Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:06/04/2007
Processo:01838/07
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA
PROPOSTA DE COMPRA NÃO ASSINADA PELA PROPONENTE
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – L ….. e mulher, M ….. vieram interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 106 a 114, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, apenas na parte em que foi julgada improcedente a anulação de venda por não se verificar a nulidade invocada.

Após alegações, os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões:
1) “0 Tribunal a quo fez uma interpretação errónea do disposto nos artigos 373° e 220° do Código Civil, na medida que sustentou a improcedência do pedido de anulação de venda apresentada pelos Recorrentes no facto de o art. 373° do Código Civil, que considera a essencialidade da assinatura nos documentos particulares, como sendo uma disposição referente apenas a "meios probatórias" e, portanto, permitir a livre apreciação da falta de requisitos da proposta, nos termos do art. 366° do Código Civil.
2) A Decisão recorrida ê contraditória quanto aos seus fundamentos, na medida em que, por um lado se afirma que a proposta em apreço não se encontra viciada e, por outro, se adite que a mesma continha uma irregularidade, posteriormente sanada pela proponente.
3) Em qualquer caso, não procede a interpretação de que a falta de assinatura da proposta contratual gera uma mera irregularidade - sanável - uma vez que o artigo 220° do Código Civil é cristalino ao dispor que a falta de assinatura gera nulidade.
4) Nos termos conjugados dos artigos 220° e 273° do Código Civil, não é admissível aceitar a validade dos documentos particulares que não contenham a assinatura do seu autor, que são, portanto, nulos, não constituindo tais documentos meio probatórios válidos, uma vez que não produzem quaisquer efeitos.
5) A exigência da assinatura nas propostas a apresentar em sede de venda judicial destina-se a garantir - por força da transparência que o legislador quis imprimir a estes procedimentos, não raras vezes viciados de ajustamentos entre interessados - que cada pessoa apresenta uma só proposta e que o faz pessoalmente, razão pela qual não é admitida a gestão de negócios neste tipo de proposta e porque é exigida a assinatura das propostas apresentadas.
6) A assinatura é o único elemento identificativo que permite determinar que a proposta foi apresentada pelo proponente, e não por qualquer gestor de negócios.
7) Face ao exposto, verifica-se que a Sentença recorrida não fez uma correcta interpretação do disposto nos arts. 366° e 373° do Código Civil e, erroneamente, não aplicou o art. 220° do Código Civil e os arts. 201° e 909°, n.° 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
8) Ao não ter aplicado correctamente as normas sobre a essencialidade da assinatura nos documentos particulares, o Tribunal a quo violou, entre outros normativos, o disposto nos art. 366° e 373°, ambos do Código Civil, situação que se colmatar com o presente Recurso”.

2 – A questão essencial é a de saber se constitui nulidade geradora da invalidade da venda a apresentação de uma proposta de compra sem estar assinada pela proponente.
Do probatório resultou que foi realizada a venda judicial por propostas em carta fechada, tendo o bem imóvel penhorado sido adjudicado a G ….. que apresentou, em 23 de Abril de 1996, uma proposta de compra, não assinada, mas que continha os seus elementos de identificação (nome, morada, número de contribuinte, número do bilhete de identidade) e ainda o número do processo de execução fiscal e o valor da proposta.

3 – Antes da publicação do DL 369/88, de 17 de Outubro, a venda de bens penhorados fazia-se, em princípio, por arrematação em hasta pública; a partir deste diploma, aquela modalidade de venda foi afastada, passando a ser apenas permitida a venda por propostas em carta fechada.
A explicação para esta mudança é-nos dada no preâmbulo do referido diploma, que refere:
“As alterações introduzidas (…) visam eleger a venda de bens por meio de proposta em carta fechada como a única modalidade de venda judicial de bens penhorados, tendo subjacente uma longa e negativa experiência, que o regime de venda por arrematação tem revelado.
Com efeito, a venda por arrematação tem subvertido os fins visados pela lei, gerando situações de duvidosa legalidade e lesivas dos interesses da Fazenda Nacional, dos executados e dos credores, que põem em causa o princípio da igualdade de acesso à aquisição dos bens penhorados através de venda judicial.
(…)”.

O CPT acolheu inicialmente este ponto de vista, só passando a ser admitidas novamente no âmbito da execução fiscal todas as modalidades da venda judicial e extrajudicial reguladas no CPC com a alteração dada ao artigo 322º do CPT pelo DL 47/95, de 10 de Março.

A anulação da venda, nos termos do artigo 201º do CPC, depende de ter ocorrido relativamente ao acto da venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, desde que a irregularidade possa ter influência na venda.
Nos termos da alínea a) do artigo 327º do CPT, os magistrados e os funcionários da DGCI não podem ser proponentes, por si ou por interposta pessoa.
Logo, se alguma dessas pessoas tiver apresentado uma proposta, ela terá de ser rejeitada.
Ora, uma proposta não assinada pode ser apresentada por qualquer pessoa, incluindo uma daquelas que a lei proíbe de ser proponente, podendo, assim, gerar situações de duvidosa legalidade e lesivas dos interesses da Fazenda Nacional, dos executados e dos credores, que põem em causa o princípio da igualdade de acesso à aquisição dos bens penhorados através de venda judicial.

De qualquer modo, a proposta apenas vincula o proponente se estiver assinada. A falta de assinatura equivale à inexistência de proposta.
Daí que a proposta apresentada por G ….. devesse ter sido rejeitada, o que poderia até conduzir, a verificarem-se os pressupostos indicados no nº 3 do artigo 326º do CPT, a que o chefe da repartição de finanças adquirisse o bem imóvel por parte da Fazenda Pública.
Por isso, ao não rejeitar a proposta, o chefe de repartição de finanças cometeu uma irregularidade susceptível de influenciar a venda.
Por estas razões, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 201º, nº 1, e 909º, nº 1, alínea c), ambos do CPC, entendemos que a venda efectuada deve ser anulada.

4 - Pelo exposto, emito parecer no sentido de que o recurso merece provimento.