Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:10/02/2015
Processo:08980/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 2.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO.
Texto Integral:Recurso Jurisdicional ( Oposição)
Nº 08980/15
2º Juizo-2ª Secção ( Contencioso Tributário)

A Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, na sequência da “ Vista” aberta, vem emitir parecer nos termos do artigo 14º, nº2 do CPPT:

A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença do TAF de Loulé que julgou procedente a Oposição deduzida por S… contra a reversão operada no proc. executivo 11042110105385, nos termos do artigo 24º, nº, al b) da LGT – cfr. fls. 114.

Os fundamentos do recurso constam dos termos conclusivos de fls.180 a a 182 – cujo teor aqui se reproduz, invocando o recorrente que a sentença padece de erro de julgamento porquanto, face à prova produzida não podia o Tribunal “ a quo” ter concluído não resultar demonstrado que a oponente exercia de facto a gerência da sociedade originária.

Invoca o Recorrente a contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação da decisão, defendendo designadamente, que a subscrição dos cheques pela Oponente, não obstante a circunstância de ser sobre a indicação de outrem, configura “ … um acto que se integra no acervo de funções de um gerente de facto, que faz parte do núcleo básico dos poderes dos gerentes, no desenvolvimento que forma o objecto social…..”.

Com relevância, tendo em conta que são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer ficou provado designadamente, que:

- foi instaurado processo executivo contra a devedora originária para cobrança de IRC do ano de 2010, cujo prazo limite de pagamento ocorreu em 7.9.2011 – alíneas A) e E) do probatório;
- a devedora originária foi declarada insolvente por sentença proferida em 6.2.2013 – al B) do probatório;
- a oponente foi nomeada gerente da devedora originária desde da constituição desta em 27.03.2009 – al I ) do probatório;
- para obrigar a sociedade bastava a intervenção de qualquer dos gerentes – al I ) do probatório;
- a devedora originária pagou rendimentos a I… e à Oponente durante os anos de 2009 e 2010 – al G) do probatório;
- a oponente ficou impedida de aceder ao estabelecimento da sociedade devedora originária no ano de 2011 – al H) do probatório;
- a Oponente assinou os cheques juntos a fls. 68, da conta bancária na CCA de que era titular a devedora originária em 30.07.2011, 30.08.2011 e 30.09.2011 - al C) do probatório;
- o I… é que pagava aos funcionários e em numerário, as compras aos fornecedores eram feitas por ele e as ordens de pagamento vinham dele, limitando-se a oponente a preencher e assinar os cheques – al J) do probatório;
- durante o ano de 2011 a oponente foi trabalhar para o P… – al K) do probatório.

Como resulta da sentença recorrida, não se provou que a oponente tenha ficado impedida de aceder ao estabelecimento a partir de Abril de 2011.

Face à prova produzida concluiu a douta sentença que não ficou provado que a oponente tenha exercido a gerência de facto no termo do prazo legal de pagamento e que foi por culpa sua que se verificou a insuficiência do património societário e o incumprimento das obrigações tributárias.

“ O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.” – cfr., douto Ac. do TCA Sul de 30.10.14.

Como se escreve no douto Ac. do TCA Sul de 30.10.14. :

“… A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)…”.

Verifica-se, assim, que o gerente tem poder para praticar uma série de actos face à sociedade – actos administrativos e representativos - nada resultando em contrário, quanto à existência de uma gerência partilhada por mais de um gerente nem quanto à possibilidade de partilha dos poderes inerentes a tal função.

Por outro lado, como se escreve no douto Ac. do TCA Sul de 19.02-2015, 65484/12 :

“…. recorde-se que a assinatura de cheques necessários ao giro comercial da sociedade faz prova do exercício de facto de poderes de gerência da mesma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 4/5/2004, proc.1179/03; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 7/3/2006, proc.933/05)….”

Ora, a assinatura dos cheques de fls. 68 pela oponente em nome da sociedade, sendo que a sociedade devedora se vincula com a assinatura de qualquer dos gerentes, como está provado, configura acto resultante do exercício do poder de representação da sociedade pela oponente que não pode ser afastada pela factualidade dada como provada em J) pois, nada há que impeça a gerência partilhada quanto ao exercício dos poderes dos gerentes face à sociedade.

Só assim não seria se estivesse provado que a oponente assinou os cheques sob coacção, o que não se pode retirar da factualidade dada como provada .

E, também o exercício de facto da gerência, não pode ser afastado pela factualidade provada em H) e em K) pois, a data limite de pagamento da quantia exequenda ocorreu ainda no ano de 2011 - em 7.9.2011 - para além de que o exercício de poderes de representação da sociedade não tem subjacente a sua prática exclusiva no estabelecimento da devedora originária e também tal prática não é inconciliável com a prestação de serviço por um gerente em funções diferentes noutro local, independente da devedora originária.

Acresce que, o despacho de reversão foi efectuado ao abrigo do artigo 24º, nº1 al b) da LGT e que a dedução da Oposição pela Oponente assentou na sua ilegitimidade por não ter exercício o exercício de facto da gerência na data da entrega/pagamento e, em consequência de tal circunstância, não poder ter culpa na insuficiência do património societário.

Estabelece o artigo 24º da LGT:

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.
Na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

Ora, também da prova produzida não resulta que a Oponente tenha ilidido aquela presunção, ou seja, dela se não pode retirar – se que a falta de pagamento não lhe foi imputável.

Em consequência, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que a douta sentença recorrida deverá ser revogada.

Pelo exposto, emito parecer no sentido da procedência do recurso.

Lisboa 2 de Outubro de 2015 (após as 17 horas)

A Procuradora Geral – Adjunta

(Fernanda Carneiro)