Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:12/11/2006
Processo:01475/06
Nº Processo/TAF:12/03 e 22/03 do TAF FUNCHAL
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:TAXAS DA ZONA FRANCA DA MADEIRA
Texto Integral:7

Excelentíssimos Senhor Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – P .................... , S.A, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 203 a 219, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou improcedentes as impugnações, mantendo, em consequência, os actos administrativo-tributários impugnados.

As impugnações em causa diziam respeito às seguintes liquidações:
No Proc. 12/03, à liquidação comunicada pela “S ..... , SA” da taxa anual de funcionamento na Zona Franca da madeira, constante da factura nº 023748, de 01/10/2002, referente ao período de Outubro a Dezembro de 2002, com 50% de desconto, no montante de € 31 025,00;

No Proc. 22/03, à liquidação efectuada, em 08/01/2003, pela mesma “S ...., SA” das taxas anuais de funcionamento na Zona franca da Madeira pelo prazo de 5 anos, ao abrigo do artigo 8º do regulamento constante do DRR 21/87/M e dos artigos 1º e 3º da Portaria 222/99, de 28 de Dezembro, do governo Regional (in JORAM, I, nº 140), no montante de € 1 046 039,06.

2 – As referidas taxas vêm na sequência do pedido dirigido ao Secretário Regional do Plano e Coordenação e à S .... , SA, (Concessionária para a Implantação e Exploração da ZONA FRNACA DA MADEIRA) para se instalar na Zona Franca Industrial da Madeira “ao abrigo do artigo 17º do regulamento constante do DDR 21/17/M”.
Esse pedido de instalação foi acompanhado de um cheque, no valor de 750 dólares americanos, nos termos do nº 1 do ANEXO II Taxas, do citado Decreto Regulamentar Regional 21/87/M e veio a ser deferido, por despacho de 29/12/99, (ou 30/12/99? - 65).
Na sequência da concedida licença de instalação, foi comunicado à impugnante que, de acordo com o disposto no artigo 15 do Anexo I do DDR 21/87/M, “a execução dos actos de construção licenciados à P ...... deverá acontecer no período de um ano após a data de notificação da aludida licença”, devendo, consequentemente, a impugnante “proceder à entrega, na S......, de requerimento endereçado ao Secretário Regional do Plano e Finanças, solicitando a prorrogação do prazo de execução dos actos de construção por mais um ano ou por período superior caso exista motivo atendível (…)”.
Em 15 de Junho de 2001, a impugnante, dando cumprimento ao solicitado, dirigiu-se ao Senhor secretário Regional do Plano e Finanças do Governo Regional da Madeira, iniciando-o da seguinte forma: “Esta sociedade, oportunamente, requereu e obteve, a 29 de Dezembro de 1999, o seu licenciamento para operar na Zona Franca Industrial” e concluindo-o como segue: “se tudo se processar segundo o previsto ainda necessitamos, aproximadamente, de 18 meses para realizar a transferência (…)” (negrito nosso).
Essa prorrogação de prazo veio a ser deferida, por despacho de 2 de Agosto de 2001, comunicado à impugnante através do ofício recebido em 4 de Julho.
Entretanto, em 10 de Agosto de 2001, a impugnante iniciou o processo de instalação, apresentando o projecto de licenciamento de arquitectura do complexo industrial, a construir na Plataforma 41 do parque industrial da Zona Franca Industrial
Em 4 de Novembro de 2002, já depois de ter recebido a notificação para efectuar o pagamento da taxa objecto da impugnação 12/03, a impugnante enviou à S ..... a carta junta a fls. 145, onde informava que “após a realização de diversos estudos, viu-se esta sociedade constrangida a desistir do projecto de instalar o seu complexo industrial na Z.F.I., por razões económicas, financeiras e operacionais”, enviando, em anexo, requerimento dirigido ao Senhor Secretário Regional do Plano e Finanças para que “se digne ordenar o efectivo cancelamento de todo o referido processo de licenciamento” (cfr. fls. 147).
Em resposta aos pedidos acima indicados, a Secretaria Regional do Plano e Finanças comunicou à impugnante, em 2 de Outubro de 2002, a aceitação do pedido de desistência de instalação na ZFI, obrigando-a, no entanto, “ao pagamento das taxas devidas pelo prazo de 5 anos quando se verifica a interrupção da instalação, funcionamento ou exercício da actividade (…)” (fls. 148).

