Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:05/28/2007
Processo:01818/07
Nº Processo/TAF:14/03 TAF LISBOA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IRS
SOCIEDADE IRREGULAR
PARTILHA
SUPRIMENTOS
ÓNUS DA PROVA
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – A ….. veio interpor recurso da douta sentença proferida pela Mª Juíza de Direito do TAF de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra a liquidação adicional nº 5353771581, referente a IRS do ano de 1996, no montante de € 156 944,92.

Após alegações, formulou as seguintes

CONCLUSÕES:

“I. A sociedade irregular da qual o ora recorrente era sócios formou-se em 1983, com vista à aquisição de um imóvel devoluto, sua demolição e construção de um edifício novo.

II. Para fazer face ao investimento inicial cada um dos cinco sócios entrou com determinada parte do capital social total que seriam de 40 mil contos.

III. Há medida que a obra ia decorrendo e de acordo com as possibilidades financeiras dos sócios iam injectando capital na sociedade a fim de concluírem o projecto.

IV. As obras foram concluídas em 1990 e a partir daí iniciou-se o processo de venda das fracções, que terminou no ano de 1994.

V. Em 1994 o objectivo da sociedade estava cumprido, pelo que a mesma deixou de ter existência material e cessou, realmente, a sua actividade.

VI. Em 2001 foi realizada uma acção inspectiva por parte da AF, que terminou com liquidações adicionais de IRS, referentes ao ano de 1996, para todos os sócios, designadamente para o impugnante, feitas com base na declaração Modelo 22 do ano de 1995 e nos respectivos documentos contabilísticos, designadamente no constante da rubrica "depósitos bancários" e nas declarações dos sócios de que o montante existente em depósitos bancários teria sido distribuído equitativamente por todos os sócios.

VII. A AF não cuidou de saber como e quando foi feita tal distribuição e conclui que os sócios não lograram fazer prova das efectivas entradas para a realização do capital pelo que desconsiderou tal valor para o apuramento da matéria colectável.

VIII. A verdade é que o valor que foi distribuído por todos os sócios, não foi a totalidade do valor constante na rubrica "depósitos bancários", mas sim o valor resultante da subtracção a esse total dos montantes em débito aos fornecedores e dos montantes relativos aos suprimentos feitos pelos sócios ao longo do tempo que durou a construção.

IX. Não se pode concluir outra coisa, dado que para efectuar as operações de compra, demolição e construção é necessário dinheiro que, não se tendo recorrido à banca, só pode provir dos próprios sócios.

X. A AF não se guiou por critérios de razoabilidade ou de boa-fé.

XI. A AF instruiu o processo de inspecção de forma ligeira e sem cuidar de apurar a verdade material.

XII. O Tribunal a quo não cuidou, também de apurar a verdade tributária, na medida em que nem sequer ouviu as testemunhas indicadas na petição de impugnação, verificando-se que, a final, a sentença mais não é do que uma cópia do vertido no Relatório de Inspecção, sem sequer se formular qualquer juízo sobre a legalidade ou a razoabilidade das afirmações aí expendidas.

XIII. A sentença recorrida ao aceitar o raciocínio expendido pela AF para determinação da matéria colectável está a violar a lei e os princípios da razoabilidade e da boa-fé.

XIV. O sujeito passivo deveria ter sido tributado com base nos valores correctos da partilha conforme vertido e demonstrado na petição de impugnação, tendo sempre como referencia que a cessação real e efectiva da actividade da empresa, para efeitos de tributação se verificou em 1994.

Nestes termos e demais de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida e consequentemente anulando-se o acto de liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 1996, assim se fazendo

JUSTIÇA!”.


2 - As questões essenciais que são objecto do recurso são as seguintes:
A) A de saber se foi ou não coarctada à recorrente a possibilidade de inquirição das testemunhas por si arroladas;
B) A de saber se a cessação da actividade da empresa, para efeitos de tributação, se verificou em 1994 ou posteriormente;
C) A de saber se ao valor existente nas contas bancárias no final do ano de 1995 (Esc. 434 462 000$00) deveria ou não ser abatido o valor de capital inicial entregue por cada um dos sócios e, bem assim, o valor dos suprimentos que foram sendo feitos ao longo do tempo e de acordo com as necessidades da obra em curso.

