artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT), mas outro superior, no mínimo o prazo de 10 dias a que se refere o artigo 23º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A Constituição da República Portuguesa reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito (artigo 267º, nº 5). O artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) veio dar concretização a este direito no domínio do procedimento tributário, enunciando as situações em que é obrigatória a audiência dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito.
Entende a recorrente que sendo o Código de Procedimento e de Processo Tributário CPPT) lei especial em relação à Lei Geral Tributária (LGT), o prazo mínimo deveria ser de 10 dias, nos termos do artigo 23º, nº 1, do CPPT e não o de 8 dias do artigo 60, nº 6, da LGT.
Porém, ao contrário do que sustenta, a norma constante do nº 6 do artigo 60º é que é norma especial em relação ao disposto no artigo 23º do CPPT e não o contrário.
Diz Jorge Lopes de Sousa, in Código Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 4ª Edição, Lisboa, Vislis Editores, 2003, em anotação ao artigo 23º:
“Na L.G.T. e no R.C.P.I.T. prevêem-se casos de fixação pela administração tributária de prazos fora dos limites gerais previstos neste artigo 23.°, n.° 1.
Com efeito, no art. 60.°, n.° 5 (actual nº 6) da L.G.T. e no art. 60.°, n.° 2, R.C.P.I.T. refere-se que o prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
No art. 42.°, n.° 3, do R.C.P.I.T. prevê-se que o prazo para entrega ou regularização de elementos necessários à prática de actos de inspecção tributária deve ser fixado entre 2 e 30 dias.
Estes arts. 60.°, n.° 5 da L.G.T. e 42.°, n.° 3, e 60.°, n.° 2, do R.C.P.I.T. têm a natureza de normas especiais, em face deste art. 23.°, n.° 1, que pretende estabelecer limitações à fixação de prazos, em qualquer caso.
Porém, aquela natureza de normas especiais não afastará a possibilidade de aquelas se considerarem revogadas por este art. 23.°, pois no art. 2.° do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, prevê-se a revogação de toda a legislação contrária a este Código. No entanto, quanto ao art. 60.°, n.° 5, da L.G.T., uma vez que este C.P.P.T. reconhece a primazia das normas daquela (art. 1.° deste Código), deverá entender-se que não é revogado por este diploma”.

Assim, atento o disposto no artigo 1º do CPPT, a norma aplicável ao prazo para o exercício do direito de audição prévia é o artigo 60º da LGT.
O prazo do exercício do direito de audiência fixado nesta disposição “não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias”.
Prevalecendo esta norma sobre o artigo 23º do CPPT, a administração fiscal podia fixar, como fixou, em 8 dias o prazo para a recorrente exercer aquele direito.

3 – Relativamente à correcção de custos não aceites fiscalmente (pagamentos efectuados a agências de viagens e a extractos de movimentos efectuados através da utilização do cartão de crédito) cumpre dizer o seguinte:
Pretende a recorrente que todos os encargos relacionados com o sócio H ..... deverão ser qualificados como custos da sociedade porque intimamente relacionados com a fonte de proveitos.

Porém, não é assim.

Nos termos do n.º 1 do artigo 23º do CIRC (sob a epígrafe “Custos ou perdas”), “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, (…)”, enumerando, de seguida, exemplificativamente, alguns dos custos que devem ser considerados; acresce ainda que, para serem fiscalmente atendíveis, os custos devem ser comprovados por documentos válidos, conforme dispunha o artigo 41º, nº 1, alínea h) do CIRC (actualmente, artigo 42º, nº 1, alínea g)).

A limitação à dedutibilidade de determinados custos prende-se com razões de vária ordem, nomeadamente, com exigências formais e de segurança jurídica, maxime o combate à fraude e evasão fiscal e deriva do princípio fundamental de contabilidade de que todo o registo contabilístico deve ter apoio num documento adequado. Em princípio um documento externo.
Ao exigir o suporte documental e o registo contabilístico da operação, e ao limitar-se a dedutibilidade, o legislador está no fundo a controlar o cumprimento de obrigações fiscais, que decorrem, nomeadamente, dos artigos 17º, nº 3 e 98º do CIRC, do artigo 32º do Código Comercial, do POC e dos princípios constitucionais que impõem que a tributação das empresas incida sobre o rendimento real e efectivo, o qual será apurado de acordo com a declaração do contribuinte, observados que sejam, entre outras, as regras relativas à documentação dos custos e dos proveitos.
Como diz Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária – deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, Lisboa 2000, 2ª edição, págs. 242, ao referir-se ao princípio da documentação regulado no artigo 32º do Código Comercial e concretizado no artigo 98º do CIRC: “O princípio da documentação vai dar origem ao dever que impende sobre todos aqueles que têm uma actividade empresarial – pessoas colectivas ou comerciantes em nome individual – de registarem de forma tendencialmente indelével, todos os acontecimentos comerciais: os movimentos financeiros de concessão de crédito ou contracção de empréstimos, todas as saídas ou entradas de mercadorias, todos os pagamentos ou recebimentos realizados pela empresa, criando-se assim uma base clara e segura para a prestação de contas. E permitindo desta forma, registar todas as relações patrimoniais em que participa a empresa”.

Conforme se diz no Ac. do TCA, de 23/09/2003, processo 3893/00, “não pode admitir-se como custo fiscal um custo relativamente ao qual inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou que este documento se revele insuficiente, a menos que seja feita a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante, por qualquer meio de prova, competindo, em sede contenciosa, ao juiz a apreciação crítica dessa prova. Ou seja, em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, nem sequer preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio.
Neste sentido, vide TOMÁS DE CASTRO TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal nº 396, págs. 125-126 … “Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal” Idem, pág. 167.”.
A prova necessária para essa demonstração deve assim explicitar “de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção”, como refere o mesmo autor, na obra citada a pág. 123.

No caso dos autos, ao contrário do alegado pela recorrente, não foi dado como provado que as despesas efectuadas pelo sócio H ..... fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da sociedade H ..... , Lda,.
Por outro lado, a recorrente nenhuma prova fez da ocorrência dos custos em causa.
Assim sendo, bem andou a Administração Fiscal ao não aceitar como custos fiscais dos exercícios de 2001 e 2002 as importâncias em causa.

4 – Acresce que, conforme refere o Mº Pº junto da 1ª Instância, “as despesas com o fornecimento de refeições aos artistas e outras pessoas e entidades integram o conceito de despesas de representação, nos termos do estatuído no artigo 69º-A/6 para 2001 e 81º/6 para 2002, ambos do CIRC, logo sujeitas a tributação autónoma”.

Improcedem, assim, todas as conclusões do recorrente.

5 - Pelo exposto, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.