3 – Diz o artigo 17º do regulamento constante do DDR 21/87/M:
“1 – O pedido de licença para a instalação e funcionamento de unidades industriais será formulado em requerimento dirigido ao Secretário Regional do Plano, acompanhado de memória descritiva e justificativa, e deverá conter:
a) Nome ou denominação social e domicílio ou sede do requerente;
(…)
i) Elementos sobre instalação para tratamentos de efluentes, quando necessárias.
2 – O pedido de licença será apresentado, em duplicado, na concessionária, que remeterá imediatamente o original ao Gabinete da Zona Franca da Madeira.
(…)”.

A impugnante cumpriu integralmente as regras impostas para a sua instalação na Zona Franca Industrial da Madeira, pagando, até, a importância devida pelo “pedido de emissão de licença de instalação” (nº 1 do Anexo II), no montante de 750 dólares americanos. Dada a “dimensão do empreendimento e a sua previsível complexidade” foi sugerida pela concessionária e aceite pela impugnante a prorrogação do prazo (por mais 18 meses) para a referida instalação. Daí que só por dificuldades económicas, ou outras, se possa aceitar que venha agora defender que o pedido inicial se reportava apenas a uma “autorização prévia”.
Porém, mais grave ainda é vir dizer agora que aquando do pedido de prorrogação do prazo para se instalar na Zona Franca Industrial esse prazo já havia caducado e que a concedida prorrogação, por 18 meses (que, entretanto, a impugnante havia requerido), configuraria uma acto nulo, por tal prorrogação não poder ultrapassar o prazo de 12 meses.
Lê-se com surpresa e alguma indignação, restando-nos sérias dúvidas se tais afirmações não deveriam merecer a censura da impugnante como litigante de má-fé.

4 – Decorre da matéria fáctica dada como provada, embora não expressamente, que a impugnante nunca chegou a instalar-se, nem funcionou, nem, consequentemente, exerceu qualquer actividade na Zona Franca Industrial da Madeira.
Ora, a liquidação de 8/01/2003, do Proc. Nº 22/03, reporta-se a “taxas anuais de funcionamento na Zona Franca da Madeira” pelo prazo de 5 anos, ao abrigo do artigo 8º do Regulamento constante do DDR 21/87/M.

Diz esta disposição:
“1 – O prazo mínimo para a instalação, funcionamento e exercício das actividades pelas entidades que pretendam operar com instalações físicas na área geograficamente delimitada no Caniçal é de cinco anos, o qual poderá ser prorrogado por períodos mínimos de dois anos, a pedido dos interessados, efectuado com uma antecedência mínima de seis meses em relação ao termo do prazo inicial ou de cada uma das prorrogações.
2 – Em caso de interrupção total e definitiva do exercício da actividade pelo utente antes do fim do prazo licenciado ou das prorrogações, a concessionária terá direito a receber todas as taxas devidas pela totalidade desse prazo ou das suas renovações se já concedidas, nos termos dos artigos 9º, 10º e 11º deste Regulamento”.

