Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:10/16/2006
Processo:01371/06
Nº Processo/TAF:1140/06.8BELSB
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:SIGILO BANCÁRIO
Data do Acordão:10/16/2006
Disponível na JTCA:SIM
1 – M ... e L ... recorrem da sentença proferida pelo Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou improcedente o recurso apresentado da decisão do Director Geral dos Impostos, a qual determinou o levantamento do sigilo bancário sobre as contas bancárias de que são titulares, formulando, para tanto, nas suas alegações as seguintes conclusões:

1. A derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea c) do artigo 63º-B da LGT, só tem lugar caso existam e sejam identificados pela Administração Tributária indícios concretos da prática de crime doloso em matéria tributária;

2. Porém, os elementos carreados pela Administração Tributária não concretizam os necessários e suficientes indícios da prática de um crime doloso em matéria tributária;

3. A Administração Tributária invocou a diferença entre o valor do imóvel declarado na escritura pública e o valor do empréstimo obtido para a sua aquisição;

4. Contudo, desconsiderou totalmente os factos demonstrados de que tal empréstimo, além de ter sido aplicado na aquisição do imóvel, foi igualmente empregue em obras efectuadas pelo construtor no referido bem e em outras despesas de uso pessoal;

5. Ficaram justificados gastos no valor de € 200.568,07, pelo que os gastos não documentados são de € 23.931,93 e não a diferença entre o valor da escritura pública e o valor do empréstimo;

6. Mais sendo certo que ter-se-ão como verdadeiras as declarações do contribuinte porquanto a presunção de veracidade das declarações do contribuinte está legalmente consagrada no artigo 75º da LGT, salvo prova em contrário da Administração Tributária que não logrou efectuá-la;

7. Não existe qualquer imposição legal que obrigue à existência de documento comprovativo das despesas efectuadas pelos contribuintes;

8. Aliás, a falta de exibição de documentos não constitui crime fiscal;

9. A Administração Tributária invocou a inexistência de contrato-promessa. Contudo, não existe qualquer imposição legal que obrigue à existência do mesmo;

10. A invocação pela Administração Tributária de que em 6 de 7 fracções vendidas noutro prédio pelo mesmo vendedor, vieram os adquirentes assumir valores de aquisição das suas fracções superiores aos inicialmente declarados carece em absoluto de relevância para o caso sub judice porquanto se trata de circunstâncias relativas a terceiros, além de que a Administração não fornece um termo de comparação entre as várias situações, nada se dizendo sobre a localização, tipo de construção, entre outros elementos;

11. Face ao exposto, a Administração Tributária não demonstrou a verificação dos requisitos da alínea c) do n.O 2 do artigo 63.0-B da LGT, designadamente, a existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado na escritura pública, não tendo imputado aos ora Recorrentes qualquer factualidade concreta passível de configurar crime fiscal:

12. Mais acresce que a Administração Tributária não concretiza os necessários e suficientes indícios da prática de um crime doloso em matéria tributária, tipificados numa concreta norma incriminadora, designadamente a do artigo 103º do RGIT, por, desde logo, nada dizer quanto à obtenção de uma vantagem patrimonial ilegítima de valor igual ou superior a € 15.000, ali prevista, na redacção dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, aplicável porquanto se apresenta como o regime concretamente mais favorável aos ora Recorrentes, consagrado no artigo 2º, nº 4 do Código Penal, aplicável ex vi artigo 3º, alínea a) do R.G.I.T.

13. A Administração Tributária não demonstrou que a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima pretendida obter pelos Recorrentes fosse igual ou superior a € 15.000, vantagem essa que, constituindo, um elementos do tipo legal do crime, nos termos do nº do artigo 103. do R.G.I.T, não foi, consequentemente, imputada aos Recorrentes.


O Recorrido, Director-Geral dos Impostos, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1) A douta sentença recorrida, ao decidir conceder provimento ao recurso, analisou correctamente a questão a decidir, tendo feito uma correcta interpretação e apreciação da matéria probatória constante dos autos, motivo pelo qual deve ser mantida.

2) A entidade recorrida considera, ao invés dos recorrentes, verificados os pressupostos legais mencionados no art°63°-B, n°2, alínea c) da LGT, fundamentadores da decisão ora confirmada, sendo que tal raciocínio decorre, não só da interpretação dada ao referido normativo, como decorre também e directamente da prova produzida nos autos, pelo que não podemos deixar de constatar que esta foi correctamente apreciada.

3) Em primeiro lugar, não assiste qualquer razão aos recorrentes quando acusam a Administração Tributária de retirar da matéria dada como assente, conclusões que os factos não permitiriam, nomeadamente porque consideram, erradamente, ter apresentado todos os documentos necessários para a comprovação de despesas efectuadas com o empréstimo concedido.

4) Isto porque está devidamente comprovada a falsidade dos elementos por eles declarados em sede de celebração de escritura pública, atendendo a que até agora não foi demonstrada a aplicação nem o destino de um montante final global omisso proveniente de um mútuo (no valor de €224.500x00) e que ascende a pelo menos €67.398,46, nem a razão pela qual o imóvel adquirido pelos recorrentes (preço declarado de €124.699,471 foi garantido por um valor superior a 50% do preço declarado.

5) As declarações dos recorrentes sempre revelaram indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da sua matéria tributável real, e deixando de se presumir a verdade dos elementos declarados, recai agora sobre eles o ónus de comprovar a veracidade do preço real de aquisição do imóvel em 2003.

6) Os indícios recolhidos que comprovam de forma evidente a falta de veracidade dos elementos declarados, permitem-nos também aferir da existência de indícios de prática dolosa de crime fiscal, uma vez que está em causa a eventual prestação de falsas declarações para efeitos de liquidação de sisa, a celebração de negócio simulado quanto ao preço e a ocultação de valores que deviam ter sido ser revelados à Administração Tributária.

7) O que implica que estas condutas, a comprovarem-se, são subsumíveis na previsão de fraude fiscal do n° 1 e n°3 do art°103° do RGIT, preenchendo por si só o pressuposto contido na primeira parte da alínea c) do n° 2 do art°63° - B da LGT.

8) E considerando o valor das diferenças apuradas, entre o valor não justificado do mútuo e o preço de aquisição, ultrapassa-se o valor base que constitui a condição de punibilidade prevista no art°103° do RGIT, que é de €7.500 e não de €15.000, uma vez que está em causa uma aquisição ocorrida no decurso do ano de 2003, pelo que a versão do RGIT aplicável é a versão anterior à redacção dada pela Lei n° 60-A/2005 de 30 de Dezembro, aplicável apenas a factos ocorridos a partir de 01/01/2006.

9) Ainda que atendendo à matéria dada como assente, resulte evidente que a vantagem patrimonial obtida pelos recorrentes se situa acima dos €15.000, considerando o montante não documentado de despesas e a redacção da Lei n.° 32-B/2002 de 30 de Dezembro, aplicável a uma aquisição efectuada no decurso do ano de 2003.

10) Ainda que e à cautela, a entidade recorrida entenda que estes valores, dado o desconhecimento do real preço de aquisição, nunca poderão ser tomados como valores definitivos, nem a tal a lei obriga.

11) Não é por isso defensável, independentemente do valor, a indispensabilidade do cálculo e da liquidação da vantagem patrimonial no âmbito da instrução do processo de derrogação de sigilo bancário, quando são justamente os elementos necessários para o seu cálculo que estão em falta.

12) É que sendo o levantamento do sigilo bancário um instrumento do procedimento de inspecção tributária, não faria sentido exigir da Administração Fiscal que reunisse para o levantamento, os dados que espera justamente conseguir com esse mesmo instrumento legal.

13) Deverá também distinguir-se entre aquilo que são os elementos do tipo de crime e a condição objectiva de punibilidade /não punibilidade, a fim de entender que o que é necessário, é indiciar a existência de factos passíveis de integrar um ilícito criminal, e não já quantificar o montante da vantagem patrimonial.

