Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:12/18/2006
Processo:01484/06
Nº Processo/TAF:81/02 TAF LEIRIA
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:IVA
EXISTÊNCIAS NO FINAL DO ANO
PRESUNÇÃO DO ARTIGO 80º DO CIVA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão:02/14/2007
Disponível na JTCA:SIM
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Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – O EXCELENTÍSSIMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 261 a 279, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na parte em que julgou parcialmente provada e parcialmente procedente a impugnação e, em consequência, determinou a anulação da liquidação de IVA e juros compensatórios com origem na presunção de venda dos Produtos e Trabalhos em Curso, relativamente ao exercício de 1997.

Após alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

“A) A impugnante contabilizou o montante de 32.500.000$, a título de Existências Finais de produtos e Trabalhos em Curso, à data de 31.12.1997.

B) No decurso da acção inspectiva externa efectuada, verificou-se que aquelas Existências Finais não se encontravam nas instalações da impugnaste.

C) Dispõe o artº 80º do CIVA que se presumem transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade.

D) Consequentemente, fundada na presunção da sua respectiva transmissão/venda, foi apurado IVA em falta, do ano de 1997, no montante de € 30.141,73 (6.042.874$).

E) O disposto no artº 80º do CIVA perspectiva-se enquanto consequência directa da inventariação levada a cabo pela empresa e, em resultado dessa inventariação, da verificação da falta de bens face ao registo dos livros.

F) Presumindo o artº 80º do CIVA a transmissão dos bens encontrados em falta, com a consequente liquidação do correspondente imposto.

G) Trata-se de uma presunção juris tantum, apenas ilidível perante prova em contrário - art.º 350º° do CCivil.

H) Ou seja, mediante prova de que os bens não foram efectivamente objecto de transmissão.

I) A impugnante não logrou apresentar qualquer prova da destruição, inutilização, obsolescência ou deterioração daquelas existências.

J) Não resultando justificado ou comprovado o desaparecimento das existências em causa.

K) Efectivamente, a contabilidade da impugnaste é inidónea para a real e exacta determinação da matéria tributável do ano de 1997 - artigo 75 nº 2 a) da LGT.

L) A organização contabilística implementada na impugnante não permite comprovar a tese que defende.

M) Em violação da obrigatoriedade da manutenção dos livros e dos elementos que permitam comprovar os registos neles efectuados - artigos 44º, 50º, 52º, 65º, 68º e 69º do CIVA.

N) Os depoimentos prestados neste estrito sentido são concertados e comprometidos ab initio com aquela tese, não se revelando, portanto, idóneos para provar a tese exposta.

O) Ora, não logrando carrear para os autos a prova contrária necessária e imprescindível para ilidir a presunção legal de que a Administração Fiscal beneficia, nos termos do art.° 80º do CIVA, sempre a questão decidenda deve ser contra si decidida.

P) Tal como decorre das regras do ónus da prova - artigos 342° do C. Civil e 73° da LGT.

Q) Sendo que a douta Sentença recorrida acaba por tolerar os resultados das infracções fiscais do impugnante.

R) A douta Sentença recorrida faz errada interpretação do art.° 80° do CIVA, dos artigos 73º e 74º n.° 1 da Lei Geral Tributária e dos artigos 342º n.° 1, e 350° do Código Civil.


2 – Com interesse para a solução da questão foram dados como provados os seguintes factos:
“1. A impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização externa que incidiu sobre os exercícios de 1995, 1996 e 1997, no âmbito da qual foi efectuado o relatório de inspecção junto a fls. 90 e segs. cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2. A fiscalização permitiu detectar que a impugnante apresentava Existências finais de Produtos e Trabalhos em Curso no valor de 32.500.000$00, em 31/12/1997, que não foram justificadas fisicamente.
3. Estas existências mantêm-se desde 31/12/1995, como consta das Declarações mod. 22 juntas a fls. 43 e segs. cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido”.

Sobre esta matéria, diz expressamente a, aliás, douta sentença:
“As existências finais de Produtos e Trabalhos em Curso não existem fisicamente.
(…).
Todavia, há razões para crer que tais Produtos e Trabalhos em Curso já não existiam desde 31/12/1995, altura a partir da qual o seu valor se mantém inalterado em todas as declarações mod. 22”.

3 - Diz o artigo 80º do CIVA:

“Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais”

“O disposto neste artigo poderá considerar-se como uma consequência directa da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artigo anterior, conduzindo à existência de bens não documentados nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Também como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros. Em ambos os casos o legislador admite por um lado, uma presunção juris tantum de aquisição daqueles bens e, por outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, motivando, neste caso, a liquidação do correspondente imposto”. (cfr. Código do Imposto sobre o VALOR ACRESCENTADO, Anotado e Comentado, de F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, 4ª edição, pág. 813 e 814).

A Administração Tributária, constatando a aludida inexistência física, fez accionar a presunção de venda, a que corresponde IVA no valor de Esc. 6 042.874$00.
O Mº Juiz “a quo”, porém, entendeu que “A presunção do artigo 80 CIVA mantém-se, mas reportada a uma data anterior, provavelmente abrangida pela caducidade do direito à liquidação (Artigo 45 LGT), o que de modo algum pode relevar para a decisão”.
Ora, salvo o devido respeito, nada nos autos permitia ao Mº Juiz “reportar a uma data anterior” a presunção do artigo 80º do CIVA. Por outro lado, atenta a matéria de facto dada como provada, esta asserção corresponde, ela própria, a uma presunção sem qualquer fundamento factual ou legal.
Na verdade, à Administração Tributária constatou que, á data da inspecção, os referidos bens não lhe foram apresentados pela impugnante.
Esta também não logrou provar a data em que os mesmos foram transmitidos.
Daí que, tendo a impugnante feito constar das declarações mod. 22 que esses produtos existiam no final dos anos de 1995 e 1996, lógica é a presunção de que a sua transmissão só poderá ter ocorrido em 1997.
Não tendo a impugnante efectuado qualquer prova, como se verifica do probatório, de que a transmissão dos referidos produtos ocorreu em ano anterior a 1997, assim logrando ilidir a presunção estabelecida no artigo 80º do CIVA, não poderia o Mº Juiz concluir, como concluiu, que “A presunção do artigo 80 CIVA mantém-se, mas reportada a uma data anterior (…)” ou, sequer, que houvesse “razões para crer que tais Produtos e Trabalhos em Curso já não existiam desde 31/12/1995 (…)”.

Ao decidir como decidiu, a sentença fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados.

4 – Pelas razões expostas, entendemos que o recurso merece provimento.