Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:Tributário
Data:06/12/2006
Processo:01218/06
Nº Processo/TAF:22/02 SETÚBAL
Magistrado:CARLOS BATISTA
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
ÓNUS DE CONCLUIR
Disponível na JTCA:NÃO
Texto Integral:4



1 – S .................. , S. A., veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 442 a 448, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, verificado o erro na forma de processo e não sendo já possível a convolação, anulou todo o processado e absolveu o réu da instância.

Após alegações, a recorrente formulou 116 (?) conclusões.

Os artigos 102º da LPTA, aprovada pelo DL nº 267/85, de 16 de Julho, e 140º do CPTA, aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, remetem para o complexo normativo do CPC a regulação dos recursos ordinários das decisões dos tribunais administrativos e fiscais.

Dessa remissão tem especial interesse, no caso dos autos, o disposto no nº 1 do artigo 690º que estabelece que "O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão."
Ou seja, configurando-se o recurso como o meio processual pelo qual se submete a decisão judicial a nova apreciação por outro tribunal, é pela alegação e conclusões que se fixa o conteúdo do recurso: nas alegações, a parte há-de expor as razões por que ataca a decisão recorrida (ónus de alegar); nas conclusões, há-de fazer a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida (ónus de formular conclusões).
Porém, o cumprimento deste ónus só se verificará, tal como refere o texto do artigo 690º do CPC, pela indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
Não é isso que acontece no caso dos autos. O número e complexidade das conclusões excede, em muito, o razoável.
Daí que, nos termos do nº 4 do normativo citado, a recorrente deva, em nosso entender, ser convidada a sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso.

2 - Ainda que assim não se entenda, não nos parece que a recorrente tenha razão.

Na presente acção para o reconhecimento de um direito, a recorrente pede que seja declarado “o direito subjectivo da Recorrente ao crédito de imposto previsto na alínea a) do nº 5 do artigo 39º do EBF, bem como no artigo 4º e 5º do Decreto-Lei nº 401/99, de 14 de Outubro, pelo montante de Euro 997 595,79, em cada exercício fiscal, do ano de 2000 ao ano de 2005, assim se assegurando a tutela plena, eficaz e efectiva do direito violado (…)”.

Ora, as acções para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido são de criação relativamente recente, visto que só passaram a ter consagração legal em virtude da Revisão Constitucional de 1982 (cfr. artigo 268º, nº 3, da Constituição da República), sendo posteriormente reconhecidas na lei ordinária com a entrada em vigor da LPTA, aprovada pelo DL 267/85, de 16 de Julho (cfr. artigos 69º e 70º da referida LPTA).
Foi intenção do legislador constitucional, ao consagrar este tipo de acções, alargar o campo dos direitos do administrado, por forma a impedir a consolidação na ordem jurídica de eventuais ilegalidades cometidas pela Administração, por falta de meio processual próprio de reacção.
Daí que o citado artigo 69º da LPTA tivesse criado um novo tipo de acções, que designou de acções para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, cujo campo de aplicação se dirigia ás situações em que os restantes meios contenciosos não assegurassem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa.

Em matéria tributária, como é o caso presente, as acções para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido são hoje reguladas pelo artigo 145º do CPPT, cujo n.º 3 estabelece:
As acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”.

Este artigo corresponde ao artigo 165º do CPT, relativamente ao qual se entendia que tais acções tinham um campo residual de aplicação: “só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos, incluindo os relativos à execução da sentença, não assegurem a tutela efectiva do direito ou interesse em causa”.

“A lei construiu, assim, esta figura com intenção restritiva, bem patente nessa sua natureza subsidiária e no carácter sumário da sua regulamentação” (Código de Processo Tributário, comentado e anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4ª edição, pág. 377).

Assim sendo, a propositura deste tipo de acções não pode servir para se alcançar por esta via aquilo que se poderia obter pelas vias graciosas e contenciosas normais, mas não se obteve por facto imputável exclusivamente ao interessado.

Trazidos à colação os normativos citados, parece-nos verificada uma situação em que a recorrente propôs esta acção sem que tivesse esgotado todos os meios contenciosos, abstracta e teoricamente capazes de assegurarem uma tutela efectiva do direito ao crédito de imposto que visa exercitar com a propositura deste processo.
Efectivamente, a recorrente pretende a declaração do seu direito subjectivo ao crédito de imposto previsto na alínea a) do nº 5 do artigo 39º do EBF, bem como no artigo 4º do DL 401/99, de 14 de Outubro, pelo montante de € 997 595,79, em cada exercício, e em consequência, determinando o seu reconhecimento nos exercícios fiscais de 2000 a 2005.

Sucede, porém, que nos termos do nº 6 do artigo 8º do DL 401/99, de 14 de Outubro, a DGSI apenas “emite parecer quanto à matéria relativa aos benefícios fiscais, podendo, se for caso disso, solicitar esclarecimentos complementares ao ICEP e ao IAPMEI”.

Acresce que, por força das disposições conjugadas dos nos 1 e 2 do artigo 9º do mesmo diploma, a concessão dos benefícios fiscais é objecto de contrato, com período de vigência até cinco anos a contar do início da realização do projecto de investimento, e é aprovado através de Resolução do Conselho de Ministros.

Ao atacar o parecer da DGSI sem provocar a decisão do Conselho de Ministros, a recorrente não esgotou os meios contenciosos que tinha ao seu dispor. Tal procedimento mais não constitui do que a tentativa de, ultrapassando o parecer negativo da DGCI, vir a obter, de forma enviesada, uma decisão cuja competência cabe ao Conselho de Ministros.

Ora, a propositura deste tipo de acções reguladas no artigo 165º do CPT (e hoje no artigo 145º do CPPT) não pode funcionar como uma via de obter ganho de causa quando os demais meios contenciosos improcedem, porque o interessado não tem razão no pedido que apresentou ou porque este inviabilizou, com a sua actuação, nomeadamente, extemporânea em determinada fase, o esgotamento de todas as possibilidades legais do respectivo funcionamento.

Assim sendo, por não se mostrar satisfeita a previsão determinante do artigo 165º, nº 2, do CPT (e 145º, nº 3, do CPPT) a recorrente não pode, pela via desta acção, obter o que poderia ter conseguido pelas vias contenciosas normais, não fora o cerceamento do respectivo funcionamento por facto que lhe é, em exclusivo, imputável. E não sendo já possível a convolação, pelos motivos eloquentemente demonstrados na douta sentença sob recurso, outra decisão não poderia ter sido tomada.

3 - Em conclusão, entendendo que sentença recorrida não merece qualquer censura, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.