Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:Tributário
Data:01/25/2010
Processo:03706/09
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Vara Freire
Descritores:REVERSÃO.
DEVEDOR SUBSIDIÁRIO.
CULPA SITUAÇÃO INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL.
ÓNUS PROVA.
INFORMAÇÕES NÃO VINCULATIVAS.
Data do Acordão:02/23/2010
Texto Integral:PARECER N.º 13/2010.



O recorrente acima identificado vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, exarada a fls. 261/277, em 07 de Outubro de 2009.
A sentença recorrida julgou improcedente oposição deduzida ao processo de execução fiscal (PEF) instaurado no competente Serviço Local de Finanças tendo por escopo a cobrança coerciva de montante relativo ao IVA de 2000.
Com efeito, entendeu-se na sentença recorrida que da prova produzida não resultou provada, nomeadamente, a ausência da culpa do recorrente no que toca à insuficiência patrimonial da devedora originária, que determinou o não pagamento da dívida exequenda e que o ónus de tal prova pertence ao recorrente.
O recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 326/333, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.º/3 e 690.º do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
Em nosso entendimento o presente recurso não pode deixar de ser julgado improcedente, pois que, a nosso ver, a sentença recorrida fez um correcto julgamento de facto e de direito.
Em primeiro lugar afigura-se-nos que a junção dos 4 documentos com as alegações é extemporânea, pois que, salvo melhor opinião não ocorrem os pressupostos no normativo ínsito no artigo 524.º/2 do CPC.
Mesmo que assim não se entenda, a verdade é que, a nosso ver, a prova resultante dos mesmos não seria de molde alterar o decidido.
Na verdade, dos ditos documentos, não impugnados pela AT, resulta que a AT, após análise interna, pelo menos relativamente a alguns do pedidos, considerou ser de deferir os pedidos de reembolso de IVA relativos aos períodos de 2, 3, 4, 5 e 12 de 1998, 2 e 9 de 1999 e 7 de 2000, o que como se verá seguir, em nosso entendimento, não é determinante para altera o decidido em 1.ª instância.
A dívida exequenda reporta-se ao IVA de 2000, sendo que o prazo de pagamento voluntário deste último terminou em 31/08/2002 (fls. 71/82 do apenso PAT).
O recorrente, em suma, vem sustentar que ao não proceder à liquidação do IVA na prestação de serviços à sua principal cliente “SOVEREIN TRUST (GIBRANTAR) LTD” o fez devido à conduta e informações da AF que, nomeadamente, em várias pedidos de Reembolso de IVA, alguns dos quais sustentados em relatórios internos da Inspecção Tributária, considerou não haver anomalias relativamente ao declarado,

concluindo pelo deferimento dos pedidos de reembolso, pelo que não foi por culpa sua que ocorreu a situação de insuficiência económica da devedora originária, que esteve na génese do não pagamento do IVA
Tendo havido sucessão no tempo de vários regimes sobre responsabilidade subsidiária, é pacífica a jurisprudência do STA, no sentido da aplicação a cada situação da lei vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade.(1)
A atribuição da responsabilidade é feita, não apenas relativamente aos administradores e gerentes que tenham exercido funções no período de não pagamento, estendendo-se, também, aqueles que tenham exercido funções no período de constituição da dívida (CPPT anotado, 3ª edição, 2002, do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, pág. 990).
Portanto, no caso em apreciação haverá que aplicar o regime constante da LGT.
Façamos, no entanto, uma breve resenha da evolução da responsabilidade subsidiária ao longo do tempo.
A jurisprudência recente do STA é uniforme no sentido de que o art. 16º do CPCI deve ser interpretado no sentido de consagrar uma responsabilidade "ex lege" baseada numa presunção de culpa funcional dos administradores e gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelo não pagamento das dívidas fiscais destas. (2)
A responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada, no domínio da vigência do CPCI dependia de, de direito, ter a qualidade de administrador e gerente e de ter exercido, de facto, as funções respectivas no período de formação da dívida e/ou no período do seu pagamento
voluntário, sem que o responsável ilida a presunção legal de culpa.
A responsabilidade subsidiária prevista no DL 68/87 depende da verificação cumulativa de quatro requisitos, a saber:
1.O património social se ter tornado insuficiente para pagamento dos créditos fiscais;
2.Ter havido inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores por parte de um administrador ou gerente de direito;
3.Haver culpa desse administrador ou gerente na não observância dessas disposições;
4.Existir nexo de causalidade entre a inobservância dessas disposições e a situação de insuficiência do património social.
Ao abrigo deste regime cabe à AF fazer a alegação e prova de todos esses requisitos no caso de ser deduzida oposição à execução fiscal.(3)
O DL 68/87, não tem natureza interpretativa nem é de aplicação retroactiva, só se aplicando às dívidas vencidas após a sua entrada em vigor.(4)

