Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:11/28/2006
Processo:01296/06
Nº Processo/TAF:107/99 TAF LEIRIA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:MÉTODOS INDICIÁRIOS
CUSTOS FISCAIS
Texto Integral:5

Excelentíssimos Senhor Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – A EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 422 a 432, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por C ...... , Lda, contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativa ao exercício do ano de 1994.
Alega, em síntese, que a decisão tomada pela administração tributária relativamente à determinação da matéria colectável através de métodos indiciários (hoje indirectos) “foi totalmente respeitadora da Lei” e que os custos referentes a viagens e promoção do Hotel A .... não devem ser aceites fiscalmente.

Em resumo, estão em causa duas questões: a primeira, a de saber se havia ou não fundamento para a determinação da matéria colectável por métodos indiciários; a segunda, a de apurar se determinadas despesas devem ou não ser aceites como custos fiscais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC.

2 - A tributação por métodos indiciários estava prevista na secção V do CIRC (artigos 51º a 56º). Assim, era admissível a fixação da matéria colectável por métodos indiciários sempre que inexistissem elementos de escrituração ou estes não fossem idóneos para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte.
Salvo o devido respeito, não existem, no caso dos autos, elementos que justificassem o recurso aos apontados métodos.
O nº 1 do artigo 76º do Código de Processo Tributário (CPT), vigente à data dos factos tributários, estabelece que o processo de liquidação se instaura com as declarações dos contribuintes.
Essas declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária gozam da presunção de veracidade, de acordo com o estatuído no nº 1 do artigo 32º da Lei 106/88, de 17 de Setembro (autorização legislativa do CIRS e CIRC): “a administração fiscal só poderá proceder à fixação dos rendimentos colectáveis quando o contribuinte não apresentar declaração ou quando os rendimentos declarados não corresponderem aos efectivos ou se afastarem dos presumidos na lei”; de igual modo, o artigo 78º do CPT apontava no mesmo sentido quanto ao valor probatório da escrita.
Hoje em dia, essas presunções legais de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à AF e dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal, constam do nº 1 do artigo 75º da LGT.

Conforme referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, 2000, a pág. 309, “Assim, nestes casos, se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de considerar-se verdadeiro”.

A jurisprudência aponta no mesmo sentido: “Cabe à Fazenda Pública, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou métodos indiciários e presuntivos, constantes do relatório dos serviços de fiscalização” (cfr. Ac do TCA, de 22/05/2001, processo 3216/00).

No caso dos autos, como já se disse, não foi feita prova da existência dos pressupostos de facto e de direito que levassem à correcção do lucro tributável por métodos indiciários.
A tributação por métodos indiciários decorre, para a Administração Fiscal, apenas do facto de a análise levada a efeito revelar “uma oscilação na Rentabilidade Fiscal, não havendo motivos que o possam justificar, dado que o modo como vem sendo exercida a actividade é semelhante todos os anos” e de o “ano de 1993 apresentar um valor correcto para o sector em que se encontra inserido e as condições de funcionamento nos anos seguintes se manterem inalteráveis (…)”.

Além de não ter sido demonstrada pela Administração Tributária a impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria colectável (artigo 51º do CPT), também a utilização de métodos indiciários não se encontra suficientemente justificada. A prova de que os resultados dos exercícios de 1994 e 1995 não foram inferiores ao do exercício de 1993 cabia à Fazenda Pública. E essa prova não foi feita.

Daí que, em nosso entender, e salvo o devido respeito, o recurso a tais métodos tenha sido indevido, devendo funcionar a presunção de veracidade da declaração apresentada pela impugnante.

3 – Relativamente à correcção de custos não aceites fiscalmente (despesas de viagens e promoção do Hotel A .... ) cumpre dizer o seguinte:
Nos termos do n.º 1 do artigo 23º do CIRC (sob a epígrafe “Custos ou perdas”), “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, (…)”, enumerando, de seguida, exemplificativamente, alguns dos custos que devem ser considerados; acresce ainda que, para serem fiscalmente atendíveis, os custos devem ser comprovados por documentos válidos, conforme dispunha o artigo 41º, nº 1, alínea h) do CIRC (actualmente, artigo 42º, nº 1, alínea g)).

A limitação à dedutibilidade de determinados custos prende-se com razões de vária ordem, nomeadamente, com exigências formais e de segurança jurídica, maxime o combate à fraude e evasão fiscal e deriva do princípio fundamental de contabilidade de que todo o registo contabilístico deve ter apoio num documento adequado. Em princípio um documento externo.
Ao exigir o suporte documental e o registo contabilístico da operação, e ao limitar-se a dedutibilidade, o legislador está no fundo a controlar o cumprimento de obrigações fiscais, que decorrem, nomeadamente, dos artigos 17º, nº 3 e 98º do CIRC, do artigo 32º do Código Comercial, do POC e dos princípios constitucionais que impõem que a tributação das empresas incida sobre o rendimento real e efectivo, o qual será apurado de acordo com a declaração do contribuinte, observados que sejam, entre outras, as regras relativas à documentação dos custos e dos proveitos.
Como refere Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária – deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, Lisboa 2000, 2ª edição, págs. 242, ao referir-se ao princípio da documentação regulado no artigo 32º do Código Comercial e concretizado no artigo 98º do CIRC: “O princípio da documentação vai dar origem ao dever que impende sobre todos aqueles que têm uma actividade empresarial – pessoas colectivas ou comerciantes em nome individual – de registarem de forma tendencialmente indelével, todos os acontecimentos comerciais: os movimentos financeiros de concessão de crédito ou contracção de empréstimos, todas as saídas ou entradas de mercadorias, todos os pagamentos ou recebimentos realizados pela empresa, criando-se assim uma base clara e segura para a prestação de contas. E permitindo desta forma, registar todas as relações patrimoniais em que participa a empresa”.

Conforme se diz no Ac. do TCA, de 23/09/2003, processo 3893/00, “não pode admitir-se como custo fiscal um custo relativamente ao qual inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou que este documento se revele insuficiente, a menos que seja feita a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante, por qualquer meio de prova, competindo, em sede contenciosa, ao juiz a apreciação crítica dessa prova. Ou seja, em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, nem sequer preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio.
Neste sentido, vide TOMÁS DE CASTRO TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal nº 396, págs. 125-126 … “Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formalIdem, pág. 167.”.
A prova necessária para essa demonstração deve assim explicitar “de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção”, como refere o mesmo autor, na obra citada a pág. 123.

No caso dos autos, ao contrário do alegado pela impugnante, não foi dado como provado que “as viagens estavam relacionadas com feiras de turismo e outras iniciativas”, ou que tais despesas se reportavam a relações patrimoniais em que a impugnante tivesse participado. Por outro lado, a impugnante nenhuma prova fez da ocorrência dos custos em causa.
Assim sendo, bem andou a Administração Fiscal ao não aceitar como custos fiscais do exercício de 1994 as importâncias em causa.

4 – Em face do exposto, emito parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, excepto no que respeita à correcção de custos não aceites fiscalmente.