Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:10/15/2015
Processo:09027/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 2.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO.
Texto Integral:Recurso Jurisdicional ( Embargos de Terceiro)
Nº 09027/15
2º Juizo-2ª Secção ( Contencioso Tributário)


A Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, na sequência da “ Vista” aberta, vem emitir parecer nos seguintes termos:

O Representante da Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença do TAF de Almada Lisboa que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos pela S…, Ldª e determinou o levantamento da penhora do imóvel efectuada no processo executivo 3… em que é executada A….

Os fundamentos do recurso constam dos termos conclusivos de fls.263 a 265 – cujo teor aqui se reproduz – imputando o recorrente à doura sentença uma errada interpretação dos factos e incorrecta aplicação do direito por violação do disposto nos artigos 231º e 237ºdo CPPT e 819º e 824º do CC e 755º do CPC.

Defende o Recorrente ser errada a conclusão da tempestiva da dedução dos embargos porquanto estes foram instaurados em 20.10.2011, a penhora foi registada em 8.4.2011 mas o registo da acção de anulação da venda que correu termos sob o nº 4…TBALM no 1º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada ocorreu em 27.07.2011 pelo que não poderá o embargante dizer que ao proceder ao registo daquela acção, como afirma, não tomou conhecimento da penhora que estava já registada.

Invocou a embargante que só teve conhecimento da penhora dias antes da apresentação dos embargos porque da certidão predial que juntou aos autos do pedido de anulação da escritura não constava nenhuma penhora e o registo da acção foi solicitado “on line”.

A douta sentença fundamenta a tempestividade dos embargos da seguinte forma:
“ … Como resulta da alínea G) do probatório da certidão do registo predial não constava o registo da penhora a favor da Fazenda Nacional, pelo que invocando a embargante que teve conhecimento da penhora apenas dias antes da interposição da presente acção, temos que concluir que a mesma é tempestiva…”

Nos termos do n.º 3 do artigo 237.° do CPPT o prazo para a dedução de embargos de terceiro conta-se da data do conhecimento da ofensa pelo embargante sendo o facto relevante para se iniciar a contagem do prazo o mencionado conhecimento.

O que se verifica da alínea G) do probatório é que se alude à certidão do Registo Predial de fls. 37/39 ( que foi junta com a PI da supra referida acção de anulação da escritura de venda).

Ora, esta certidão reporta-se a informação em vigor em 25.01.2011, conforme consta da mesma e o certo é que a FP embargada alegou que a data do conhecimento da ofensa se situou a partir da data do registo da acção – 28.07.2011.

Assim, fundamentando a douta sentença o desconhecimento da ofensa – penhora – apenas em documento que apenas informa das inscrições em vigor em 25.1.2011, em data muito anterior à penhora, suportou a conclusão da tempestividade exclusivamente, num facto, por si só, inócuo para tal conclusão, tendo omitido pronúncia ( e até diligências essenciais tendentes a saber em que data a embargante terá tido conhecimento do registo “on line”, através do Tribunal que terá promovido o registo) sobre um facto essencial alegado por uma parte – a embargada FP – a de que o conhecimento da ofensa ocorreu a partir do registo da acção e tendo sido dado como provado que o registo da acção ocorreu em 28.07.2011 – cfr. H. do probatório .

É certo que resulta do art. 343.º, n.º 2, do Código Civil: «Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo já ter decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei».

Mas o réu – FP – alegou uma data constante de um registo predial, a partir da qual o embargante teve conhecimento da ofensa e o certo é que o referido registo da acção judicial, determina o envio de certidão do registo predial para o processo em causa, certidão esta que publicita as inscrições em vigor de um imóvel e de que as partes no processo terão, em circunstâncias de normalidade, necessário conhecimento.

Assim, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária que a douta sentença, no que respeita à decisão sobre a excepção deduzida pela FP, incorreu em erro de facto e de direito.

Aliás, padece a douta sentença dos vícios de conhecimento oficioso previstos s no artigo 615º, nº1, alíneas c) e d) do CPC que determinam a sua nulidade.

Em face do exposto, quanto a excepção deduzida pela embargada FP, emito parecer no sentido da procedência do recurso.

Caso assim se não entenda (isto é, que a situação supra referida não prejudica o conhecimento dos resntante vícios invocados no recurso) então sempre diremos, que acompanhamos a posição do recorrente no sentido da douta sentença padecer de erro como invoca o Recorrente, porquanto:

Da matéria fáctica dada como provada resulta que à data da penhora o imóvel em causa era propriedade da executada e que todos os factos aduzidos e que culminaram no cancelamento do registo da aquisição do imóvel a favor da executada ocorreram posteriormente ao registo da penhora do imóvel em causa.

Por outro lado, também resulta, nomeadamente que, no acordo homologado por sentença no processo 4…TBALM, não houve uma apreciação sobre o mérito da acção, isto é, não houve sentença judicial a considerar o acto nulo mas sim sentença que homologa apenas um acto voluntário das partes que considera haver erro na escritura, sem sequer, concretizar tal erro.