Vejamos:

A) Quanto à inquirição das testemunhas

No final da petição de impugnação judicial, a ora recorrente arrolou 3 testemunhas.
Porém, entendendo que não era relevante para a decisão da causa a prova testemunhal, o tribunal considerou desnecessária a produção da mesma (cfr. despacho de fls. 141).
Esse despacho foi notificado à impugnante que com ele se conformou. Se assim foi, não pode vir agora dizer que o tribunal não cuidou de “apurar a verdade tributária, na medida em que nem sequer ouviu as testemunhas indicadas na petição de impugnação …”.
Se, eventualmente, ao ser notificada daquele despacho entendeu que a sentença lhe iria dar razão, fez mal. O despacho não o diz, nem podia dizer. Por isso, não pode agora queixar-se que, ao aceitar o raciocínio expendido pela AF para determinação da matéria colectável, a sentença esteja a violar a lei e os princípios da razoabilidade e da boa-fé. Se a recorrente entendia que as testemunhas deveriam ter sido inquiridas e não o foram, sibi imputet.

B) Quanto à data da cessação da actividade da empresa;

Sobre esta matéria, entende o recorrente que a cessação da actividade da empresa se verificou em 1994.

Prova de que assim aconteceu? Nenhuma.

Vejamos o que consta do probatório:
“C) O impugnante entregou a declaração da cessação de actividade em 08/05/2001, com efeitos a contar de 31/12/1996 (Cfr. documento a fls 231 do Vol II do Processo administrativo).
D) Em 17/05/2001 o impugnante entregou a declaração de IRC (modelo 22) referente ao exercício de 1996 na qual não declarou qualquer rendimento tributável (Cfr. documento a fls 31 do processo Administrativo)".

Nos termos do nº 5 do artigo 7º do CIRC, a cessação da actividade ocorre na data de encerramento da liquidação.
Ora, se na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 1995 se declarava na conta “Depósitos bancários” o montante de Esc. 434 462 000$00 e se o próprio impugnante declara perante a Administração fiscal que a cessação de actividade ocorreu em 31/12/1996, como pode vir agora dizer que, afinal, ocorreu em 1994?

C) Quanto à matéria colectável

Entende a recorrente que ao resultado da partilha deve ser abatido o valor de capital inicial entregue por cada um dos sócios e, bem assim, o valor dos suprimentos que foram sendo feitos ao longo do tempo e de acordo com as necessidades da obra em curso.
O cálculo do valor da partilha consubstanciou-se no montante existente em depósito bancário em 31/12/2005, ou seja, Esc. 434 462 000$00.

Diz o artigo 67º do CIRC:
“1 – É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.
2 – No englobamento para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, observar-se-á o seguinte:
a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efectivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável.
b) (…)”.

De acordo com o preceito citado, o recorrente tem razão ao afirmar que as entradas de capital assumem relevância importante para efeitos de tributação. Todavia, aquelas entradas devem ser as que constem da contabilidade da sociedade liquidada.

Contabilidade que não existe.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 74º da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Não basta, assim, vir dizer “que o valor que foi distribuído por todos os sócios não foi a totalidade do valor constante na rubrica “depósitos bancários”, mas sim o valor resultante da subtracção a esse total dos montantes em débito aos fornecedores e dos montantes relativos aos suprimentos feitos pelos sócios ao longo do tempo que durou a construção” (cfr. conclusão VIII). É necessário prová-lo.

Que débitos?

Que suprimentos?

Nada se sabe, porque o recorrente nenhuma prova fez e a contabilidade não existe.

Assim sendo, ao “apurou o valor a tributar em sede de IRS, a cada um dos sócios, com base na informação por eles veiculada em auto de Declarações de que o montante de depósitos bancários “deve ter sido distribuído equitativamente pelos sócios”, (cfr. nº 19 das alegações do recurso), a AT não cometeu qualquer ilegalidade susceptível de invalidar a liquidação em causa.

Pelo que, improcedem todas as conclusões do recurso.

3 - Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.