Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:11/13/2015
Processo:09147/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 2.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:PEDIDO DE ENTREGA DE IMÓVEL COM ARROMBAMENTO
Texto Integral:Processo Cautelar ( Reclamação do artigo 276º e segs do CPPT)
n.º 09147/15
2º Juizo 2ª sec ( Contencioso Tributário)

Na sequência da “ Vista“ ordenada e aberta nos autos, vem o Ministério Público, junto deste Tribunal, emitir parecer nos nos termos do artigo 289º, nº1 do CPPT:

J… vem recorrer da douta sentença do TAF de Almada que julgou procedente a Reclamação de Órgão de Execução Fiscal deduzida pela Caixa Geral de Depósitos, SA - adquirente do imóvel objecto de venda - contra o despacho de 24-10-2004 que suspendeu o arrobamento do imóvel até ser proferida decisão sobre o requerimento apresentado pelo recorrente - requerimento dirigido ao Juiz para notificação judicial avulsa da Caixa Geral de Depósitos da existência de contrato de arrendamento sobre o imóvel – na sequência do seu pedido de prosseguimento da execução com vista à entrega do imóvel pelo seu detentor.

Os fundamentos do Recurso constam dos termos conclusivos de fls. 148 a 154 – cujo teor aqui se reproduz.

Vem o Recorrente, para além do mais, arguir a nulidade por falta de citação, uma vez que foi qualificado como contra-interessado na sentença recorrida mas não foi demandado como tal no âmbito do processo de Reclamação de Orgão de Execução Fiscal, sendo que a procedência da Reclamação prejudica e colide com o direito de arrendamento adquirido por via contratual.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 278º do CPPT, as normas deste diploma referentes à Reclamação, não fazem referência à figura do contra-interessado, entendendo-se como tal as “pessoas a quem a procedência da acção possa prejudicar ou que tenham interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge o autor, e que possam ser identificadas em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo” (Aroso de Almeida).

“ … No entanto, é manifesto que podem existir situações em que haja pessoas ou entidades que estejam nessas condições”.

Por isso, entende que quer configurando o incidente de reclamação como uma acção de impugnação enxertada no processo de execução quer perspectivando a reclamação como um incidente do processo de execução fiscal se chegará à conclusão de que tem que ser admitida nela a intervenção de quem tiver interesse em contradizer a pretensão do reclamante pois, nos processos judiciais, como é o processo de execução fiscal, tem de ser observado o principio do contraditório, não podendo, salvo caso de manifesta desnecessidade, serem decididas questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem – artigo 3º, nº3 do CPC.

No caso dos contra-interessados estes devem ser notificados para responder no prazo de 8 dias referido no nº2 do artº 278º do CPPT – artigo 98º da LGT.

“ Será manifesta a desnecessidade de ouvir a parte contrária quando não seja aceitável que haja controvérsia sobre as questões a apreciar por parte de quem possua os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais”.

Como se escreve no douto Ac. do TCA Norte de 14.02.2013 “ … Se a reclamação estiver estruturada de forma objectiva, como um processo feito a um acto, que visa apenas controlar a legalidade e regularidade do acto reclamado, não há qualquer necessidade daquela intervenção, pois não está em causa reconhecer qualquer direito subjectivo dos interessados perante a administração tributária, mas apenas emitir um juízo de confirmação ou de anulação de um acto reclamado.
Se a reclamação estiver estruturada como processo entre duas partes, na qual se reconhece a existência ou inexistência de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, pese embora o processo tenha por objecto um acto do órgão de execução fiscal, na verdade do que se trata é dirimir um litígio emergente de uma relação jurídico-processual. E assim sendo, a tramitação do processo desenvolve-se tendo por partes, por um lado, o reclamante, que sustenta que o acto é lesivo dos seus interesses, por outro, a administração tributária, que defende o interesse público que a levou a praticar aquele acto, e também os contra-interessados, que defendem interesses contrapostos ao reclamante…”

Ora, no caso em apreço, está em causa o prosseguimento da execução para entrega efectiva do imóvel com recurso ao arrobamento sendo que o reclamante na PI refere que o contrato de arrendamento caducou e o ora recorrente entende que tem um contrato de arrendamento, realizado antes da penhora que se mantém válido, pois não foi anulado.

A concretização da entrega nos termos atrás referidos, poderá significar a ocorrência de um “despejo” porquanto:

Resultando do art. 819º do Código Civil na redacção introduzida pelo DL 38/2003, de 8 de Março que :

“Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.

E que, por outro lado, se estabelece no art. 824º do Código Civil:

“1. A venda em execução fiscal transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
(…)”.

Extraindo-se destas normas que, em relação aos direitos reais de gozo, estes caducam se foram constituídos em momento posterior ao da penhora ou do seu registo.

Efectuada a venda, apenas subsistem, os direitos reais de gozo que tenham sido registados antes do registo da penhora e os que, não estando sujeitos registo, tenham sido constituídos antes da penhora ou do seu registo – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2007, Volume II, pág. 580.

Assim, a intervenção do Recorrente, como contra-interessado permitirá esclarecer se o seu direito se constituiu antes ou depois da penhora e, não se poderá concluir pela manifesta desnecessidade da sua audição sobre as questões a apreciar.

Como refere Paulo Otero, a determinação do universo dos terceiros cujos interesses podem ser prejudicados constitui “núcleo do critério legal determinativo do universo dos contra-interessados.”

“ … Sendo os contra-interessados pacificamente concebidos como partes, não há dúvida que lhes assistem todos os poderes processuais próprios das partes (art.º 10, nº 1), por exemplo, o de contestar (art.º 82) ou de recorrer (art.º 155), considerando-se incluídos nas referências às partes nos art.s 95, 120, nº 3, e 121. “ ( in Legitimidade Passiva : Os Contra-Interessados de Filipa Aragão Homem).

“ … A doutrina é unânime ao considerar que os contra-interessados actuam em litisconsórcio necessário passivo com a entidade autora do acto impugnado. Litisconsórcio passivo pois os pedidos são formulados contra todas as partes, havendo unicidade do pedido. A sua preterição constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, seja porque a própria lei obriga à sua constituição ou devido à própria natureza da relação, para que a sentença possa produzir o seu efeito útil normal (veja-se o art.º 28 CPC e 87 CPTA) …” - in Legitimidade Passiva : Os Contra-Interessados de Filipa Aragão Homem).

Tendo que se considerar o Recorrente como parte, embora só tenha sido qualificado na sentença como contra-interessado, deveria ter sido indicado como contra-interessado e notificado para responder no prazo de 8 dias nos termos do nº2 do artigo 278º do CPPT por obediência ao principio do contraditório.

Como se escreve no douto Ac. do TCA Norte de 18.09.2014, 00085/14.2BEPRT, “ A falta de notificação dos contra interessados para responder é uma omissão que pode influir decisivamente no exame de cisão da causa, geradora de nulidade do processado posterior à petição inicial (art.º 195º/1, 2 do CPC).

Em consequência, no caso dos autos, configura-se a nulidade prevista no artigo 195º do CPC, pelo que deverá proceder a arguição de nulidade invocada pelo Recorrente ( embora qualificada de forma diferente).

Se assim se entender estará prejudicada a apreciação dos restantes vícios invocados.
Pelo exposto, emito parecer no sentido da procedência do Recurso, na medida em que se configura a nulidade prevista no artigo 195, nº1 do CPC .

Lisboa, 13 de Novembro de 2015
A Procuradora- Geral Adjunta

(Fernanda Carneiro)