Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:07/16/2007
Processo:01933/07
Nº Processo/TAF:4/03 TAF LISBOA
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
FORMAÇÃO DE ACTO TÁCITO DE INDEFERIMENTO
APLICAÇÃO DAS LEIS NO TEMPO, CPT OU LGT
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – L ..... , LDA, veio interpor recurso da douta sentença proferida pelo Mº Juiz do TAF de Beja, que julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido, com base no indeferimento tácito da reclamação graciosa por si efectuada, contra as liquidações adicionais de IVA identificadas a fls. 2 dos autos, no montante global de imposto de Esc. 15 130 465$00 (€ 75 470,00) e de Esc. 759 238$00 (€ 3784,10) de juros compensatórios, respeitantes aos anos de 1998 e 1999.

Após alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
      “1. A sentença recorrida julgou a impugnação em causa improcedente porquanto na data de apresentação da impugnação não tinha decorrido o prazo para a formação de acto tácito de indeferimento.
      2. Aplicando-se, segundo a douta sentença, o artigo 57° n°1 e 5 da LGT ao caso em apreço, tendo a reclamação sido entregue em 28/4/2000, a formação de acto tácito de indeferimento só ocorreria seis meses depois, ou seja, em 28/10/2000.
      3. Tendo a presente impugnação dado entrada em 24/10/2000, foi interposta em momento em que o acto jurídico a impugnar não tinha ainda ocorrido.
      4. Entende o recorrente não ser aplicável o normativo citado da LGT, mas sim os artigos 123° n° 1 al d) e 125 do CPT, onde está previsto um prazo de 90 dias para a formação de indeferimento tácito do acto de reclamação.
      4, A LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n° 398/98, de 17 de Dezembro, entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1999, estando nessa data em vigor o CPT.
      5. Tendo o DL 398/98 revogado inúmeros preceitos do CPT, no entanto, não revogou os citados artigos do CPT.
      6. Pelo que se deve entender que os mesmos se mantiverem em vigor durante o ano de 1999. (Cf. artigos 7 n° 2 e 3 do Código Civil.)
      7. O CPT veio a ser parcialmente revogado pelo n° 1 do Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, normativo que aprovou o CPPT. Por força do seu artigo 4° este Código entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, aplicando-se apenas aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir dessa data.
      8. Em 28 de Abril de 2000, altura em que deu entrada a reclamação graciosa, estava em vigor o CPT, por força do regime transitório do artigo 4° do Decreto-Lei n° 433/99.
      9. Ao definir o artigo 54 n°1 da LGT, no corpo do artigo, o procedimento tributário como compreendendo toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, deve entender-se que em relação aos actos reclamados, procedimento tributário, neste caso, iniciou-se anteriormente ao ano de 2000.
      10. Iniciou-se, mormente, com a fiscalização a que o impugnante foi sujeito e que resultou na notificação de 9 actos tributários adicionais, actos esses que contem a assinatura do director de serviços tributários, datada de 16/11/1999.
      11. Tendo o procedimento tributário se iniciado anteriormente a 1999, por força do artigo 4° do Decreto-Lei 433/99, pelas razões expendidas, aplicam-se o artigo 123° n° 1 e 125° do CPT, em detrimento do artigo 57° n°s 1 e 5 da LGT.
      12.Tendo a presente reclamação sido entregue a 28 de Abril de 2000 aplicando o artigo 125 do CPT, deu-se o indeferimento tácito no prazo de 90 dias, logo em 27 de Julho de 2000 (artigo 125° do CPT).
      13. Por força do artigo 123 n° 1 al. d) do CPT, o prazo de impugnação judicial terminaria em 27 de Outubro de 2000.
      14.Tendo a impugnação sido entregue em 24 de Outubro de 2000, por todo o exposto, foi entregue atempadamente, antes do fim do prazo de impugnação judicial.
      15.Por absurdo e sem conceder, mesmo que a impugnação tivesse dado entrada antes de formar indeferimento tácito, em 24 de Outubro de 2000, aplicando-se o artigo 57 n°s 1 e 5 da LGT, o indeferimento tácito deu-se 4 dias depois. Não produziu a Administração Fiscal até ao presente qualquer acto expresso de indeferimento. Pelo que, por força do princípio do aproveitamento dos actos praticados no processo devia o tribunal ter julgado a impugnação de fundo, não a julgando de forma improcedente”.

2 – Está em causa a questão de saber se à situação dos autos é aplicável o disposto nos artigos 57º da LGT e 102º, nº 1, alínea d) e 106º do CPPT ou, ao invés, as disposições constantes dos artigos 95º, 123º, nº1, alínea d) e 125º do CPT.

