Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:11/20/2006
Processo:01428/06
Nº Processo/TAF:1140/04 LOURES
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:MERCADORIAS EM CIRCULAÇÃO
ENTREPOSTO
Texto Integral:6

Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – ADEGA C ........ , C.R.L. veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 112 a 123, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2 (Loures), que julgou improcedente a impugnação judicial que oportunamente havia apresentado contra o acto de liquidação do imposto especial sobre o consumo de álcool (ISA), no montante de € 216 811,88 (Esc. 43 466 880$00).

2 - Salvo o devido respeito, na minha perspectiva a sentença recorrida não merece censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade apurada, não sofrendo dos vícios que a Recorrente indevidamente lhe assaca já que não há qualquer omissão de pronúncia, erro sobre os pressupostos de facto ou falta de prova dos fundamentos da liquidação.

Ao impugnar a referida liquidação de ISA, a Recorrente alegou apenas na petição inicial, o seguinte:

Salvo o devido respeito a impugnante nada deve.
Com efeito,

Todas as mercadorias referentes nos DAA supra referenciados foram expedidas, transportadas e recepcionadas na Alfândega em Amsterdam, Holanda (doc, nº 1 e 1 A, 2 e 2 A, 3 e 3 A, 4 e 4 A, 5 e 5 A, 6 e 6 A.)

E levantadas pela empresa importadora conforme consta do verso dos referidos documentos nº 1 e 6.

Não tem, nem podia ter, a impugnante qualquer controlo, culpa ou responsabilidade no destino final do produto, que julga ter sido o constante dos documentos juntos.

E aliás nem a podia acompanhar até ao seu destino final.

Deve pois anular-se esta liquidação.

(…)”.

Antes de mais, desde já se adianta que não era grande a convicção da impugnante na altura da apresentação da petição: se, por um lado, referia ter a certeza de que todas as mercadorias referentes nos DAA “foram expedidas, transportadas e recepcionadas na Alfândega em Amsterdam e levantadas pela empresa importadora” (artigos 2º e 3º), por outro, e logo de seguida, admitia que não tinha, nem podia ter, qualquer controlo, culpa ou responsabilidade no destino final do produto, que julgava ter sido o constante dos documentos juntos (sublinhado nosso) e que nem sequer o podia acompanhar até ao seu destino final (artigos 4º e 5º), não nos dizendo porquê, nem tal se descortina facilmente.

Face à factualidade trazida à lide e o peticionado, o objecto do litígio centrava-se apenas na apreciação das circunstâncias que presidiram ao transporte e recepção dos produtos sujeitos a registo.

Apercebendo-se disso, a impugnante, após a produção da prova, veio, em alegações, apresentar novos factos e invocar vícios novos, nomeadamente, o erro sobre os pressupostos de facto, a falta de prova dos fundamentos invocados na liquidação, a ilegalidade abstracta do nº 4 do artigo 20º do DL 52/93, de 26 de Fevereiro, e a impossibilidade de apresentar prova da regularidade das operações ou do local onde a infracção ou irregularidade supostas teriam acontecido, bem como a violação do direito da audição prévia.
Ora, sendo as alegações, em processo de impugnação judicial facultativas, apenas nelas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição da impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitar novas questões de ilegalidade do acto impugnado.
Este entendimento assenta no princípio da estabilidade da instância (artigo 268º do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (nº 1 do artigo 108º do CPPC).

Daí que, salvo o devido respeito, não ocorra omissão de pronúncia quando a sentença não conheça de questões não aduzidas na petição de impugnação, mas apenas nas alegações.

3 - Sendo assim, a questão que se impõe neste recurso é a de saber se a impugnante, como depositário autorizado expedidor, é sujeito passivo do imposto liquidado.
Na petição inicial, a impugnante apenas indicou como causa de pedir que os produtos foram expedidos, transportados e recepcionados na Alfândega de Amsterdam, na Holanda, e levantados pela empresa importadora, acrescentando que não podia ter qualquer controlo, culpa ou responsabilidade no destino final desses produtos, porquanto nem sequer os podia acompanhar até esse destino.

Ora, as bebidas alcoólicas estão sujeitas ao IEC, estando a sua circulação entre entrepostos, ao tempo dos factos, em regra, sujeita ao regime de suspensão regulado pelo DL 52/93, de 26 de Fevereiro.

