Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:10/27/2006
Processo:01413/06
Nº Processo/TAF:75/02 TAF DE LOURES
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:MÉTODO DE AVALIÇÃO DIRECTA
ÓNUS DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
JUROS COMPENSATÓRIOS
Texto Integral:1 – M ................ , S.A, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 162 a 170, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2 (Loures), que julgou totalmente improcedente as impugnações judiciais por si deduzidas relativas às liquidações de IRC e juros compensatórios dos anos de 1996 e 1997, no montante de € 134 509,23.

2 - Conforme defende a recorrente, a questão essencial é a de saber se o apuramento da matéria colectável foi efectuado através da comprovação e quantificação directa ou com base em métodos indirectos.
A recorrente entende que esse apuramento foi efectuado através da aplicação de métodos indirectos.
Salvo o devido respeito, não é isso que resulta dos autos e, muito menos, da douta sentença sob recurso.
Vejamos.
Sempre que a escrita do sujeito passivo não permite um correcto apuramento do imposto devido, em resultado de erros, omissões ou falsidades existentes naquela, e este também não seja possível através de elementos objectivos recolhidos pelos Serviços de Fiscalização Tributária, a lei permite que aquele apuramento se faça através do recurso a métodos indiciários, hoje indirectos.

No caso dos autos, na sequência de fiscalização à impugnante, foi constatado “que a empresa não possui registos que permitem verificar as quantidades de perus do dia produzidos, nem os que são transferidos para os sectores afectos à recriação e crescimento/engorda” e “que a contabilidade também não (…) permite verificar os custos afectos a cada um dos sectores de actividade identificados”.

Tais circunstâncias poderiam permitir o recurso a métodos indirectos se não fosse possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (alínea b) do nº 2 do artigo 87º da LGT).
Com efeito, o artigo 85º da LGT estabelece “uma preferência absoluta pela utilização de métodos de avaliação directa para fixação da matéria tributável, o que se compreende por serem maiores as garantias de rigor que estes métodos fornecem”.
“Assim, só se poderá recorrer à avaliação indirecta para fixação da matéria tributável quando não for possível proceder a tal fixação através da avaliação directa e, mesmo nestes casos, utilizar-se-ão na avaliação indirecta, na medida do possível, as regras da avaliação directa” (cfr. Lei Geral Tributária, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, comentada e anotada, 2ª edição, 2000, pág. 360).

No que respeita à jurisprudência, socorremo-nos da citada pela recorrente:

“1. O recurso aos métodos indiciários para apuramento da matéria colectável só é permitido quando constatados que sejam algum ou alguns pressupostos legais que o autorizam, por força deles a AF se vê impossibilitada de por forma directa e exacta quantificar tal matéria”.
(…)”.
(Ac. do TCA Sul, de 21/10/2004, publicado in www.dgsi.pt, citado na pág. 190).

5. Isto porque o recurso aos métodos indirectos de avaliação da matéria tributável só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, já que constitui um método excepcional de tributação do rendimento, que só pose ser utilizado quando se mostra inviabilizada a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação dessa matéria colectável”.
(…)”.
(Ac. do TCA Sul, de 16/03/2005, in www.dgsi.pt, referido na pág. pág. 191 vº).

Como, no caso dos autos, foi possível essa comprovação e quantificação “partindo dos dados da própria empresa (…)” (cfr. alínea d) do Facto nº 4 do Probatório), não era legalmente admissível o recurso a métodos indirectos.

Por outro lado, as razões que levaram a AF a recorrer a correcções técnicas encontram-se suficientemente explicitadas e fundamentadas no relatório de inspecção e que, por isso, nos dispensamos de reproduzir, tendo sido levadas ao conhecimento da impugnante – Factos nos 4 e 5 do Probatório).

Daí que o recurso a correcções técnicas levado a cabo pela AF não mereça qualquer censura.

3 - Acresce que a recorrente não carreou para os autos quaisquer elementos de prova que infirmassem os valores considerados pela AF.
Ora, o ónus da prova do excesso da quantificação da matéria tributável cabe ao contribuinte. Por isso, a nosso ver, os valores apurados pela AF não merecem qualquer censura, não tendo sido cometida qualquer ilegalidade, fundamento de subsequente anulação da correspondente liquidação.

