Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:07/27/2007
Processo:01953/07
Nº Processo/TAF:755/04.3BEALM
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:IRS 1996
ARTIGO 13º CPT
GERENTE COM CULPA
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – O EXCELENTÍSSIMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio recorrer da douta sentença proferida pela Mª Juíza de direito do TAF de Almada, que julgou procedente a oposição deduzida por M ..... contra a execução fiscal contra si instaurada, após reversão, por dívida da sociedade devedora originária “M ..... , LDA", respeitante a IRS do ano de 1996, no montante de € 677,78.

Após alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
      “ - A oponente praticou inúmeros actos, na qualidade de gerente, que vincularam a sociedade devedora originária;
      - Para além da gerência de direito, a oponente exerceu a gerência de facto;
      - A oponente era a única gerente da sociedade originária devedora;
      - A oponente assinou cheques da sociedade, avisos de recepção de notificações, declarações de rendimentos e requerimentos para pagamento de dívidas fiscais em prestações;
      - A actividade incumpridora da sociedade foi viabilizada pela actividade da oponente enquanto gerente;
      - A prova documental não foi devidamente apreciada pelo tribunal “a quo”;
      - A prova testemunhal não é credível, o bastante, para levar a decidir pela procedência da pretensão da contribuinte”.

2 - O regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes pelas dívidas de impostos das suas representadas é regulado pela lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos de tal obrigação” (Ac. STA, de 06.03.96, Recurso 15 886, Acs. Dout. 422/181).

Ocorrendo o facto tributário no domínio da vigência do CPT, é aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 13º do referido diploma.

Nos termos de tal disposição, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Este normativo veio estabelecer, quanto à responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada por dívidas de contribuições e impostos, o regime consagrado no artigo 78º do CSComerciais com a diferença de que o ónus da prova passou a caber aos administradores ou gerentes aos quais a lei cometeu o ónus de provar que não tiveram culpa no facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

A doutrina e a jurisprudência entendem que, para se verificar a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes das sociedades pelo pagamento das dívidas fiscais destas, no âmbito do apontado regime jurídico, é necessário que, além da gerência nominal ou de direito, ocorra também a gerência real ou de facto durante o período a que respeita a dívida exequenda (Alberto Xavier, “Manual de Direito Fiscal”, Vol. I, págs. 388/389; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, “Código de Processo das Contribuições e Impostos”, Comentado e Anotado, 2ª edição, pág. 89; Acs. STA, de 8.2.78, 20.2.80, 13.11.85, in AD 197-642, 222-746, 291-295 e 339-378).

A responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores fundamentadora da reversão abrange quer as dívidas nascidas quer as que devam ser pagas no período da respectiva gerência (cfr., entre outros, o Ac. do STA de 26.04.95, Processo 18 268).

Com interesse para a solução da questão da legitimidade da recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
      (…)
      G) A sociedade “M ..... , Lda” foi constituída em 12/01/1996, pela oponente e por A ..... , e tinha por objecto social a “comercialização, montagem e assistência técnica de aparelhos de ar condicionado”.
      H) O capital social da sociedade “M ..... , Lda” estava dividido em duas quotas, no valor de Esc. 300.000 e Esc. 100.000.
      I) A oponente detinha a quota no valor de Esc. 300.000 na sociedade “M ..... , Lda.
      J) A sociedade obrigava-se com a assinatura da oponente.
      K) A oponente foi nomeada gerente em 12/01/2006 da sociedade “M ..... , Lda”.
      L) A oponente assinava os documentos relativos ao giro comercial da sociedade.
      M) A oponente não se deslocava às instalações da empresa, não controlava os trabalhadores, nem contactava com os fornecedores.
      N) A oponente na data em que detinha as quotas da sociedade “M ..... , Lda”, era balconista numa loja de “lingerie”.

Com base nesta factualidade, o TAF de Almada concluiu pela ilegitimidade da oponente M ..... por falta de exercício de facto da gerência da sociedade devedora originária.

Porém, na minha perspectiva, erradamente.

Senão vejamos:

A actividade de balconista numa loja de “lingerie” na data em que detinha as quotas da sociedade M ..... e o facto de não se deslocar às instalações da empresa, não controlar os trabalhadores nem contactar os fornecedores não são argumentos decisivos para a apreciação da questão da responsabilidade subsidiária porque aquelas circunstâncias não eram, em princípio, como não foram de facto, impeditivas da prática pela oponente de actos de gerência da devedora originária.

Tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.

Assim sendo, relevante para a decisão da questão é a forma de obrigar da sociedade. Ora, como vem provado, “a sociedade obrigava-se com a assinatura da oponente”, que “assinava os documentos relativos ao giro comercial da sociedade”.

Daqui decorre que a oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.

Acresce que, no caso concreto, a oponente não logrou provar a inexistência de culpa na insuficiência da executada para satisfazer a dívida fiscal aqui em causa.

Logo, forçoso será concluir que estão verificados todos os pressupostos legalmente erigidos à responsabilização da oponente, nos termos do artigo 13° e 239° do CPT, a saber: inexistência de bens por parte da devedora originária, nomeação de pessoa a quem reverter a execução, investida na qualidade de gerente e efectivo exercício das funções para as quais foi nomeada.

4 - Pelo exposto, emito parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.