Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:07/03/2007
Processo:01907/07
Nº Processo/TAF:217/06.4BELLE
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:TARIFAS DO MUNICÍPIO
EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E OUTROS
Texto Integral:Excelentíssimos Senhor Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – R ..... veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 59 a 70, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação que havia deduzido da liquidação da “tarifa de recolha, depósito e tratamento de resíduos sólidos” e da “tarifa de drenagem de águas residuais”, referentes ao 1º semestre do ano de 2006, no montante de € 1 211,78, concluindo, em síntese:
      a) Os actos de liquidação e cobrança das referidas taxas violam os princípios da proporcionalidade, da justiça, da igualdade da boa fé e da confiança;

      b) Os referidos actos enfermam ainda de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito ou, pelo menos, esta é insuficiente;

      c) A recorrente não foi ouvida antes da liquidação das tarifas em causa, tendo por isso sido violado o princípio da participação dos particulares na actividade administrativa;

      d) Há duplicação de cobrança dos serviços titulados pelas tarifas em causa.


Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não merece censura pelas razões que, de seguida, tentaremos explicar.

2 - A argumentação da recorrente assenta no pressuposto de que o valor das tarifas em causa é absurdo, desproporcional aos serviços prestados pela empresa municipal e não tem qualquer conexão com o valor do imóvel.

O que caracteriza a taxa é a sua natureza bilateral ou sinalagmática. Porém, conforme se diz no Ac. do STA, de 04.2.98, publicado na CTF 389,228, “a existência desse nexo sinalagmático não postula que tenha de haver forçosamente um exacto equilíbrio entre o valor económico de ambas as prestações, até porque nem sempre os bens utilizados são susceptíveis de ser aferidos segundo um valor económico preciso, como se passa, por exemplo, nas taxas devidas pela remoção de obstáculos jurídicos ao uso ou utilização de bens ou exercício de actividades.
A sinalagmaticidade pressuposta pela taxa basta-se com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações.
Para além disto não se poderá esquecer que existem muitos bens por cuja utilização se exigem taxas que dificilmente poderiam ser economicamente valorados, por razões de ordem prática, como a constante necessidade de conservação, aperfeiçoamento ou grau de utilização.
Tanto vale por dizer que o legislador ordinário goza de uma larga margem de discricionariedade constitutiva quanto ao montante das taxas”.

Tanto a doutrina como a jurisprudência fundam o carácter sinalagmático das taxas “na equivalência jurídica”, não na “equivalência económica”.

As tarifas em causa foram aprovadas em 13 de Janeiro de 1999 pela Câmara Municipal de ....., sendo que a actualização dos montantes relativos ao ano de 2006 teve por base o índice de preços ao consumidor publicado pelo INE, ou seja, 2,3%.
O critério adoptado foi o do número de camas indicadas no projecto de arquitectura apresentado e aprovado pela Câmara Municipal.
Assim, para o ano de 1999, o valor a ser cobrado aos proprietários era na base de 2000$00 cama/mês (a que correspondem 10 euros), considerando-se que a cada quarto correspondiam duas camas.

O valor fixado para o ano de 2006 foi o seguinte (cfr. fls. 39 vº):
      · Tarifa de recolha, depósito e tratamento de resíduos sólidos: € 8,43 cama/mês;

      · Tarifa de drenagem de águas residuais: € 3, 60 cama/mês.

Sendo o montante mensal das duas tarifas de € 12,02.

Não correspondem, assim, à verdade os números apontados pelo recorrente nas alegações a fls. 85 ao pretender demonstrar a violação dos princípios da boa fé e da confiança e a falta de correspondência nas contrapartidas proporcionadas pela empresa municipal em causa.

Ora, considerando as diversas tipologias habitualmente mais utilizadas em zonas turísticas, teríamos, no ano de 2006, os valores seguintes:
      · Um T1 (um quarto) - 24,04;

      · Um T2 (dois quartos) – 48,08;

      · Um T3 (três quartos) – 72,12.


Alega o recorrente que o valor das tarifas com base no número de camas existentes no imóvel viola o princípio da igualdade, porquanto em todo o país é calculado com base no valor patrimonial do prédio.

