Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:07/06/2006
Processo:01261/06
Nº Processo/TAF:
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IRS 93
RECURSO MÉTODOS INDICIÁRIOS
AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS
Data do Acordão:02/14/2007
Disponível na JTCA:NÃO
Texto Integral:1 – O EXCELENTÍSSIMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 123 a 127, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou a impugnação deduzida por M ... totalmente procedente, determinando, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRS nº 5343282347, referente ao exercício de 1993, no montante de Esc. 7 899 028$00.

Após alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. Na determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiciários a Administração Tributária efectuou uma quantificação, pelo que, alegando o contribuinte a errónea quantificação, deveria ter apresentado reclamação para a Comissão de Revisão, nos termos do n.° 1, do artigo 84.°, do CPT, condição de admissibilidade da impugnação judicial, como estatui o n.° 3 do mesmo artigo, pelo que a mesma deveria ter sido indeferida liminarmente.

2. A aplicação de métodos indiciários na situação em apreço fundamentou-se na alínea a), do n.° 1, do artigo 38.° do CIRS - irregularidade na escrituração.

3. Perante as irregularidades verificadas não foi possível à Administração Tributária a quantificação directa, imediata e exacta da matéria colectável, pelo que só com o recurso à aplicação de métodos indiciários pôde determinar o Lucro Tributável mais aproximado dos rendimentos efectivamente obtidos”.


2 – Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade apurada.

É certo que nos termos do n.º 1 do artigo 136º do CPT “a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável depende de prévia reclamação nos termos dos artigos 84º e seguintes”.
Tal reclamação é condição prévia e necessária para a impugnação judicial.
Porém, tal como se diz na douta sentença sob recurso “tal reclamação apenas é condição de impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria colectável e já não no que se refere à errónea qualificação dos factos que estão subjacentes ao recurso à fixação do lucro tributável, situação que se verifica no caso em apreço e que não depende de qualquer reclamação prévia.
De resto, no projecto de decisão, nos termos do nº 4 do artigo 60º da LGT, a própria AT reconhece que o ora recorrido “não se insurge contra a decisão de se recorrer a tais métodos com vista à fixação, nem tão pouco alega a errónea quantificação dos rendimentos fixados. Invoca sim, a errónea qualificação e consequente escrituração do valor de 8 280 000$00 como existências em vez de imobilizado e mais não diz” (cfr. fls. 14).

Assim sendo, não procede a 1ª conclusão apresentada.

Quanto à questão essencial a decidir, a de saber se se verificavam os pressupostos do recurso a métodos indiciários, entendemos o seguinte:

A razão que levou à decisão do recurso a esses métodos, no que respeita ao apuramento da matéria colectável do ano de 1993, que é o que está aqui apenas em causa, foi a seguinte: “Divergências no Valor das Vendas de 1993 – o valor Contabilizado e Declarado é de: 8.234.349$00, enquanto que o somatório da Coluna 6 do Anexo 2 – folha 1 é de: 9.754.696$00” (cfr. fls. 22).

Ora, salvo o devido respeito, a apontada divergência não integra quaisquer dos fundamentos justificativos do recurso a métodos indiciários indicados no artigo 38º do CIRS.
Por outro lado, o nº 1 do artigo 76º do Código de Processo Tributário (CPT), vigente à data dos factos tributários, estabelecia que o processo de liquidação se instaurava com as declarações dos contribuintes, a quem o dever da sua apresentação era imposto pelos artigos 57º e 78º do CIRS.
Essas declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária gozam da presunção de veracidade, de acordo com o estatuído no nº 1 do artigo 32º da Lei 106/88, de 17 de Setembro (autorização legislativa do CIRS e CIRC): “a administração fiscal só poderá proceder à fixação dos rendimentos colectáveis quando o contribuinte não apresentar declaração ou quando os rendimentos declarados não corresponderem aos efectivos ou se afastarem dos presumidos na lei”; de igual modo, o artigo 78º do CPT apontava no mesmo sentido quanto ao valor probatório da escrita.
Hoje em dia, essas presunções legais de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à AF e dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal, constam do nº 1 do artigo 75º da LGT.

Conforme referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, 2000, a pág. 309, “Assim, nestes casos, se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de considerar-se verdadeiro”.

A jurisprudência aponta no mesmo sentido: “Cabe à Fazenda Pública, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou métodos indiciários e presuntivos, constantes do relatório dos serviços de fiscalização” (cfr. Ac do TCA, de 22/05/2001, processo 3216/00).

No caso dos autos, como já se disse, não foi feita prova da existência dos pressupostos de facto e de direito que levassem à correcção do lucro tributável por métodos indirectos, sendo suficiente o recurso a mera correcção técnica.
Daí que, em nosso entender, o recurso a tais métodos tenha sido indevido, devendo funcionar a presunção de veracidade da declaração apresentada pelo impugnante.

Improcedem, assim, as restantes conclusões apresentadas.

3 – Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.