Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:02/23/2007
Processo:01616/07
Nº Processo/TAF:343/04.4BESNT
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:GRATIFICAÇÕES-GORGETAS DOS TRABALHADORES DOS CASINOS
Data do Acordão:03/13/2007
Disponível na JTCA:SIM
Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – J …… recorre da sentença proferida pelo Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido do acto de liquidação de IRS do ano de 1999, no montante de € 3353,75.

Após alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

“1 – Deverá julgar-se a existência de uma situação violadora das normas e do sentido da jurisprudência comunitária, por violação do artº 141º/2 do Tratado que institui a Comunidade Europeia, e pela desconformidade existente entre o artº 2º/3-h do CIRS e o sentido dos acórdãos proferidos pelo TJCE sobre a matéria, devendo ser suscitadas as questões prejudiciais requeridas na impugnação;
2 – Deverá julgar-se a inconstitucionalidade material e orgânica da alínea h) do nº 3 do artº 2º do CIRS, por violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da justiça;
3 – Atendendo a que o processo padece de défice instrutório, deve a decisão recorrida ser anulada, descendo o processo ao tribunal de 1ª instância para completar a pertinente instrução e seguidamente proferir nova decisão;
4 – Se as decisões da administração fiscal e dos órgãos jurisdicionais competentes não nos deixarem outra alternativa, logo se requererá a fiscalização concreta de constitucionalidade da alínea h) do nº 3 do artº 2º do CIRS, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 280º da Constituição, e da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei 28/82, de 16/11, na redacção dada pela Lei 85/89, de 07/09;
5 – Não será devida taxa de justiça”.

3 – A questão essencial é a de saber se as gorjetas recebidas pelos trabalhadores de casinos estão ou não sujeitas a tributação em sede de IRS.
A douta sentença sob recurso entendeu que sim, julgando, por isso, improcedente a impugnação apresentada pelo recorrente.
Salvo o devido respeito, não merece censura pelas razões que, de seguida, tentaremos explicar.

3.1 – Défice instrutório

O alegado défice resultaria de se ter suscitado na p.i. a questão da discriminação dos profissionais de banca dos casinos relativamente aos restantes profissionais que igualmente auferem gratificações/gorgetas da mesma natureza e de o tribunal não ter apurado da veracidade desses factos junto da AT.

Ora, tal como se entendeu, e bem, na decisão recorrida, a alínea h) do nº 3 do artigo 2º do CIRS não viola o princípio da igualdade, sendo susceptível de abranger as gratificações atribuídas a quaisquer trabalhadores e não apenas aos das salas de jogos não estando demonstrado que, na prática, apenas estes sejam tributados com base nesta norma.

Assim sendo, a matéria de facto fixada revela-se, assim, suficiente, sendo um acto inútil fazer as diligências pretendidas pelo ora recorrente (Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. de 13/7/2005 e de 10/5/2005, recursos 663/05 e 528/04).

3.2 – A inconstitucionalidade orgânica

Quanto à apontada inconstitucionalidade da alínea h) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, o TC já teve oportunidade de se pronunciou várias vezes no sentido da não inconstitucionalidade (cfr. Acórdãos do TC n.º 497/97, de 9 de Julho, nº 483/99, de 5 de Abril de 2000, 237/00 e 481/2004, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).
Por força do estatuído no artigo 4º da Lei 106/88, de 17 de Setembro, o Governo estava autorizado a definir os rendimentos que devem considerar-se como rendimentos do trabalho, estando limitado na sua fixação apenas pela possibilidade de os rendimentos deverem chegar à titularidade dos sujeitos passivos em virtude da prestação de trabalho e representarem para quem os aufere um rendimento efectivo e não, meramente, aparente.
Ora, as gratificações em causa representam para quem as aufere um benefício patrimonial real e é a prestação de trabalho em salas de jogos que permite o seu recebimento.
Nomeadamente, face ao regime legal de distribuição do produto das gratificações em causa, o recebimento individual pelos empregados das salas de jogos de rendimentos originários de gratificações não dependia sequer da eventualidade de quem os recebe ter sido contemplado com a oferta de alguma gratificação por parte de qualquer frequentador das salas de jogos e do exercício da correspondente actividade profissional.
Assim sendo, a qualificação das gratificações em causa como provenientes do trabalho não pode considerar-se como desajustada, pelo que não poderá defender-se que o Governo, ao aprovar a alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, não tenha agido em sintonia coma a lei de autorização legislativa.
Acresce que os rendimentos em causa se reportam aos anos de 1999.
Ora, o nº 9 do artigo 29º da Lei 87-B/98, de 32 de Dezembro, ao referir que “as importâncias auferidas pelos profissionais de banca dos casinos que lhe são atribuídas pelos jogadores em função dos prémios ganhos são equiparadas a gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalhoveio esclarecer e resolver, de vez, esta questão.
Assim sendo, a eventual inconstitucionalidade da alínea h) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, resultante de desconformidade com a lei de autorização legislativa, deixou de fazer sentido quanto aos rendimentos em questão.

