Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:03/09/2007
Processo:01678/07
Nº Processo/TAF:1940/06.9BELSB
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:SISA
BENS DE FORTUNA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
VALOR DE AQUISIÇÃO
Data do Acordão:03/20/2007
Disponível na JTCA:SIM
Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – M ….. veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 202 a 215, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou improcedente o recurso que havia interposto do despacho, de 18/05/2006, do Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, substituto legal do Senhor Director-Geral dos Impostos que lhe fixou, por métodos indirectos, ao abrigo do disposto no artigo 89º-A da LGT, o rendimento tributável de € 79 807,66, a enquadrar na categoria G de IRS do ano de 2002.

Após alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

· “A recorrente pagou parte do preço da fracção autónoma objecto da manifestação de fortuna em 2001.

· A recorrente pagou a segunda parte do preço da fracção autónoma objecto da manifestação de fortuna em 2002.

· A verificada inversão do ónus da prova da veracidade dos rendimentos declarados no ano 2002, opera relativamente ao ano civil de 2002.

· Não podendo ser ignorado o facto de apenas parte do preço do bem imóvel em causa, ter sido pago em 2002 e o remanescente em 2001.

· Nesta senda, basta ao contribuinte demonstrar que os meios utilizados para pagar a segunda parte do preço, de forma a permitir a aquisição das manifestações de fortuna em causa, não estavam sujeitos a declaração nesse ano (2002).

· A recorrente fez demonstração exaustiva sobre a origem dos meios necessários à 2° prestação do preço cumprida em 2002, para a aquisição escriturada no ano de 2002,

· Não tendo, por conseguinte, qualquer fundamento legal o recurso pretendido à avaliação indirecta da matéria colectável, razão pela qual deverá a decisão ser revogada.

· Ainda que assim se não entendesse no que não se concede e se admite por mera cautela de patrocínio,

· A recorrente fez a demonstração mediante a junção/exibição de documentos, concludente e possível atentas as circunstâncias do caso concreto, que justificam a fonte dos capitais alegados, obtidos entre 1990 e 995, rendimentos estes a cuja declaração não estava obriga.

· Documentos estes, cuja veracidade não foi posta em causa, sendo certo que não está legalmente obrigada a guardar por mais de dez anos qualquer documentação com relevância fiscal - admitindo que aqueles juntos não fossem suficientes, o que não se concede -.

· Não tendo, neste sentido igualmente, qualquer fundamento legal o recurso pretendido à avaliação indirecta da matéria colectável, razão pela qual deverá a decisão ser revogada.

· Por outro lado e sem prescindir, a falta de junção à notificação efectuada à recorrente do parecer 75/2005 do Centro de Estudos Fiscais, sobre o qual se funda a decisão recorrida para desconsiderar o valor e proveniência de rendimentos que entende que a recorrente logrou provar, equivale a falta de fundamentação da mesma, a qual é exigível nos termos do art. 77° da LGT.

· Efectivamente, sem a junção de tal parecer não entende a recorrente porque razão a AF atende apenas ao valor de aquisição da manifestação de fortuna - € 399.038,32- e não ao valor que a AF entende não justificado para essa aquisição - € 123.236.49-, para determinação do rendimento tributável.

· Desconhecendo os argumentos e fundamentos, para a opção efectuada pela AF quanto a esta questão, não pode exercer o seu direito de defesa/impugnação.

· Pelo que, a decisão em apreço é anulável.

· Devendo em conformidade, ser anulada”.
2 – O Senhor Director-Geral dos Impostos contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado

3 – Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade apurada.

Com interesse para a solução da questão importa recordar os seguintes factos provados:
· Em 08/02/02, a recorrente adquiriu, por € 399 038,32, uma fracção autónoma sita na freguesia de Santa Maria dos Olivais, tendo omitido tal facto na sua declaração de rendimentos;
· A sisa liquidada relativamente à aquisição da dita fracção foi calculada com base no valor de aquisição do imóvel de € 399 038,32;
· Em 10/07/01, a recorrente celebrou o contrato promessa de compra e venda relativo àquela fracção, tendo entregue ao promitente vendedor, a título de sinal, o montante de € 174 579,26;
· O valor declarado pela recorrente, para efeitos de IRS no ano de 2002, foi de € 22 299,33.

A questão central deste recurso é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcta interpretação do disposto nos nos 3 e 4 do artigo 89º-A da LGT.

Vejamos:

Nos termos do nº 1 do artigo 89º-A da LGT, aditado pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, “Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no nº 4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela”.
Este normativo foi aditado à LGT no âmbito de uma reforma cujo objectivo era a luta contra a fraude e a evasão fiscais.
Constatada a existência de uma situação enquadrável no nº 1 deste artigo, como in casu, deixa de valer a presunção de veracidade da declaração do contribuinte e passará a ser sobre ele que recai o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas não é a obtenção de rendimentos sujeitos a tributação em IRS (nº 3 do artigo 89º-A).
E, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 89º-A da LGT, se o sujeito passivo não fizer a prova acima referida, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G (incrementos patrimoniais), o rendimento padrão apurado nos termos daquele preceito legal (para as aquisições de imóveis de valor superiora € 250 000,00, o rendimento padrão é de 20% do valor da aquisição), a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior.
Nessa conformidade, a administração tributária notificou o contribuinte de que contra si corria um projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS.
E como no decurso do procedimento o contribuinte não fez prova suficiente e total do valor de aquisição do imóvel, procedeu-se à fixação da matéria colectável no montante de € 79 807, 66.

A primeira questão a decidir é a de saber o que se deve entender por “valor de aquisição” para efeitos do disposto na tabela do nº 4 do artigo 89º-A da LGT, porquanto, no entender da recorrente, esse valor deve ser apenas o correspondente à diferença entre o valor pago, a título de sinal, em 2001, no montante de € 174 579,26, e o valor do custo da fracção em dívida em 2002.

De acordo com o decido no Ac. do STA de 07/12/2004, Processo 01248, “em sentido literal o valor de aquisição é o que for pago pelo comprador ao vendedor”. Mas será esse o entendimento a dar à expressão para efeitos da tabela inserta no artigo 89º-A da LGT? No caso vertente está em causa a tributação em IRS. Por isso, vejamos o que consta das normas do respectivo código referentes a situações diferentes mas que poderão ajudar na interpretação do sentido da expressão em causa. No artigo 46º nº1 do CIRS, cuja epígrafe é “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, consigna-se, para efeitos de mais-valias, que “se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa”.

Assim, tal como se decidiu, e bem, na douta sentença recorrida, é este o valor que tem que se tomar em consideração como valor de aquisição do imóvel, ou seja, o valor de € 399 083,32 e não outro qualquer.

Quanto ao facto de a sentença não ter considerado o encaixe proporcionado pela venda de arte pré-colombiana entre 1990 e 1995, no montante de € 274 338,84, e, consequentemente a sua aplicação na aquisição do imóvel apontado, a recorrente não tem razão.

Com efeito, a recorrente não fez prova nem da venda, nem do preço, nem, muito menos, de que tivesse aplicado na aquisição da casa o valor eventualmente realizado na venda das obras de arte, o que até nem seria difícil, bastando para tal juntar quer os recibos da venda quer os extractos bancários do depósito do montante recebido e os da mobilização desses capitais na aquisição da casa.

Ora, a recorrente nada disso fez.

Pelo contrário, apenas justificou o montante de € 275 801.82, faltando justificar o valor de € 123 236,49.

Assim, a recorrente não demonstrou que, nos anos de 2001 (ano em que celebrou o contrato promessa de compra e venda e entregou ao promitente vendedor, a título de sinal, o montante de € 174 579,26) e 2002 (ano em que adquiriu, por € 399 038,32, a referida uma fracção autónoma) mobilizou capitais que detinha de montante suficiente para efectuar a aquisição em causa, não tendo, assim, ilidido a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados em 2002.

Quanto à falta de fundamentação de que o valor a tomar em conta para efeitos de avaliação indirecta é o valor da aquisição do imóvel e não outro inferior, a recorrente carece igualmente de razão.

No seu entender, a decisão da AT remete para um Parecer do Centro de Estudos Fiscais o qual não lhe foi facultado.

Porém, ao contrário do alegado pela recorrente, o despacho sob recurso encontra-se suficientemente fundamentado.
Com efeito, o direito à fundamentação, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional (artigo 268º, nº 3 da CRP).
“A fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou, e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto (fundamentação por adesão; ou remissão).
Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça concretamente a motivação do acto.
O que tudo constitui jurisprudência e doutrina correntes (cf. Acórdão STA, de 06.11.96, in Ciência e Técnica Fiscal, 385/338).
Ora, o despacho em causa encontra-se devidamente fundamentado, conforme se extrai do respectivo conteúdo.
E tanto assim que a recorrente demonstrou ter compreendido perfeitamente as razões que levaram à sua prolação.
E, se assim não fosse, certamente não teria deixado de fazer uso da faculdade que o artigo 37º do CPPT lhe concede.
Ora, a jurisprudência vai no sentido de que “não é insuficiente a fundamentação do acto administrativo cujo iter lógico dá a saber a um destinatário normal o necessário para que opte conscientemente pela aceitação da legalidade do acto ou pelo contencioso do mesmo” (Ac. do STA de 23.04.97, Recurso 20 168, No mesmo sentido, cf. Ac. do TT de 2ª Instância, de 10.03.92, P. 60 860, in CTF. 367/121 e Ac. Do STA de 11.11.98, 2ª Secção – Pleno, Recurso 20 168).

Assim sendo, não se verifica o invocado vício de forma, por deficiente fundamentação.

4 – Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.