A questão é relevante porquanto, nos termos das disposições combinadas dos artigos 57º da LGT e 102º, alínea d) e 106º do CPPT, a presunção do indeferimento tácito da reclamação graciosa ocorre passados 6 meses após a apresentação desta sem que haja merecido da administração tributária qualquer tipo de pronúncia, enquanto que, no domínio do CPT, a presunção do indeferimento tácito se verificava passados 90 dias.

Afirmou a sentença recorrida que, na medida em que a reclamação graciosa, formulada em 28/04/2000, não mereceu, até à data da apresentação da impugnação judicial, em 24/10/2000, qualquer tipo de pronúncia por parte da competente autoridade da AF, a impugnação havia sido apresentada antes do momento da formação da presunção do indeferimento tácito.

Ao invés, entende a recorrente que in casu se aplica o disposto no CPT (artigos 123º, nº 1, alínea d) e 125º) que fixa em 90 dias o prazo de pronúncia da administração fiscal pelo que, tendo a reclamação sido apresentada em 24/04/2000, o indeferimento tácito ocorreu em 27/07/2000, terminando o prazo de impugnação judicial em 27/10/2000.

3 – Um dos requisitos essenciais para a formação do acto tácito de indeferimento é o de que a autoridade requerida tenha o dever legal de decidir a pretensão que lhe é dirigida.
Esse dever geral está hoje expressamente consagrado na lei fiscal (artigo 56º, n.º 1, da LGT).

Assim, porque a administração tributária tem o dever geral de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos, a impugnação judicial deve surgir na sequência dessa resposta negativa e ser exercida em determinado prazo.
Porém, para obviar a situações de injustiça decorrentes da inércia da administração tributária perante a reclamação graciosa, a lei dá ao contribuinte a possibilidade de levar o processo para tribunal sem o pronunciamento expresso da administração tributária, presumindo indeferida a reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial, se os órgãos competentes da administração fiscal sobre ela não se pronunciarem.

Todavia, o exercício daquela faculdade está sujeito ao prazo.

E bem se compreende que assim seja.

Por um lado, para evitar que um sujeito passivo a quem nunca fosse decidida a respectiva reclamação graciosa estivesse sempre em prazo para impugnar judicialmente, com o consequente protelamento da efectivação da sua responsabilidade perante o Fisco.
Por outro, porque há casos em que a administração fiscal não tem o dever de decisão; a partir do indeferimento tácito, a administração tributária só continua a ter a obrigação legal de decidir a reclamação graciosa se não estiver ultrapassado o prazo legal em que pode ser revisto o acto tributário (alínea b) do n.º 2 do artigo 56º da LGT).

Daí que, se o contribuinte deixar passar o prazo de impugnação com base no indeferimento tácito da reclamação graciosa, apenas terá direito a interpor a respectiva impugnação judicial com base no indeferimento expresso dessa mesma reclamação.

Ao contrário do entendimento aduzido pela recorrente, a apresentação de uma reclamação graciosa em 28 de Abril de 2000 está sujeita ao prazo fixado no artigo 57º da LGT.
Na verdade, a dedução dessa reclamação constitui, ela própria, o início do procedimento tributário. É a partir da apresentação desta que se inicia o prazo para a administração tributária se pronunciar, independentemente da data em que ocorreu a acção de fiscalização.

O prazo para apresentação da reclamação graciosa ou da impugnação judicial conta-se de acordo com as regras do artigo 279º do Código Civil, ou seja, é contínuo, correndo seguidamente, mesmo durante os sábados, domingos, dias feriados e férias.
A recorrente apresentou reclamação graciosa no dia 28/04/2000.
Não tendo sido objecto de decisão por parte da administração tributária, o acto tácito de indeferimento formou-se passados 6 meses da data da entrada da sobredita reclamação, ou seja, no dia 28/10/2000.
A atinente impugnação judicial deveria ser apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da data em que se formou o acto tácito de indeferimento da reclamação graciosa.
Tendo sido deduzida em 24/10/2000 ainda não tinha decorrido o pressuposto para tal.

Porém, salvo o devido respeito, a impugnação judicial não deveria, por esse facto, ter sido julgada improcedente.

Com efeito, não constando dos autos que a administração tributária tivesse proferido até à prolação da sentença recorrida acto expresso de indeferimento da reclamação e atento o princípio da verdade material consagrado no artigo 99º da LGT, por força do aproveitamento dos actos praticados no processo deveria o tribunal ter julgado a questão controvertida.

4 – Em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de que o recurso merece provimento.