14) Deverá entender-se que em sede de procedimento de derrogação de sigilo bancário, o que importa é verificar se estão preenchidos os pressupostos enunciados na alínea c) do n°2 do art°63°-B da LGT e não, apurar a existência e condenar liminar e imediatamente o sujeito passivo do imposto pela prática de um crime fiscal, sem prévio processo penal, definindo-lhe urna concreta aplicação de uma pena.

15) E a alínea c) do n°2 do art°63°-B da LGT, basta-se efectivamente com a existência de indícios da prática de um crime doloso em matéria tributária, para além da enumeração dos factos concretamente identificados, gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado.

16) Daí que não tendo de ser apresentados mais do que indícios da prática de um crime fiscal, não têm certamente de ser apresentadas (e demonstradas), provas definitivas da existência de todos os elementos do tipo criminal, imputando-os ao agente, e muito menos do valor exacto da vantagem patrimonial ilegítima obtida.

17) O grau de exigência da prova, no âmbito de um procedimento de derrogação de sigilo bancário, não é o mesmo de um processo-crime, pelo que a imputação dos factos terá de ser feita de forma indiciária, o que contraria a tese do acórdão recorrido de que tenha de ser quantificado o montante da vantagem patrimonial.

18) Nem outro parece ser o entendimento do legislador, que se bastou na redacção do invocado preceito com a existência de indícios, não chegando ao ponto de exigir que já esteja plenamente preenchido o tipo e provado o ilícito criminal.

19. Pelo que estando reunidos, no caso “sub júdice”, os pressupostos de aplicação da norma que permite à entidade recorrida aceder aos documentos bancários, a decisão do Director-Geral dos Impostos que ao abrigo da alínea c) do n° 2 do art. 63°- B da LGT, determinou em despacho fundamentado o acesso aos documentos bancários existentes respeitantes aos aqui recorrentes, não enferma dos vícios apontados, tal como decidiu a Douta sentença recorrida, devendo por isso ser mantida.

2 - A questão a decidir é a de saber se, no caso dos autos, se encontravam preenchidos os pressupostos legais para a derrogação do sigilo bancário e se os mesmos foram, indiciariamente, imputados aos Recorrentes.

A decisão de revogação do sigilo bancário objecto da douta sentença recorrida foi efectuada ao abrigo do artigo 63º-B, n.º 2, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12.
Estabelece a citada disposição, sob a epígrafe Acesso a informações e documentos bancários”
“1- (…).
2- A administração tributária tem o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:
(…)
c) Quando existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária,
designadamente nos casos de utilização de facturas falsas, e, em geral, nas
situações em que existam factos concretamente identificados gravemente
indiciadores da falta de veracidade do declarado”.

A doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores vai no sentido de que a aplicação da referida norma depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) – Recusa de exibição dos documentos ou de autorização para consulta por parte do visado;
b) – Existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária;
c) – Factualidade concretamente identificada gravemente indiciadora da falta de veracidade do declarado (cfr. Ac. STA, de 13/10/2004, Proc. 950/04, Ac. STA, de 16/2/2005, Proc. 35/05e Ac. do TCA SUL, de 16/3/2005, Proc. 485/05; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª Edição, 2003, pág.319 e seg.).

Porém, a nova redacção dada ao artigo 63º-B pelo artigo 40º da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro, aponta claramente no sentido da alternatividade dos pressupostos indicados sob as alíneas b) e c), pondo, assim, em causa, a apontada interpretação jurisprudencial e doutrinal, embora o novo regime somente se possa aplicar a factualidade ocorrida após Janeiro de 2005 (cfr. nº 9 do artigo 63º-B, da LGT).

Ora, dúvidas não restam de que, no caso dos autos, se mostra preenchido o primeiro dos apontados requisitos, ou seja, o recorrente recusou exibir os documentos e negou a autorização para sua consulta.
Como refere o Acórdão do STA, de 16/02/2005, proferido no recurso nº 35/2005, “é fundamento do acesso directo da administração tributária à documentação bancária do contribuinte não só a recusa da sua exibição, mas também a falta de autorização deste para a sua consulta”. São pois irrelevantes os motivos pelos quais o recorrente vem recusar o acesso, porque ainda que a recusa seja legitima, o segredo bancário não é um direito absoluto.

