Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:Tributário
Data:06/28/2005
Processo:60697/91
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Magistrado:Francisco M. Guerra
Descritores:COMITÉ DA NOMENCLATURA
REENVIO PREJUDICIAL
PHARMAMEDIA
NATUREZA DA MERCADORIA
POSIÇÃO PAUTAL
Texto Integral:Rec.conten. - 60697-91
Parecer nº 080/05

Parecem-nos pertinentes as seguintes questões:
1- Impossibilidade de consulta do Comité da Nomenclatura;
2- Prescrição;
3- Questões a resolver:
a) de facto;
b) de direito;
4- Reenvio prejudicial.
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1. Impossibilidade de consulta do Comité da Nomenclatura
No acórdão do STA a fls.120v. decidiu-se que “o tribunal a quo (este tribunal) não apurou a verdade do deste facto (...), quando importava ir mais além, estabelecendo se o produto em causa foi obtido da moagem da semente integral, se apenas do embrião” sugerindo depois, que “a consulta ao Comité de Nomenclatura apresenta-se como uma diligência capaz de fazer luz sobre o thema decidendum”.
Apesar das inúmeras diligências efectuadas por este tribunal, não foi possível proceder à consulta daquele Comité e, permitindo-nos discordar da sugestão daquele alto tribunal, nem sequer tal consulta era viável pelas seguintes razões:
a. natureza do Comité:
O Comité da Nomenclatura a que se referem o artigo 8º do Regulamento 2658/87 do Conselho de 23 de Julho de 1987, e o artigo 247º do Código Aduaneiro Comunitário
pode examinar qualquer questão apresentada pelo seu presidente, quer por iniciativa deste, quer a pedido do representante de um Estado-membro:
a) Relativa à Nomenclatura Combinada;
b) Relativa à nomenclatura da Taric e a qualquer outra nomenclatura que utilize a Nomenclatura Combinada, total ou parcialmente, ou eventualmente acrescida de subdivisões, e que seja estabelecida por disposições comunitárias específicas visando a aplicação de medidas pautais ou outras no âmbito das trocas de mercadorias.”
Isto é, este Comité é um organismo consultivo interno da administração comunitária e que, tal como se refere a fls. 188 “tem por funções, segundo os procedimentos da comitologia, assistir a Comissão na tomada de decisões”.
Os seus pareceres não têm, pois, qualquer valor vinculativo ou interpretativo, nomeadamente para os tribunais. [1: Note-se, aliás, o que acontece a nível nacional: os pareceres dos inúmeros organismos consultivos não têm poder vinculativo. Apenas os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República são, em determinadas circunstâncias, vinculativos para a Administração, mas, mesmo esses, nunca para os tribunais. ]
b. a natureza da consulta
Mas, ainda que o Comité fosse competente para a referida consulta, não poderia responder à questão que o STA pretendia.
Com efeito, os organismos consultivos não apreciam matéria de facto, mas, fixada esta, quando muito, dão parecer sobre o seu enquadramento jurídico.
Ora, o que se refere no acórdão é que é necessário apurar “se o produto em causa foi obtido da moagem da semente integral, se apenas do embrião”. A resposta a tal questão está, logicamente fora do alcance de qualquer organismo consultivo. Apenas poderia ser respondido por um laboratório que analisasse o produto em causa e conhecesse o respectivo método de fabrico.
Tal não é, a nosso ver, a competência de um organismo consultivo como o referido Comité.
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2. Prescriç o
A fls. 159 e seg. levantou a recorrente a questão da eventual prescrição da dívida.
Subscrevemos inteiramente o que se refere a fls. 182 (sob os nos 9 e seg.) sobre essa questão.
Com efeito, este processo é um “recurso contencioso” de anulação de um acto administrativo.
Nesse acto não existe qualquer liquidação, isto é, por efeito desse acto não existe qualquer dívida.
Não se discutindo neste processo qualquer dívida, não pode falar-se em prescrição da mesma.
Note-se, aliás, que ainda que se entendesse o contrário e se considerasse como relacionadas com este processo as verbas referidas ao alto de fls. 179, apenas se poderiam considerar prescritas as relativas a “direitos aduaneiros nacionais”, por dizerem respeito a “impostos abolidos” e não às restantes (IVA, emolumentos e imposto de selo) já que as mesmas não entram na previsão do artigo 5º do Decreto-Lei 398/98. Por esse motivo, ainda que se entendesse que neste processo se poderia conhecer de tal matéria, sempre este processo teria de prosseguir.

