Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:05/15/2007
Processo:01788/07
Nº Processo/TAF:16/02 TAF LEIRIA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IRC
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
FALTA DE ENTREGA DA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – D ..... , LDA, veio interpor recurso da douta sentença proferida pelo Mº Juiz do TAF de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 1996, alegando, em síntese, falta de fundamentação da liquidação por esta não ter tido por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 83º do CIRC, mas sim utilizando um método de cálculo que apenas entrou em vigor em 2001.

2 - Está em causa a questão de saber se a liquidação oficiosa efectuada pela Administração tributária obedeceu ou não aos critérios legais.
No entender da impugnante, a liquidação oficiosa “fundamentou-se numa matéria colectável do exercício de 1996, na quantia de Esc. 19.002.965$00 (…). Sucede, porém, que a recorrente, com excepção do exercício de 1992, nos demais exercícios anteriores a 1996, apresentou sempre prejuízos fiscais. (…) Além disso e apesar de se reconhecer que a declaração modelo 22 relativa a 1996 foi entregue, fora do prazo legal, na citada declaração modelo 22 é apresentado um prejuízo fiscal de (36.147.231$00)”. (…). Neste contexto, afigura-se à recorrente que a liquidação recorrida enferma de falta de fundamentação de facto. Na verdade, não se vislumbra em parte alguma da liquidação recorrida o motivo pelo qual foi apurada uma matéria colectável do exercício de 1996, na quantia de 19.002.965$00”.

Ora, no que concerne à fundamentação, dispunha o artigo 21º do CPT, sob a epígrafe “direito à fundamentação”, que “as decisões em matéria tributária, que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos, de facto e de direito”.
Tal direito constituía garantia expressa dos contribuintes, nos termos do artigo 19º, al. b), do mesmo diploma.
Aliás, o referido direito, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional (artigo 268º, nº 3 da CRP).
Por força do disposto no nº 1 do artigo 77º da LGT, a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.

Conforme decorre das alegações de recurso, a impugnante compreendeu perfeitamente por que razão foi considerada aquela matéria colectável.
Diz o seguinte: “Por último, sempre se dirá que a fundamentação de facto da matéria colectável (…) reconduz-se a uma aplicação das regras do regime simplificado (…), a matéria colectável do exercício de 1996 foi obtida mediante a aplicação de um coeficiente de 20% à base tributável do IVA do ano de 1996”.

Ou seja, a segunda parte das alegações contraria o que é afirmado na primeira parte: a recorrente conhecia as razões por que a AT considerou a matéria tributável de Esc. 19.002.965$00, tendo podido analisar os critérios de que aquela se socorreu para chegar àquele montante.
E a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20 168. No mesmo sentido, cfr. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10.03.92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. do STA de 11.11.98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).

Aliás, se a impugnante entendesse que a notificação da liquidação não continha a sua fundamentação sempre poderia fazer uso do disposto no artigo 37º do CPPT, o que não aconteceu.


Ora, a liquidação dos autos foi realizada de acordo com o disposto no artigo 83º do CIRC que estabelece:

      · Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações de rendimentos por ele apresentadas, tem por base a matéria colectável que delas conste (alínea a);

      · Na falta de apresentação da declaração pelo contribuinte, tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada (alínea b);

      · Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha (alínea c).


A declaração modelo 22 relativa ao exercício de 1996 apenas foi apresentada em 30/01/2002 (cfr. nº 3 do probatório), já após ter sido notificada para efectuar o pagamento da liquidação oficiosa.

Na declaração relativa ao exercício de 1995, o contribuinte não apurou qualquer matéria colectável.
Assim sendo, a AT teve de lançar mão do critério referido na alínea c) do nº 1 do artigo 83º do CIRC.
Tendo a liquidação dos autos por base uma matéria colectável apurada “de acordo com os elementos de que a administração fiscal disponha” (nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 83º do CIRC), competia à impugnante provar, de acordo com as regras do ónus da prova, que aquela matéria colectável era exagerada.

O que não logrou fazer, conforme se verifica dos “FACTOS NÃO PROVADOS” referidos na douta sentença recorrida.

De resto, como se diz no Ac. deste TCA Sul, de 18/05/2004, Processo 01355/03, “efectuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e demonstrando que in casu não existiu facto tributário ou se verificou excesso de liquidação.
A simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação, por tal não resultar do artigo 95º acima citado.
É que, a ser assim, bastaria um contribuinte não apresentar a sua declaração de rendimentos em tempo; depois apresentava uma declaração de rendimentos em que não declarasse rendimentos e a liquidação oficiosa ficaria pura e simplesmente anulada.
Ora, não é esse o sentido da lei. A liquidação só poderá ser anulada oficiosamente, nos casos previstos na lei, pela Administração Tributária na sequência de decisão proferida em reclamação graciosa ou por determinação de Tribunal Tributário”.

Daí que não ocorra, no caso dos autos, o apontado vício de forma, por falta de fundamentação da liquidação.

3 – Em face do exposto, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso, mantendo - se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, por se afigurar que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.