Mas não é assim. Em zonas turísticas é habitual que o valor esteja directamente ligado ao número de camas oferecido, sendo que a oferta turística se mede pela quantidade de camas disponíveis.

Aliás, o valor da “Taxa Comunitária de Serviços Básicos”, cobrada pela sociedade V ..... (Serviços), Lda, é igualmente calculado com base no número de camas.
E, para o ano de 2003, o valor mensal desta taxa foi de € 28,13 (fls. 14) para um quarto, sendo que, para o ano de 2005, o valor passou a ser de € 30,42, valores muito superiores aos montantes em causa nos autos.

Assim sendo, não resulta evidente existir desproporção intolerável entre os montantes das taxas aqui em causa e a contrapartida, traduzida na utilidade ou nas utilidades proporcionadas a quem as deve pagar, sendo certo que se trata de uma zona turística (“Empreendimento ..... “) onde as infra-estruturas e áreas adjacentes “são de elevada qualidade existindo todo o interesse em manter o nível, sem o qual será impossível assegurar os altos padrões de qualidade daquele empreendimento, que é considerado de grande interesse para o desenvolvimento turístico do Município de ..... ” (fls. 41vº).

O que acontece é que é que o recorrente é proprietário do seguinte prédio em ..... :
          Prédio urbano, composto por dois pisos, com 8 (oito) quartos, 3 (três salas), cozinha, copa, 6 (seis) casas de banho, arrecadação, açoteia, garagem e logradouro com piscina, sendo de 280,00 m2 a superfície coberta e de 840,00 m2 a superfície descoberta, a que corresponde a área total de 1 120 m2.

Pelo exposto, entendemos que não se mostram violados os princípios referidos pelo recorrente.

3 - Por outro lado, não se verifica, igualmente, a falta ou insuficiência de fundamentação, quer de facto quer de direito.
A fundamentação do acto e a notificação da fundamentação são realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da sua anulabilidade (cfr. Ac. do STA de 09.09.99, Proc. 23 773, de que foi Relator o Ex.mo Cons.º Brandão de Pinho).
A falta de notificação da fundamentação de um acto de liquidação não gera invalidade deste, mas apenas dá direito ao contribuinte de requerer a notificação da fundamentação ou a passagem de uma certidão que a contenha (artigo 37º do CPPT)), o que o recorrente não fez.

Acresce que, conforme decorre da petição de impugnação judicial das referidas taxas, o impugnante conhecia as razões por que lhe foi liquidado aquele montante e não outro, quais os motivos da liquidação e os critérios de que a Administração se socorreu para chegar àquele valor.
E a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20 168. No mesmo sentido, cfr. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10.03.92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. Do STA de 11.11.98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).

Daí que não ocorra, no caso dos autos, o apontado vício de forma, por falta de fundamentação dos actos nas operações de determinação da taxa.

4 – Não foi preterido o direito de audiência prévia, desde logo porque a liquidação das referidas tarifas resultou de mera operação aritmética efectuada com base no número de quartos (e de camas) e no montante atribuído por cada cama; por outro, porque as tarifas não estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária (como se diz na douta sentença recorrida), mas apenas ao da legalidade administrativa.

5 – No que respeita à eventual duplicação de cobrança dos serviços titulados pelas tarifas em causa com a “Taxa Comunitária de Serviços Básicos”, o problema deve ser dirimido entre o recorrente e a sociedade V ..... (Serviços), Lda, a quem cabe, segundo o recorrente, a cobrança desta taxa.

Na verdade, as tarifas a que se reportam os autos estão previstas no artigo 20º da Lei 42/98, de 6 de Agosto e enquadram-se no âmbito dos serviços públicos que são prestados ao recorrente pela Câmara Municipal de ..... que delegou na I ..... - Empresa de Infraestruturas de ..... , E.M., a sua facturação e cobrança.
Assim sendo, os valores cobrados a esse título são receitas do Município de ..... , e portanto de natureza pública, o que não acontece com os montantes cobrados pela sociedade V ..... (Serviços), Lda, que dizem respeito a uma relação contratual de natureza privada.

Improcedem, assim, todas as conclusões do recorrente.

6 - Pelo exposto, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.