3. Quest es a resolver:
a. de facto
A primeira questão a resolver é a de saber qual é, de facto, a natureza da mercadoria que foi presente à Alfândega.
A recorrente diz na sua petição (nº 19º) que se trata de “um bagaço ou “farinha de semente de algodão”, produto que resulta da trituração do gérmen (embrião) da amêndoa da semente do algodão, depois desta sofrer extracção do óleo que contém” sendo que (nº 21º) “à mercadoria em causa foi extraída a totalidade do óleo extractável”, e que (nº 23º) “os bagaços em regra retêm uma parte residual de óleo ou gordura, que oscila em torno dos 5%, mas que pode descer até 2%, conforme a extracção tenha sido feita por pressão (prensagem) ou por solvente”.
A recorrente declarou à Alfândega tratar-se de uma “farinha de semente de algodão” designada comercialmente por “pharmamedia” ou “cottonseed flor [2: Tradução: farinha de semente de algodão]”.
Por seu lado, no acórdão do Tribunal Técnico de 2ª Instância, foi considerado o produto como sendo “uma farinha muito fina e homogénea, de cor amarela, designada comercialmente por pharmamedia”,obtida da amêndoa da semente de algodão” e que “conforme análise efectuada no laboratório a uma amostra oportunamente extraída, foi determinada uma percentagem de 5,6% de óleo em relação ao produto seco”; daí conclui esta entidade tratar-se de um produto a que, de acordo com a literatura técnica apresentada pela importadora, “o óleo foi apenas extraído parcialmente”.
Dos documentos juntos aos autos constam análises feitas por um laboratório de Nova York (fls. 24 e seg.) a outros lotes da mercadoria “SACKED PHARMAMEDIA” em que os teores de óleo variam entre os 3,86% (fls.28) e os 5,06% (fls. 27). Assim, aquela percentagem de 5,6% constante da análise efectuada pelo laboratório da Alfândega, se bem que ligeiramente superior encontra-se próxima dos parâmetros das restantes.
Em face desses elementos, parece-nos, pode este tribunal determinar qual é a natureza da mercadoria.
Note-se que, em face desses elementos, sem faltar ao respeito devido ao STA, nos parece despropositado mandar ampliar a matéria de facto para se saber se se trata de “moagem de semente integral ou apenas da do embrião”. É que, para além desse facto nada influir na classificação pautal, não existe qualquer discrepância entre o que referiu o Tribunal Técnico de 2ª Instância e o que diz a recorrente. O tribunal diz que se trata de farinha procedente da moagem da “amêndoa da semente do algodão” e a recorrente diz tratar-se de moagem de “germen da semente de algodão”. Ora como se pode ver pelo literatura do processo apenso, trata-se da mesma realidade e são ambos a tradução do termo inglês embryo a que correspodem, precisamente, em português, os termos gérmen ou amêndoa.
Somos, pois, de parecer que deve ser descrita a mercadoria como tratando-se de:
- uma farinha fina, de cor amarela;
- obtida da amêndoa ou gérmen (embryo em inglês) da semente do algodão;
- com um teor de óleo de 5,6%;
- com a denominação comercial de “Pharmamedia”.