Ao transigir da forma atrás referida, a executada praticou um acto de disposição no que toca ao imóvel que era sua propriedade e que estava penhorado, sendo certo que a executada tinha sido nomeada fiel depositária do mesmo, antes da transacção, conforme fls. 10 do proc. executivo apenso.

Ora, por força do que dispõe o artigo 819.º do CC, tal acto de disposição é inoponível à execução e os efeitos deste acto de disposição, porque ineficaz em relação à execução, não podem retroagir à data da celebração do contrato promessa determinando o levantamento da penhora.

Com efeito,

Como se escreve no douto Ac. da Rel de Lisboa de 19.06.2014, 758/04.8TBCLD.1-1:

“ O devedor-executado pode alienar os bens penhorados, sem reflexos na execução, pois, nos termos constantes do art.º 819.º do C.Civil, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
- O bem penhorado continua a integrar o património do devedor para efeitos da execução pendente. “

Também como se escreve no sumário do douto Ac. do STA de 8.6.20011, 025/11:
I - A celebração de contrato-promessa de compra e venda com eficácia real não obsta à penhora e venda do bem no processo executivo; apenas obriga a que o direito de aquisição de que goza o promitente comprador seja atendido no momento da realização da venda executiva, em conformidade com o preceituado no artigo 903.º do Código de Processo Civil.
II - Por outro lado, a celebração do contrato prometido, em momento posterior ao registo da penhora, também não obsta à venda do bem no processo executivo, dado que os actos de disposição dos bens penhorados são inoponíveis em relação à execução.”

Igualmente, será de atentar no que refere Filipa Vasconcelos de Assunção in “Jusjornal” quando refere que:
“ Por um lado, a penhora visa assegurar e preparar os actos executivos subsequentes, através da definição do objecto e da determinação dos bens destinados aos fins da execução. Uma das funções da penhora é, assim, a de especificar, isolar e determinar os bens ou direitos que serão apreendidos e transmitidos .
Por outro lado, a penhora visa também garantir a viabilidade e eficácia dos actos executivos futuros, através da apreensão dos bens. Deste modo, à penhora compete conservar os bens ou direitos individualizados, impedindo que estes possam ser ocultados, deteriorados, onerados ou alienados em prejuízo do exequente.
Por fim, a penhora tem ainda uma função de controlo, função esta que se consubstancia na tutela da execução e, principalmente, na tutela dos direitos do exequente e de terceiros, para que não venham de qualquer modo a ser ilegitimamente atingidos ….”
“…Mas estas importantes funções só são asseguradas pelo facto de, por regra, os bens serem retirados da disponibilidade material do devedor e subtraídos à sua disponibilidade jurídica …”
“…Quanto aos deveres gerais, tem o depositário os deveres constantes do CC. Nos termos do artigo 1187.º do CC, o depositário é obrigado a guardar a coisa depositada; a avisar imediatamente o depositante quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante;..”
“ … Com vista a assegurar os objectivos da penhora e o bom resultado desta a favor do exequente e dos restantes credores, é fundamental tomar todas as diligências de forma a acautelar o estado de incerteza e de periculum in mora relativamente à existência e conservação do património do executado. Porque existe o perigo de perder os bens apreendidos, importa tornar ineficazes os actos de disposição e oneração de bens penhorados, contanto que realizados pelo executado (47) ….”
“ … Assim, surge o terceiro efeito da penhora que determina que o executado vê afectada a sua faculdade de dispor juridicamente da coisa penhorada, mas só relativamente aos actos que possam prejudicar a prossecução da finalidade da acção executiva (48) . Este regime encontra-se consagrado nos artigos 819.º, 820.º e 821.º do CC….”
“ …com a penhora o executado perde os poderes de gozo que integram o seu direito, mas não perde o poder de dele dispor. De facto, o executado mantém a titularidade de um direito esvaziado de todo o seu restante conteúdo e continua a poder praticar, mesmo depois da penhora, actos de disposição ou oneração (53) .
No entanto, os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados não podem ter eficácia plena, sob pena de porem em risco a função da penhora (54) . Por isso, estes actos são inoponíveis à execução, conforme o dispõe o artigo 819.º do CC (JusNet 1/1966). …”
“ … A ineficácia relativa, ao contrário da nulidade, permite assim que os actos de disposição, oneração e arrendamento voltem a ser eficazes. Por exemplo, os actos praticados pelo executado readquirirão eficácia plena no caso de a penhora vir a ser levantada. No entanto, se a execução conduzir à transmissão do direito do executado, o direito do terceiro que tiver contratado com o executado caduca (67) . ..”.

Em face do exposto:

a-) quanto a excepção de intempestividade deduzida pela embargada FP, emito parecer no sentido da procedência do recurso;
b- Caso se não julgue prejudicada a apreciação do recurso em face da situação exposta em a-), emito parecer no sentido da procedência do recurso.
Lisboa, 15 de Outubro de 2015

Procuradora Geral – Adjunta
(Fernanda Carneiro)