Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:02/09/2007
Processo:01591/07
Nº Processo/TAF:1/02 TAF ALMADA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:TAXA OCUPAÇÃO DOMÍNIO PÚBLICO MUNICIPAL
TAXA OU IMPOSTO
ISENÇÃO
PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – S ....... SA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 416 a 421, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra as liquidações efectuadas pela CÂMARA M ..... respeitantes ao ano de 2000 relativas a taxas pela ocupação da via pública com a instalação de condutas, nos montantes de Esc. 6 540 600$00, 5 685 240$00, 14 026 950$00 e 487 275$00, alegando, em síntese, que enquanto concessionária de um serviço público está isenta do pagamento de taxas seja a que título for, que lhe foi concedido o direito ao uso gratuito do domínio público, que o pagamento de taxas ofende o princípio da igualdade, viola o princípio da proporcionalidade, que se trata de impostos e não de taxas e que, actualmente, os municípios não estão habilitados a cobrar, seja a quem for, taxas de ocupação do subsolo do domínio público, por força do disposto na alínea c) do artigo 20º da Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005.

2 – Parece pacífico que a produção, distribuição e fornecimento do gás é assumido pelo Estado como uma atribuição sua.
Também é pacífico que a lei atribui à impugnante, concessionária desse serviço público, o direito à utilização do domínio público para a instalação das infra-estruturas de concessão, sem qualquer distinção quanto à titularidade do domínio e sem a fixação de contrapartidas específicas para essa utilização.
É assim que a ocupação do subsolo municipal não tem como pressuposto qualquer licenciamento camarário.
Portanto, o Município do B .... é alheio ao título constitutivo da ocupação do domínio público municipal.
Porém, de acordo com a LFL (artigo 11º, alínea b) e c) da Lei 1/87, de 6 de Janeiro e 19º, alínea b) e c) da Lei 42/98, de 6 de Agosto), os Municípios podem cobrar taxas por concessão de licenças de ocupação da via pública por motivo de obras e por ocupação (ou utilização do solo, subsolo ou espaço aéreo) do domínio público municipal.
Ora, quer o artigo 27º, nº 1, da Lei 1/87,de 6 de Janeiro, quer o artigo 33º, nº 1, da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto (vigente à data da liquidação das taxas), circunscrevem subjectivamente a pretendida isenção ao Estado, seus institutos e organismos autónomos personalizados e, como é sabido, as normas que estabelecem isenções ou qualquer outro benefício fiscal, dado o seu carácter excepcional, não permitem interpretação extensiva antes demandam uma interpretação restritiva.
Assim sendo, a impugnante não beneficiava da aludida isenção.
Acresce que o próprio Tribunal Constitucional vem dizer que o montante a pagar a título de taxa pela utilização do domínio público municipal não é desajustado do valor que o particular retira dessa utilização, donde pode concluir-se pela mesma não gratuitidade (cfr. Acs. do TC juntos a fls. 349 a 363).
Daí que, enquanto concessionária de um serviço público, não esteja isenta do pagamento de taxas ou que lhe tenha sido concedido o direito ao uso gratuito do domínio público ou que o pagamento de taxas ofende o princípio da igualdade.

3 – No que respeita à questão de saber se o valor da taxa é desproporcional face ao custo que a utilização dos bens do domínio público em causa acarreta à Câmara M ... afigura-se-nos que não se pode concluir por tal violação.
Aliás, nos dois acórdãos citados, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de afirmar que a aplicação do ponto 14 do artigo 45º do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxas e Licenças da Câmara M ..... não era inconstitucional, referindo o Ac. unto a fls. 349 a 355 expressamente que “ponderando tais dados, não pode o Tribunal Constitucional … concluir, nomeadamente, pelo manifesto desajustamento entre o montante a pagar a título de taxa pela utilização do domínio público municipal e o valor que o particular retira dessa utilização (…)”.

