Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:Tributário
Data:12/03/2010
Processo:04296/10
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Vara Freire
Descritores:ILEGITIMIDADE.
GERÊNCIA FACTO.
Data do Acordão:01/19/2011
Texto Integral: A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 104/118, em 31 de Maio de 2010.
A sentença recorrida julgou procedente oposição deduzida, em sede de reversão, contra execução fiscal em que se visa a cobrança coerciva de quantias relativas ao IVA de Dezembro de 2002, no entendimento de que o recorrido não exerceu a gerência de facto na devedora originária, sendo, pois, parte ilegítima.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 285/291, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.º/3 e 685.º-A do CPC, e que aqui se dão por reproduzidas.
O executado não contra-alegou.
A nosso ver é de manter a procedência da oposição, embora por razões diferentes das constantes do discurso fundamentador da sentença recorrida.
Vejamos, pois, a questão da legitimidade do recorrido.
Tendo havido sucessão no tempo de vários regimes sobre responsabilidade subsidiária, é pacífica a jurisprudência do STA, no sentido da aplicação a cada situação da lei vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade. (1)
A atribuição da responsabilidade é feita, não apenas relativamente aos administradores e gerentes que tenham exercido funções no período de não pagamento, estendendo-se, também, aqueles que tenham exercido funções no período de constituição da dívida (CPPT anotado, 3ª edição, 2002, do Conselheiro J....., pág. 990).
Portanto, no caso em apreciação haverá que aplicar o regime constante da LGT
Façamos, no entanto, uma breve resenha da evolução da responsabilidade subsidiária ao longo do tempo.
A jurisprudência recente do STA é uniforme no sentido de que o art. 16º do CPCI deve ser interpretado no sentido de consagrar uma responsabilidade "ex lege" baseada numa presunção de culpa funcional dos administradores e gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelo não pagamento das dívidas fiscais destas.(2)

A responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada, no domínio da vigência do CPCI dependia de, de direito, ter a qualidade de administrador e gerente e de ter exercido, de facto, as funções respectivas no período de formação da dívida e/ou no período do seu pagamento
voluntário, sem que o responsável ilida a presunção legal de culpa.
A responsabilidade subsidiária prevista no DL 68/87 depende da verificação cumulativa de quatro requisitos, a saber:
1.O património social se ter tornado insuficiente para pagamento dos créditos fiscais;
2.Ter havido inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores por parte de um administrador ou gerente de direito;
3.Haver culpa desse administrador ou gerente na não observância dessas disposições;
4.Existir nexo de causalidade entre a inobservância dessas disposições e a situação de insuficiência do património social.
Ao abrigo deste regime cabe à AF fazer a alegação e prova de todos esses requisitos no caso de ser deduzida oposição à execução fiscal.(3)
O DL 68/87, não tem natureza interpretativa nem é de aplicação retroactiva, só se aplicando às dívidas vencidas após a sua entrada em vigor.(4)
Em 1 de Julho de 1991 entrou em vigor o CPT, que no seu art. 13º veio alterar, novamente, os pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores das sociedades de responsabilidade limitada, regulando-os de forma diversa dos anteriores diplomas.
Assim, manteve-se a possibilidade de prova de que a insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais não é atribuível a conduta culposa do gerente, mas inverteu-se o ónus de prova da falta de culpa, criando-se a presunção de que tal insuficiência derivava de actuação culposa do administrador ou gerente.
Outra das inovações trazidas pelo normativo foi o facto de abranger outras pessoas, que não sendo gerentes ou administradores exerçam, de facto, funções de administração da sociedade.
"A LGT, no seu art. 24º veio alterar o regime de responsabilidade subsidiária, dos administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração de sociedades, estendendo-a a cooperativas e empresas públicas, conforme o prazo de pagamento voluntário das dívidas tenha ou não terminado no exercício do seu cargo:
-Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação, existe tal responsabilidade, cabendo à administração tributária o ónus de prova dos respectivos pressupostos;

-Relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo presume-se que a falta de pagamento lhes é imputável, cabendo-lhes, consequentemente, o ónus de prova sobre tal matéria" (cf. CPPT. anotado, 3ª edição do Juiz Conselheiro, Jorge Lopes de Sousa, p.990).
Resulta do probatório e dos autos que o recorrido foi vogal suplente de direito da administração da devedora originária no período de constituição e vencimento da dívida exequenda (IVA 12/2002, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 2003.02.11).
O recorrido alegou que nunca exerceu a gerência ou administração de facto da devedora originária.
A gerência de direito não faz presumir legalmente a gerência de facto.
Incumbe à AT o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente recorrido, entre os quais se inclui o exercício efectivo da gerência.
A falta de prova dessa gerência deve ser valorada contra a AT.
As presunções naturais judiciais ou de facto, previstas no artigo 351.º do CC são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência e que permitem que se estabeleçam factos desconhecidos a partir de outros factos conhecidos que com aqueles estão numa relação lógica necessária
Tais presunções não têm existência prévia, são um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia a valora. Só nesse momento e por força do raciocínio do Juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser, também, conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou.(5)
O tribunal, com poderes para fixar a matéria de facto, pode utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.(6)
Portanto, para efeitos de julgamento da gerência de facto o tribunal não está impedido de fazer uso das presunções judiciais.
Ora, da prova produzida nos autos, a nosso ver, e pelas razões constantes das bem elaboradas alegações e conclusões da Fazenda Pública, que se subscrevem e que, por isso mesmo, não se irão repetir, resulta que o recorrido exerceu a gerência ou administração de facto de facto da devedora originária, no período de constituição ou pagamento da dívida exequenda.
Na verdade, como muito bem salienta a Fazenda Pública nas suas conclusões os factos constantes, nomeadamente, dos pontos C, J, K do probatório consubstanciam, sem dúvida, verdadeiros actos de gestão, da devedora originária, vinculando-a perante terceiros.
Resulta, ainda, da prova testemunhal que o nome do recorrido constava da ficha de assinaturas da conta bancária da devedora originária e que assinava cheques.
Aliás, como o próprio presidente do Conselho de Administração Eng. F....., referiu passava 80% do seu tempo em viagens., portanto fora da empresa.

O facto do recorrido e restantes administradores se subordinarem às deliberações do referido presidente do conselho de administração, accionista maioritário, vulgo «patrão», administrando a empresa de acordo com as suas indicações», a nosso e ver e salvo melhor juízo, não obsta à qualificação dos actos praticados pelo recorrido com verdadeiros actos de gestão, que vinculam, seguramente, a devedora originária, como
muito doutamente sustenta a Fazenda Pública.
E não se venha dizer que o recorrido não passaria de um «testa de ferro» do alegado presidente do conselho de administração, pois como este referiu no seu depoimento, apenas passava cerca de 20% do seu tempo útil na empresa, sendo certo que o recorrido e os outros administradores, embora de acordo com as orientações daquele sempre asseguraram a gestão efectiva da empresa
Mas, para que o recorrido possa ser responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda não basta o mero exercício efectivo da gestão da devedora originária.
De facto, atento o artigo 24.º da LGT, impunha-se que a AT provasse que foi por culpa do recorrido que o património da empresa se tornou insuficiente e que esteve génese do não pagamento do tributo, ónus quem manifestamente, não cumpriu.
È certo que, tendo o prazo de pagamento voluntário do tributo exequendo terminado no período de administração do recorrido a falta de pagamento da obrigação exequenda, em princípio, ser-lhe-ia imputável.
Sucede que, de acordo com a prova produzida, embora o recorrido, em nosso entendimento, tivesse exercido a gerência efectiva da devedora originária, a verdade é que essa gestão era superiormente orientada pelo presidente do conselho de administração, pelo que a falta de pagamento do tributo só a ele poderá ser imputável.
Assim sendo, o recorrido não é parte legítima na execução, uma vez que embora tendo exercido a gerência de facto da devedora originária não pode ser responsabilizado pelo pagamento das dívidas pois que não esta demonstrado que tenha contribuído para a situação de insuficiência patrimonial que esteve na génese do não pagamento da dívida exequenda nem lhe pode ser imputável a falta de pagamento do tributo.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida que julgou improcedente a oposição por ilegitimidade, embora por razões diferentes e atrás explanadas.
_________________
(1) Acórdão do STA, de 2 de Outubro de 1996, recurso n.º 2021, publicado em Apêndice ao DR, de 28 de Dezembro de 1998, página 2.665
(2) Acórdão do STA, de 24 de Abril de 1990, recurso n.º 12124, publicado em AD, 33º-863
(3) Acórdão do Pleno da 2.ª secção do STA, de 9 de Julho de 1997, recurso n.º 19066, publicado em Apêndice ao DR, de 28 de Março de 2000, página 109 e do STA, de 28 de Novembro de 1990, publicado em RLJ, 125º-46, com anotação concordante do Professor Teixeira Ribeiro.
(4) Acórdãos do STA, de 2 de Julho de 1997 e 6 de Maio de 1999, recursos nºs 21.399 e 20.653, respectivamente, disponíveis no sítio da INTERNET www.dgsi.pt.
(5) Acórdão do Pleno da secção do CT do STA, de 2007.02.28, proferido no recurso n.º 01132/06, disponível no sítio da internet www.dgis.pt.
(6) Acórdão do STA, de 2009.03.11, proferido no recurso n.º 045/2009, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt.