Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:08/01/2007
Processo:01990/07
Nº Processo/TAF:353/07.0BEALM
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:SIGILO BANCÁRIO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – Dizendo-se inconformados com a, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente, com referência ao exercício de 2003 e parcialmente improcedente, com referência aos exercícios de 2004 e 2005, o recurso apresentado R ..... da decisão do Senhor Director Geral dos Impostos, a qual determinou o levantamento do sigilo bancário sobre as contas bancárias de que aquele é titular, dela vêm recorrer o Senhor DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS, relativamente à decisão referente ao exercício de 2003 e R ..... , relativamente aos exercícios de 2004 e 2005.

2 - A questão a decidir é a de saber se, no caso dos autos, se encontravam, ou não, preenchidos os pressupostos legais para a derrogação do sigilo bancário e se a decisão respectiva se encontra suficientemente fundamentada.

Salvo o devido respeito, a decisão do Senhor Director-Geral dos Impostos não sofre de insuficiente fundamentação.
Com efeito, a fundamentação do acto e a notificação da fundamentação são realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da sua anulabilidade (cf. Ac. do STA de 09.09.99, Proc. 23 773, de que foi Relator o Ex.mo Cons.º Brandão de Pinho).
Nos termos do artigo 77º, nº 1 da LGT, que corresponde ao artigo 125°, nº 1, do CPA, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

A fundamentação “per relationem”, expressamente prevista no preceito transcrito, consiste na remissão expressa para os termos de uma informação, parecer ou proposta que contenha, ela mesma, a motivação do acto, de tal modo que uma declaração de concordância sobre elas exarada deve ser entendida no sentido de que o acto administrativo absorveu e se apropriou da respectiva motivação ou fundamentação, que, assim, dele ficará a fazer parte integrante, sendo também admissível a fundamentação por dupla remissão, ou seja, que o acto remeta para uma peça processual que, por seu turno, remeta para outra, desde que ambas se encontrem no processo, e daí não resulte demasiada complexidade na fundamentação (cf. Acs. TCA, de 16/01/03, Recurso 6029/02 e de 09/01/03, Recurso 5504/01).

A decisão do Senhor Director-Geral, de 19/03/2007, absorveu os termos e os fundamentos constantes de informações e pareceres anteriores, conforme consta resulta do ponto 10 do probatório.
E a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20 168. No mesmo sentido, cf. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10.03.92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. Do STA de 11.11.98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).

Assim sendo, não se verifica o invocado vício de forma, por insuficiência de fundamentação.

3 - Sob a epígrafe Acesso a informações e documentos bancários”, estabelece o artigo 63º-B, n.º 2, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12.
          “1- (…).
          2- A administração tributária tem o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:
          (…)
          c) Quando existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, designadamente nos casos de utilização de facturas falsas, e, em geral, nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado”.

Sobre os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário, existe imensa jurisprudência quer dos TCAs quer do STA, nomeadamente, Acs. do TCA Norte de 20/12/2005, Proc. 00494/04, de 01/12/2005, Proc. 00496/05; Ac. deste TCA Sul de 17/01/2006, Proc. 00899/05, de 2006/03/07, Proc. 1066/06, de 29/11/2005, Proc. 00846/05 e de 03/08/2005, Proc. 00511/05, de 7/11/2006, Proc. 1410/06 e Acs. do STA de 19/4/2006, Proc. 0276/06 e de 14/03/2007, Rec. 189/07.

A doutrina e jurisprudência citada dos Tribunais Superiores vão no sentido de que a aplicação da referida norma depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
          a) – Recusa de exibição dos documentos ou de autorização para consulta por parte do visado;
          b) – Existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária;
          c) – Factualidade concretamente identificada gravemente indiciadora da falta de veracidade do declarado (cf. Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª Edição, 2003, pág.319 e seg.).

Ou seja, a AT pode proceder à derrogação do sigilo bancário, nos casos em que o contribuinte recuse autorização para esta aceder aos seus elementos bancários, desde que existam indícios da prática pelo mesmo de um crime doloso em matéria tributária, designadamente nos casos de utilização de facturas falsas, e em geral, nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado.

Assim, quer os factos subsumíveis à primeira parte da norma – utilização de facturas falsas - quer os subsumíveis à segunda parte – factos concretamente identificáveis gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado - só autorizam esta derrogação do sigilo bancário se integrarem a prática de um tipo de crime doloso em matéria tributária.

Deve, pois, ser feita uma referência ao concreto ilícito penal e à concreta norma incriminadora e, ainda, deve ser indicada qual a vantagem patrimonial obtida pelo contribuinte.

A nova redacção dada ao artigo 63º-B pelo artigo 40º da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro, aponta, porém, no sentido da alternatividade dos pressupostos indicados sob as alíneas b) e c), embora o novo regime somente se possa aplicar a factualidade ocorrida após Janeiro de 2005 (cfr. nº 9 do artigo 63º-B, da LGT).

Assim sendo, face à matéria de facto dada como provada, entendemos, salvo melhor opinião, que não se mostra preenchido um dos requisitos constantes da alínea c) do nº 2 do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12, ou seja, o da existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, com referência aos exercícios de 2003 e 2004.

O mesmo já não acontece relativamente ao exercício de 2005.

3 – Em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Senhor Director-Geral dos Impostos e ao recurso apresentado pelo recorrente R ..... relativamente ao exercício de 2005, devendo, porém, merecer provimento o recurso deste com referência ao exercício de 2004.