A propósito da distinção entre taxa e imposto e das características típicas, aceites pela doutrina e jurisprudência, da taxa, e pelo enquadramento das receitas em causa nessa categoria tributária, discorreu doutamente o Mº Juiz “a quo”.
Aliás, pode dizer-se que o traço distintivo entre taxa e imposto é pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Segundo elas, o imposto tem carácter unilateral enquanto a taxa tem natureza bilateral ou sinalagmática: à exigência do imposto não está directamente contraposta qualquer utilização dos bens ou serviços públicos, embora ele se destine a satisfazer os encargos que advêm da sua prestação à Comunidade Política; a taxa tem sempre como causa a prestação de qualquer serviço ou utilização de bens semi-públicos, representando a contraprestação por essa utilização (Cfr., entre outros, Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, 1974, pp 42 e sgs; Soares Martins, Manual de Direito Fiscal, 1983, pp 35 e sgs; Maria Margarida Palha, "Sobre o conceito jurídico de taxa", Estudos, II, Centro de Estudos Fiscais, 1983, pp 372; Sousa Franco, Direito Financeiro e Finanças Públicas, vol. II, 1982, pp 247 e sgs e ainda o Ac. do TC n.º 640/95, sobre o caso das portagens na ponte 25 de Abril, de 95.11.15, in DR, II Série, de 96.01.20, onde é citada abundante jurisprudência e doutrina).
Mas a existência desse nexo sinalagmático não postula que tenha de haver forçosamente um exacto equilíbrio entre o valor económico de ambas as prestações, até porque nem sempre os bens utilizados são susceptíveis de ser aferidos segundo um valor económico preciso, como se passa, por exemplo, nas taxas devidas pela remoção de obstáculos jurídicos ao uso ou utilização de bens ou exercício de actividades.
A sinalagmaticidade pressuposta pela taxa basta-se com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações.
Ou seja, tanto a doutrina como a jurisprudência fundam o carácter sinalagmático das taxas “na equivalência jurídica”, não na “equivalência económica”.
Assim, no caso dos autos, as receitas em causa deveriam ser qualificadas como taxas e não como impostos.

A importância constante da liquidação da taxa anual de funcionamento na Zona Franca da Madeira constante da factura nº 023748, de 01/10/2002, no montante de € 31 025,00, refere-se ao período de Outubro a Dezembro de 2002.
É certo que a impugnante nunca chegou a instalar-se, nem funcionou, nem, consequentemente, exerceu qualquer actividade na Zona Franca Industrial da Madeira.
Porém, tal já não depende da concessionária.
Como se refere na sentença, “está em causa a utilização de um bem da RAM (a ZFM Industrial (…), pela qual, com prévia autorização do Governo, o particular tem de pagar uma contrapartida fixada normativamente em DDR pelo Governo regional. É irrelevante que o pagamento tenha de ser feito, por imposição da RAM, a um concessionário, como se passa no caso presente”.
Se a impugnante, por quaisquer razões que ao caso não importam, não chegou a instalar-se foi porque não quis, uma vez que o espaço para tal efeito lhe foi disponibilizado pela concessionária.

Existiria, pois, uma contraprestação.

Já no que respeita à liquidação de 08/01/2003 a situação é diferente.
Por força do disposto no nº 1 do artigo 8º do Regulamento constante do DDR 21/87/M, o prazo mínimo para a instalação, funcionamento e exercício das actividades pelas entidades que pretendam operar com instalações físicas na área geograficamente delimitada no Caniçal é de cinco anos.
E, por força do nº 2, “em caso de interrupção total e definitiva do exercício da actividade pelo utente antes do fim do prazo licenciado ou das prorrogações, a concessionária terá direito a receber todas as taxas devidas pela totalidade desse prazo ou das suas renovações se já concedidas, nos termos dos artigos 9º, 10º e 11º deste Regulamento”.
O fundamento que preside à exigência desta importância é a desistência da impugnante em se instalar na ZFI.
Daqui decorre, necessariamente, que a cobrança das receitas em causa não seja a contraprestação da utilização de um bem da RAM, mas antes a cominação pela desistência da instalação. As referidas receitas, não se destinando ao pagamento do serviço prestado, não podem caracterizar-se como taxas, mas antes como “sanção”.
Assim sendo, não estamos, nesta parte, em presença de dívida tributária.

O conhecimento da aludida questão escapa, assim, à competência dos tribunais tributários, por força do disposto no artigo 49º do ETAF.

5 - Em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso relativo à liquidação referente ao Processo 12/03 e de ser declarada a incompetência deste TCA Sul, em razão da matéria, para se pronunciar sobre a questão de que versa o Processo 22/03.