4 – No que respeita à omissão de pronúncia de que padeceria a sentença por não fazer qualquer referência à prova documental apresentada pelo recorrente e, em relação à testemunhal, ter aproveitado unicamente um facto, nada dizendo das razões pelas quais toda a restante prova foi desprezada (cfr. conclusões nos 19 a 27) dir-se-á, simplesmente, que tal questão tem a ver com a fundamentação da sentença e não com omissão de pronúncia.
No que respeita à “motivação da decisão de facto” consta da sentença:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apensos constam e no depoimento da testemunha arrolada pelo impugnante (cfr. fls. 139 a 144 dos autos), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
A mesma decisão igualmente se baseou na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr. artº 361, do C. Civil)”.

E, no que respeita aos “factos não provados”, escreveu-se:
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, nomeadamente que a matéria colectável calculada pela A. Fiscal e que fundamentou a estruturação das liquidações objecto do presente processo viole as regras de incidência objectiva do I.R.C.”

Ora, como se diz no Ac. do STJ, de 6/1/1977, BMJ, 263º-187, “O art. 659º do Cód. Proc. Civil (…) obriga apenas a fundamentar a decisão com os elementos que o julgador entender suficientes para essa fundamentação, não estando sujeito àqueles que são produzidos pelas partes, podendo até ignorá-los, sem que, com esta conduta, possa ferir de nulidade a respectiva decisão. O que é necessário para a perfeição meramente formal da sentença ou acórdão, é que se decida e que se diga porquê”.

Face ao exposto, entendemos não ter ocorrido nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar e ter sido dado cumprimento integral ao disposto no nº 2 do artigo 124º do CPPT.

5 – Não se verifica ainda o invocado vício de falta de fundamentação do acto administrativo-tributário impugnado.
Com efeito, no que concerne à fundamentação, já o artigo 21º do CPT dispunha, sob a epígrafe “direito à fundamentação”, que “as decisões em matéria tributária, que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos, de facto e de direito”.
Tal direito constituía garantia expressa dos contribuintes, nos termos do artigo 19º, al. b), do mesmo diploma.
Aliás, o referido direito, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional (artigo 268º, nº 3 da CRP).
Por força do disposto no nº 1 do artigo 77º da LGT, a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Conforme decorre suficientemente dos autos, a impugnante conhecia as razões por que lhe foi liquidado aquele imposto e pode analisar os critérios de que a Administração Fiscal se socorreu para chegar àquele montante.
E a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA, de 23/04/97, Recurso 20 168. No mesmo sentido, cfr. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10/03/92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. do STA, de 11/11/98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).

Daí que não ocorra, no caso dos autos, o apontado vício de forma, por falta de fundamentação da liquidação.

6 – No que respeita aos juros compensatórios, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que assiste razão à impugnante.
A liquidação de juros compensatórios pela Administração Fiscal está indefectivelmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devida pelo contribuinte.
Os juros compensatórios constituem “um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do contribuinte por incumprimento dos deveres acessórios” (Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 451). Os juros compensatórios aparecem como um agravamento “ex lege” proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.
São uma compensação ou indemnização, uma espécie de reparação civil pelo retardamento da liquidação e subsequente atraso do recebimento do correspondente tributo o que pressupõe uma situação liminar de culpa, consubstanciada na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder-se formular a respeito da sua conduta o referido juízo de censura (cfr. Ac. do STA, de 16/11/1983, in AD, 266/207).
Os juros compensatórios “pressupõem atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte” (cfr. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4ª edição, pág. 174).
A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte” (cfr. Ac. do STA, de 23/09/98, Proc. 22 612).

Não estando demonstrada nos autos a culpabilidade da impugnante no retardamento da liquidação não são devidos, a nosso ver, juros compensatórios.

7 - Face ao exposto e sem necessidade de maiores considerações, emito parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, excepto no que respeita aos juros compensatórios.