b. de direito
A questão a decidir, uma vez conhecida a natureza da mercadoria, é a de saber em que posição pautal deve ser enquadrada: se na posição 2306 90 00 0 00 000 como pretende a recorrente, ou se na posição 1208 90 00 0 00 000 como defende a Administração Aduaneira e foi decidido pelo Tribunal Técnico de 2ª Instância.
A posição 1208.90 “compreende as farinhas, mais ou menos finas, a que não tenha sido extraído total ou parcialmente o óleo, obtido por trituração das sementes ou frutos oleaginosos das posições 12.01 a 12.07. Compreende igualmente as farinhas a que tenha sido extraído o óleo e às quais tenham sido adicionados, total ou parcialmente os seus óleos originais. (...) Excluem-se da presente posição: (...) c) as farinhas (de sementes ou frutos oleaginosos, com exclusão da mostarda) a que tenha sido extraído o óleo (posições 23.04 a 23.06)”.
Por seu lado a posição 2306.90 “compreende os bagaços (tortas) e outros resíduos sólidos, excluídos os das posições 23.04 e 23.05, provenientes da extracção por prensagem, por meio de solventes ou por configuração do óleo contido nas sementes, nos frutos oleaginosos ou nos germes de cereais. (...) Os resíduos desta posição podem apresentar-se em pães achatados, grumos ou sob a forma de farinha grossa ou em “pellets”.”
Nas notas ao Capítulo correspondente a estas posição refere-se que “a posição 12.08 compreende as farinhas de que não tenham sido extraídos os óleos, as farinhas de que estes tenham sido parcialmente extraídos (...).
Atenta a descrição da mercadoria feita supra, vejamos, pois, em qual das posições deve ser enquadrada.
Abstraindo da forma por que a mercadoria se apresenta, já que os conceitos de farinha fina ou farinha grossa são relativamente indeterminados e é admissível, como refere a recorrente na petição que o produto tenha sido sujeito a uma operação especial de “redução a pó”, parece-nos que determinante é o teor de óleo que o produto apresenta.
Considerando que o gérmen de semente de algodão contém, normalmente, um teor de óleo da ordem dos 29,6% (V. Petição inicial nº 3º e documentação junta no processo apenso), o facto de a mercadoria apresentar apenas 5,6% indica claramente – o que aliás é admitido pelas partes – que se verificou extracção de óleo.
Assim, tendo havido extracção de óleo, a mercadoria será incluída na posição 23.06.90 se se considerar como extracção total, ou na posição 12.08 se se considerar como extracção parcial.
Ora, no acórdão do Tribunal Técnico de 2ª Instância (fls. 82 in fine do apenso), decidiu-se que tal extracção era parcial “ao nível normalmente obtido pelo método de prensagem, nível este que com extracção por solvente (...)pode baixar a 0,5 - 1% (cf. MacGraw-Hill Encyclopedia of Sciences and Technology - 5 vol. pág. 201) ou mesmo a menos de 0,5% (Encyclopedie Internationale des Sciences et des Technologies - 6 vol. pg 699)”. Aliás a recorrente refere que utilizando esta técnica (por solvente) se pode alcançar 2%.
Temos, pois, que pelo método de prensagem se obtêm produtos com um teor de óleo semelhante ao da mercadoria dos autos e pelo método de solvente esse teor baixará para 2%,1%, 0,5% ou mesmo menos.
Uma vez que a posição pautal é independente do método utilizado, parece-nos que só se pode considerar como extracção “total” aquela em que o teor de óleos se situe pelo menos ao nível do conseguido com o método de solvente.
Consequentemente, sendo o teor de óleo superior, há que considerar que se verificou apenas uma extracção parcial, pelo que a mercadoria não pode ser enquadrada na posição pretendida pela recorrente.

4. Reenvio prejudicial
Em face do que referimos supra não nos parece restarem dúvidas quanto ao enquadramento pautal da mercadoria a que os autos se reportam.
No entanto, se ainda subsistirem dúvidas ao tribunal, pode este tribunal, desde já, facultativamente, solicitar parecer ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 234 segundo parágrafo do Tratado da União, sem prejuízo de esse mesmo parecer vir a ser solicitado, posteriormente, em caso de recurso para o STA, nos termos do terceiro parágrafo do mesmo artigo.
Para o caso de este tribunal optar pelo reenvio desde já, sugerimos que a consulta se faça nos seguintes termos:
“A mercadoria com a denominação comercial Pharmamedia é uma farinha fina obtida a partir de gérmen de semente de algodão com um teor de óleo de 5,6%;
A Administração Aduaneira, considerando que em tal mercadoria se verificou extracção parcial dos óleos, enquadra-a na posição pautal 1208 90 00 0 00 000;
A importadora Cipan - Companhia Internacional Produtora de Antibióticos, SA considera que tal teor de óleo corresponde à extracção total dos óleos pelo que enquadra a mercadoria na posição pautal 2306 90 00 0 00 000.
Considerando que pelo método de prensagem se obtêm bagaços daquele produto com teores de óleo entre 3,86% e aquele valor de 5,6% e que por meio de solventes esse teor pode baixar para cerca de 0,5%,;
Considerando que a posição 2306 90 00 0 00 000 compreende os bagaços (tortas) e outros resíduos sólidos, excluídos os das posições 23.04 e 23.05, provenientes da extracção por prensagem, por meio de solventes ou por configuração do óleo contido nas sementes, nos frutos oleaginosos ou nos germes de cereais.
Solicita-se ao Tribunal de Justiça se pronuncie sobre se:
a) a expressão “extracção do óleo contido nas sementes” da posição pautal 2306 90 00 0 00 000 só configura a extracção total do óleo ou admite que subsista algum óleo residual;
b) na segunda hipótese, o teor de óleo residual admissível é dependente do método utilizado (prensagem, por meio de solventes ou por configuração) ou deve atender-se ao método mais eficaz tecnicamente;
c) um valor de óleo residual de 5,6% em farinha de gérmen de semente de algodão obsta ao enquadramento da mercadoria na posição pautal 2306 90 00 0 00 000.”
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Somos, pois, de parecer que não se pode conhecer, neste processo, da prescrição de qualquer dívida já que nenhuma é objecto do mesmo; deve ser julgado o recurso improcedente. Caso, porém, subsistam dúvidas pode este tribunal, facultativamente, solicitar ao Tribunal de Justiça se pronuncie.

Lisboa, 28 de Junho de 2005
O Procurador-Geral Adjunto
(Francisco M. Guerra)