4 – A questão de saber se o tributo sindicado pode ser enquadrado no tipo tributário de imposto, cuja criação ofenda os artigos 103º, nº 2 e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, ou, ao invés, se trata de taxa passa, necessariamente, pela distinção entre taxa e imposto, com a fixação das características típicas, aceites pela doutrina e jurisprudência, da taxa e, finalmente, enquadramento das receitas em causa numa dessas categorias tributárias.
Conforme se diz no Ac. do STA, de 04.2.98, publicado na CTF 389,228, cujos passos, nesta matéria, seguiremos de perto, "pode dizer-se que o traço distintivo entre taxa e imposto é pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Segundo elas, o imposto tem carácter unilateral enquanto a taxa tem natureza bilateral ou sinalagmática: à exigência do imposto não está directamente contraposta qualquer utilização dos bens ou serviços públicos, embora ele se destine a satisfazer os encargos que advêm da sua prestação à Comunidade Política; a taxa tem sempre como causa a prestação de qualquer serviço ou utilização de bens semi-públicos, representando a contraprestação por essa utilização (Cfr., entre outros, Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, 1974, pp 42 e sgs; Soares Martins, Manual de Direito Fiscal, 1983, pp 35 e sgs; Maria Margarida Palha, "Sobre o conceito jurídico de taxa", Estudos, II, Centro de Estudos Fiscais, 1983, pp 372; Sousa Franco, Direito Financeiro e Finanças Públicas, vol. II, 1982, pp 247 e sgs e ainda o Ac. do TC n.º 640/95, sobre o caso das portagens na ponte 25 de Abril, de 95.11.15, in DR, II Série, de 96.01.20, onde é citada abundante jurisprudência e doutrina).
Mas a existência desse nexo sinalagmático não postula que tenha de haver forçosamente um exacto equilíbrio entre o valor económico de ambas as prestações, até porque nem sempre os bens utilizados são susceptíveis de ser aferidos segundo um valor económico preciso, como se passa, por exemplo, nas taxas devidas pela remoção de obstáculos jurídicos ao uso ou utilização de bens ou exercício de actividades.
A sinalagmaticidade pressuposta pela taxa basta-se com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações.
Para além disto não se poderá esquecer que existem muitos bens por cuja utilização se exigem taxas que dificilmente poderiam ser economicamente valorados, por razões de ordem prática, como a constante necessidade de conservação, aperfeiçoamento ou grau de utilização.
Tanto vale por dizer que o legislador ordinário goza de uma larga margem de discricionaridade constitutiva quanto ao montante das taxas”.

Ou seja, tanto a doutrina como a jurisprudência fundam o carácter sinalagmático das taxas “na equivalência jurídica”, não na “equivalência económica”.

Como se diz em parecer da autoria dos Drs. J. Xavier de Basto e António Lobo Xavier, transcrito no Ac. do TCA, de 12/03/02, Processo 5575/01, “para efeitos de uma correcta caracterização da taxa é útil a distinção marcada com nitidez pela doutrina nacional entre três tipos de situações que podem dar lugar à exigência de uma taxa, correspondentes a três diferentes naturezas de que pode revestir-se a contrapartida oferecida pelo Estado.
São, em primeiro lugar, as taxas devidas pela utilização dos serviços públicos individualizados.
São, em segundo lugar, as taxas devidas pela utilização de bens do domínio público.
São, finalmente, as taxas devidas pelo levantamento de obstáculos ao exercício de certas actividades pelos particulares, muito frequentemente designadas por licenças”.

A Lei Geral Tributária veio sufragar este entendimento ao estabelecer no seu artigo 4º, nº 2, que “as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.
Recentemente, Teixeira Ribeiro veio esclarecer que nem sempre a importância devida ao Estado pela outorga de uma licença haverá de ser considerada como uma taxa.
Segundo ele, só serão taxas as “licenças” que permitem a remoção de um limite jurídico à utilização de um bem semipúblico; quando a “licença”, ao invés, apesar de possibilitar o levantamento de um obstáculo jurídico, não proporciona, afinal, a utilização de qualquer bem semipúblico, estaremos antes perante um verdadeiro imposto, pois que o que sucede, nestes casos, é que a entidade pública aguarda que os particulares revelem a sua capacidade contributiva para lhes exigir o respectivo imposto.

Este entendimento, porém, não transparece do citado nº 2 do artigo 4º da LGT, que não exige a utilização de um bem semipúblico, nem tem acolhimento na jurisprudência. Assim, em Ac. do STA, de 11/10/2000, Processo 24 610, estabelece-se que “o tributo decorrente da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, relativamente proibida – licença – é de qualificar como taxa”. E no Ac. do mesmo STA, proferido em 31/10/2000, no Processo 25 262, afirma-se o seguinte:
“I – A remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, relativamente proibida, define-se como licença.
II – O custo da licença é uma taxa e não um imposto”.

No caso dos autos, porém, a contrapartida das taxas liquidadas é a utilização do domínio público municipal.

Aliás, chamado a pronunciar-se sobre esta matéria, o Tribunal Constitucional disse:
“Com efeito, assente que o tributo em causa corresponde a uma taxa, haverá que ter em conta que a natureza retributiva que caracteriza a taxa impõe que o respectivo valor seja calculado em função do custo do serviço prestado, ou do valor das "utilidades proporcionadas". É este, portanto, o limite do seu quantitativo.
(cfr. Ac. TC nº 396/2006, de 28/06/2006, Processo 224/06).

Assim, as quantias exigidas pela CMB não podem deixar de ser qualificadas como taxas, não sendo as liquidações em causa ilegais por tal motivo.

5 – Carece de fundamento a interpretação que a recorrente faz do disposto na alínea c) do artigo 20º da Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005. Com efeito, conforme já acima se deixou dito, de acordo com a LFL (artigo 11º, alínea b) e c) da Lei 1/87, de 6 de Janeiro e 19º, alínea b) e c) da Lei 42/98, de 6 de Agosto, este vigente à data da liquidação das taxas em causa), os Municípios podem cobrar taxas por concessão de licenças de ocupação da via pública por motivo de obras e por ocupação (ou utilização do solo, subsolo ou espaço aéreo) do domínio público municipal.

6 – Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.