Dispõe o artigo 19º, nº 6 deste diploma que o regime de suspensão é apurado pela colocação dos produtos numa das situações referidas no nº 3 do artigo 4°, em conformidade com as regras do respectivo regime aduaneiro suspensivo. E o artigo 20º, nº 4, do mesmo diploma estatui que sempre que os produtos sujeitos a IEC, expedidos do território nacional não chegarem ao destino (...) procede-se à cobrança do IEC à taxa em vigora data da expedição dos produtos.
Enquanto a mercadoria não for recebida regularmente no destino, riscos ligados à circulação do produto são cobertos pelo depositário autorizado expedidor (artigo 15º, nº 3), só podendo a sua responsabilidade ser libertada quando for feita prova de que os produtos foram regularmente recebidos no destino, sendo essa prova feita através da apresentação do exemplar 3 dos DAA, devidamente visado (artigo 15º, nº 6).

Logo, não tendo a impugnante feito prova, como lhe competia, de que os produtos foram regularmente recebidos no Estado membro de destino através da apresentação do exemplar 3 do DAA e sabendo, ou devendo saber, que sobre ela recaía, em última análise, o dever de pagar o imposto se os produtos não fossem regularmente recebidos, deveria ter-se precavido contra qualquer “desvio” desses produtos no trajecto entre entrepostos, a fim de se libertar da responsabilidade tributária.

O que não fez.

Daí que, não tendo os produtos sido recebidos pelo destinatário e tendo as autoridades holandesas comunicado que o carimbo utilizado pela empresa holandesa não era verdadeiro (o que lhe retira, desde logo, valor documental e jurídico), a responsabilidade pelo pagamento do ISA é da Recorrente, na qualidade de depositário autorizado expedidor, nos termos das citadas disposições (artigos 15º, nº 6, e 20º, nº 4, do DL 52/93).

Assim decidindo, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto e do direito aplicável.

4 – Dir-se-á, porém, que a tese defendida pela recorrente de que o Tribunal "a quo” podia e devia ter conhecido de todas as questões, mesmo as que não foram alegadas na petição inicial, encontra arrimo no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) do Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, mas apenas no que à ilegalidade abstracta diz respeito.
Na verdade, em comentário ao artigo 120º do CPPT, aquele ilustre Conselheiro admite que “Há, no entanto, algumas excepções, que têm de reconhecer-se em face da possibilidade de alguns vícios dos actos tributários poderem ser invocados em oposição à execução fiscal, mesmo que não tenham sido invocados em impugnação judicial do acto de liquidação executado.
Uma delas é o caso dos vícios susceptíveis de constituírem a denominada ilegalidade abstracta da liquidação, enquadrável na alínea a) do nº 1 do art. 204º deste Código” (cfr. CPPT, 2ª edição, 2000, pág. 540).

E, no entender da impugnante, verificar-se-ia a ilegalidade abstracta do n.° 4 do artigo 20º do DL 52/93, de 26 de Fevereiro, por violação dos princípios da proporcionalidade e da necessidade (artigo 18°, nº 2) e do direito a um processo equitativo, consagrados nos artigos 18º, nº 2, e 20º, nº 4, da CRP.

Porém, não se vê como pode violar os princípios da proporcionalidade e da necessidade e do direito do processo equitativo o entendimento de que não é possível utilizar as alegações para invocar novos factos ou suscitar novas questões de ilegalidade do acto impugnado, atento o princípio da estabilidade da instância (artigo 268º do CPC) e o ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (artigo 108º, nº 1, do CPPC).
Com efeito, não se exige à impugnante nada que seja desproporcional em relação ao resultado. Por isso, não se descortina aqui desproporção nenhuma nem sequer especial onerosidade para a Recorrente.

Por outro lado, a liquidação impugnada não sofre do invocado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, resultante do facto de a liquidação ter assentado no pressuposto de que os produtos expedidos pela impugnante a coberto dos DAAs não terem chegado ao seu destino. Segundo a Recorrente, na medida em que a entidade recorrida não logrou fazer prova da falsidade dos DAAs, nem por em causa o seu valor probatório, destes resulta que a mercadoria chegou ao seu destino, à empresa N .................. , na Holanda, pelo que não se pode considerar verificado o pressuposto de facto em que assentou a liquidação.
Ora, quanto à falsidade, são as autoridades holandesas que informam que o destinatário não recebeu os produtos. Daí não vermos que outra explicação possa haver, ou que outras diligências pudessem ter sido feitas, inclusivamente pela Recorrente. Pelo menos neste contexto, a questão é muito simples: os produtos, ou foram recebidos, ou não foram. Neste caso, como resulta ex abundanti dos autos, não foram.

Termos em que improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso.

5 – Pelo exposto, emito parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, assim se confirmando a sentença impugnada.