Por outro lado, encontra-se igualmente provada factualidade que permite pôr em causa a presunção de veracidade da declaração apresentada pelo recorrente.
Esses factos são os seguintes:
- Na escritura de compra e venda e de mútuo referem os recorrentes que o valor do empréstimo é de € 224 500,00, destinando-se € 124 699,70 à aquisição do imóvel e € 99 800,53 a obras;
- Posteriormente, veio o recorrente declarar que, afinal, só € 43 466,53 é que foram gastos em obras e equipamentos;
- Porém, o recorrente não prova que o diferencial de € 43 466,53 entre o declarado valor de aquisição e os pagamentos feitos ao construtor corresponda a obras e equipamentos que o construtor colocou em casa;
- Nem na contabilidade da empresa construtora inexiste registo desse alegado proveito.

Assim sendo, mostra-se igualmente preenchido o terceiro requisito da norma supra citada (factualidade concretamente identificada gravemente indiciadora da falta de veracidade do declarado).

Como acima já se deixou dito, não é necessária a verificação cumulativa do requisito relativo à existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária para derrogação do sigilo bancário.
No entanto, no caso dos autos, também se nos afigura que tal requisito se mostra igualmente preenchido.
Senão vejamos.
O eventual crime em matéria tributária seria, necessariamente, o crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º do RGIT, que estabelece:
“Constituem fraude fiscal, punível (…) as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
“a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas, a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine avalie ou controle a matéria colectável;
“b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
“Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas”.

O artigo 63º-B, nº 2, alínea c), da LGT não exige a prova da existência do ilícito criminal em causa, bastando-se com a existência de indícios.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 283º, nº 2, do CPPenal, consideram-se suficientes os indícios sempre que dos mesmos resultar uma possibilidade razoável de, ao arguido e em sede de julgamento, vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, ou, por outras palavras, quando seja de considerar mais provável a condenação do que a absolvição do agente da infracção.

"In casu", para além da factualidade já citada, gravemente indiciadora da falta de veracidade do declarado, consta ainda das informações que serviram de suporte ao despacho recorrido que a vendedora da fracção está a ser objecto de inspecção em sede de IRC, no âmbito da qual se apurou que num outro prédio da mesma sociedade, em seis das sete fracções vendidas, os adquirentes respectivos vieram declarar, na sequência de notificação idêntica feita aos ora recorrentes, valores de aquisição dos imóveis superiores aos inicialmente declarados para efeitos de sisa.
Por outro lado, o valor do empréstimo foi de € 224 500,00. Para garantia e integral pagamento das obrigações assumidas no dito contrato, os recorrentes constituíram a favor da instituição bancária hipoteca voluntária sobre a fracção em causa, à qual atribuíram, para efeitos estatísticos, o valor de € 254 600,00.
Atentos estes factos, não se concebe que uma instituição bancária aceite como garantia de um empréstimo de € 224 500,00 apenas a hipoteca de uma fracção que os recorrentes pretendem fazer crer que apenas vale € 124 699,70, que foi o valor constante da escritura de compra e venda e declarado para efeitos de SISA.

Toda a factualidade constante dos autos indicia fortemente a omissão de valores declarados na escritura de compra e venda da fracção autónoma adquirida pelos recorrentes, daí decorrendo para estes, em sede de SISA, uma vantagem patrimonial indevida.

Ou seja, os factos recolhidos pela AT constituem indícios da prática de crime doloso em matéria tributária.

Estando, assim, reunidos os pressupostos para que seja concedida a pretendida derrogação do sigilo fiscal, bem andou a decisão recorrida ao julgar improcedente o recurso apresentado da decisão do Director Geral dos Impostos, a qual determinou o levantamento do sigilo bancário sobre as contas bancárias de que são titulares os recorrentes.

3 – Em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.