Em 1 de Julho de 1991 entrou em vigor o CPT, que no seu art. 13º veio alterar, novamente, os pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores das sociedades de responsabilidade limitada, regulando-os de forma diversa dos anteriores diplomas.
Assim, manteve-se a possibilidade de prova de que a insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais não é atribuível a conduta culposa do gerente, mas inverteu-se o ónus de prova da falta de culpa, criando-se a presunção de que tal insuficiência derivava de actuação culposa do administrador ou gerente.
Outra das inovações trazidas pelo normativo foi o facto de abranger outras pessoas, que não sendo gerentes ou administradores exerçam, de facto, funções de administração da sociedade.
"A LGT, no seu art. 24º veio alterar o regime de responsabilidade subsidiária, dos administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração de sociedades, estendendo-a a cooperativas e empresas públicas, conforme o prazo de pagamento voluntário das dívidas tenha ou não terminado no exercício do seu cargo:
-Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação, existe tal responsabilidade, cabendo à administração tributária o ónus de prova dos respectivos pressupostos;
-Relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo presume-se que a falta de pagamento lhes é imputável, cabendo-lhes, consequentemente, o ónus de prova sobre tal
matéria" (cf. CPPT. anotado, 3ª edição do Juiz Conselheiro, Jorge Lopes de Sousa, p.990).
Resulta do probatório que o recorrente foi gerente de facto e de direito no período de constituição da dívida exequenda, tendo renunciado à gerência em 2002.08.22, em pleno período de pagamento voluntário do tributo o prazo terminou em 31 de Agosto), numa altura em que era o único gerente, como resulta de fls.144/153 do apenso PEF
Em nosso parecer resulta provado que o recorrente teve culpa na ocorrência da situação de insuficiência económica que obstou ao pagamento da dívida exquenda.
Realmente, conforme resulta do probatório, por sentença transitada em julgado (fls. 246/259) as liquidações adicionais de IVA de 2000 (imposto e Juros compensatórios), ora em execução, foram julgadas conformes ao ordenamento jurídico.
È curioso notar que, em sede de impugnação judicial, que é a sede própria, a devedora originária nunca veio alegar a ausência de culpa na liquidação do IVA, devido a informações ou actuações da AT, nomadamente para efeitos de impugnação dos juros compensatórios, pois que como é sabido sem culpa não há lugar á liquidação de JC (fls. 246).
Só, agora, em sede de oposição judicial vem o revertido e legal representante da devedora originária até à sua exoneração sustentar que agiu em função das informações e actuação da administração, portanto sem culpa!

Ora, apenas as informações vinculativas, exteriorizadas pela AT, nos termos do estatuído no artigo 68.º da LGT a vinculam., não tendo tal potencialidade quaisquer informações prestadas no âmbito de um procedimento de inspecção tributária.(5)
Note-se que, nos termos do estatuído o artigo 64.º do RCPIT, só na caso do contribuinte solicitar ao Senhor DGI o sancionamento das conclusões do RIT e caso venha a ser deferido tácita ou expressamente é que a AT fica impedida de não proceder relativamente ao mesmo contribuinte em sentido diverso do teor das conclusões do RIT nos 3 anos seguintes aos da data da notificação destas, salvo se, posteriormente, se apurar simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente relevantes relativamente ao objecto da inspecção.
No caso em análise está decidido, por sentença judicial transitada em julgado que a devedora originária, (através do oponente, enquanto seu legal representante), não procedeu à liquidação do IVA nos serviços prestados à SOVEREIN (empresa sedeada num notório paraíso fiscal, como decorre da documentação dos autos), quando o devia ter feito de acordo com a lei, pelo que considerou as liquidações adicionais estruturadas pela AT conformes ao ordenamento jurídico.
Inexiste qualquer informação vinculativa da AT que permitisse tal actuação, questão que a devedora originária, da qual o oponente foi representante, nem sequer levantou em sede própria, ou seja, no âmbito da impugnação judicial.
Portanto, a nosso ver, o oponente, enquanto legal representante da devedora originária ao não liquidar o tributo, como é de lei e foi sancionado pelo competente Tribunal, agiu com culpa, tanto assim que foram liquidados os respectivos JC.
E, como o próprio oponente sustenta, foi a omissão dessa liquidação que determinou a situação de insuficiência económica que obstou ao pagamento do tributo em execução.
Por outro lado, perante a situação de evidente insuficiência do activo sobre o passivo, ao contrário do que impunha uma gerência diligente, a nosso ver, não procedeu a qualquer diligência, nem sequer promoveu a apresentação da sociedade à falência ou a processo de recuperação, por forma a possibilitar aos credores cobrarem os seus créditos à custa do património social, tendo ficado impávido e sereno, renunciando à gerência da devedora originária em 2002.08.22, durante o prazo de pagamento voluntário do tributo, bastando-se com o argumento de que não foi por culpa sua que não procedeu à liquidação do IVA e desinteressando-se, em absoluto, pela satisfação dos créditos sociais.(6).
Termos em que, salvo melhor juízo, deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.
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(1) Acórdão do STA, de 2 de Outubro de 1996, recurso n.º 2021, publicado em Apêndice ao DR, de 28 de Dezembro de 1998, página 2.665
(2)Acórdão do STA, de 24 de Abril de 1990, recurso n.º 12124, publicado em AD, 33º-863
(3) Acórdão do Pleno da 2.ª secção do STA, de 9 de Julho de 1997, recurso n.º 19066, publicado em Apêndice ao DR, de 28 de Março de 2000, página 109 e do STA, de 28 de Novembro de 1990, publicado em RLJ, 125º-46, com anotação concordante do Professor Teixeira Ribeiro.
(4) Acórdãos do STA, de 2 de Julho de 1997 e 6 de Maio de 1999, recursos nºs 21.399 e 20.653, respectivamente, disponíveis no sítio da INTERNET www.dgsi.pt.
(5) Acórdão do STA, de 2007.05.16, processo n.º 0184/07, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt.
(6) Acórdão do TCAS, de 4 de Fevereiro de 2003, proferido no recurso n.º 07304/02, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.