3.3 - A inconstitucionalidade material

A referida norma seria ainda materialmente inconstitucional, por ofender o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP.
A nosso ver, não se verifica a eventual situação discriminatória entre cidadãos resultante de a norma em causa se aplicar apenas, segundo o recorrente, aos profissionais das bancas dos casinos e não a outras pessoas que também auferem gratificações e relativamente aos quais nunca será possível apurar os rendimentos porque não são contabilizados nem declarados.

De facto, através do IRS pretendeu-se obter uma tributação esgotante dos rendimentos de algum modo provenientes do trabalho, que visou dar satisfação à necessidade de assegurar uma repartição igualitária dos rendimentos e da riqueza.
A fórmula utilizada na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS é susceptível de abranger as gratificações atribuídas a quaisquer trabalhadores e não apenas os das salas de jogos, pelo que não está demonstrado, na prática, que apenas estes trabalhadores sejam tributados com base nessa norma.
A simples dificuldade de aplicação da lei a trabalhadores de outras categorias profissionais não justifica, com base no princípio da igualdade, que deixe de abranger essas situações em que a sua aplicação é possível.
O recebimento de rendimentos que não tenham uma finalidade compensatória, como a acontece com as gratificações em causa, proporciona, de facto, um acréscimo da capacidade contributiva, que deve ser tributado para efeitos de fiscais por imposição do princípio da igualdade constante da CRP.
Daí que a eventualidade de ocorrência de injustiça por as gratificações em causa não serem relevadas para fins não fiscais, não justifica que se considere inconstitucional a relevância atribuída a tais gratificações em sede de IRS (Neste sentido, cfr. Acs. do STA de 09/02/2000 22/03/2000, proferidos nos recursos nos 023489 e 024529, disponíveis in www.dgsi.pt).

Face ao exposto, parece-nos que a dita alínea h) do n.° 3 do art.° 2.° do CIRS não sofre de qualquer inconstitucionalidade material.

3.4 - A violação do direito comunitário

Não se nos afigura que o normativo em crise viole o direito comunitário, designadamente, o estatuído no artigo 141.º do Tratado de Roma, pois que, além do mais, este artigo nem sequer diz respeito à problemática em causa, mas sim ao princípio da igualdade de remuneração entre ambos os sexos.

Por outro lado os acórdãos invocados do TJCE apreciaram questões relativas ao incumprimento da Sexta Directiva (IVA) que nada têm a ver com a situação, ora, em análise.

3.5 - Taxa de justiça

Na conclusão 5ª, o recorrente defende que não é devida taxa de justiça porque requereu e viu deferido o apoio judiciário solicitado na modalidade de “isenção total de taxa de justiça e demais encargos, pelo que não será devida taxa de justiça”.

Por suficientemente elucidativo da questão em análise, transcrevemos, com a devida vénia, o teor do Ac deste TCASul, proferido no Processo 00894/05, em 17/01/2006, que diz assim:
“A concessão do apoio judiciário (…) dispensou-o do pagamento da taxa de justiça, tal como decorre do despacho de concessão e do teor literal do art. 15 da Lei nº 30-E/2000, hoje art. 16 da Lei 34/2004, de 29.7, mas não o isentou da mesma (…). Tal apoio, desde que se verifiquem as situações previstas no nº 1 do art. 37 dessa Lei, hoje art. 13 da Lei 34/2004) pode ser retirado oficiosamente ou a requerimento do MP ou da parte contrária tal como se dispõe nesse normativo. É, aliás, entendimento tanto da doutrina como da jurisprudência que o apoio judiciário não se traduz em qualquer isenção de pagamento, mas na simples dispensa de pagamento. Tratando-se de dispensa de pagamento e não de isenção, bem se decidiu ao condenar os impugnantes nas custas (estas englobam a taxa de justiça e os encargos (cfr. art. 1º do CCJ e art. 1 do RCPT aqui aplicável) como decorrência do disposto no art. 446 do CPC. É, assim, devida taxa de justiça, só que, enquanto se mantiver o apoio judiciário (…) este está dispensado do seu pagamento mas não isento do mesmo como pretendem, erradamente, os impugnantes”.

Assim sendo, deve manter-se a decisão recorrida na parte em que condenou o oponente em custas.

4 – Em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.