Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:10/26/2011
Processo:08133/11
Nº Processo/TAF:00431/08.8BELSB
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ESPECIAL.
NULIDADE SENTENÇA - AL. D) Nº 1 ART. 668º CPC.
PRESCRIÇÃO.
VIOLAÇÃO DE LEI.
AUDIÊNCIA PRÉVIA.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo então A., da sentença, proferido pelo TAC de Lisboa, a fls. 342 e segs., que julgou improcedente a presente acção, por não provada, absolvendo o Réu do pedido.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade de omissão de pronúncia a que se reporta o art. 668º nº 1 al. d) do CPC, violação dos arts. 94º nº 1 e 95º nºs 1 e 2 do CPTA, dos arts. 8º e 100º do CPA e 267º nº 5 da CRP, dos arts. 125º do CPA e 268º nº 3 da CRP.

A Entidade recorrida contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com fundamento nos documentos juntos, os factos constantes dos pontos 1 a 5 de IV, de fls. 345 a 352, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à imputada nulidade da sentença por omissão pronúncia (al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC).

Fundamenta o recorrente a existência de tal nulidade no facto da sentença recorrida não se ter pronunciado sobre a questão, por si invocada na p.i., da prescrição da decisão de redução do financiamento antes concedido, de acordo com o art. 20º nº 1 da Portaria nº 799-B/2000 de 20/09.

E, efectivamente, assiste - lhe razão.

Com efeito, embora a sentença recorrida, no relatório inicial, faça referência àquela questão como alegada pelo A., acaba por não a apreciar e decidir, quer aquando da fundamentação de direito, quer previamente, não emitindo qualquer pronúncia sobre a sua procedência, improcedência ou prejudicialidade do seu conhecimento, não obstante se tratar de questões sobre as quais se devia pronunciar por se tratar de matérias respeitantes à causa de pedir (art. 660º nº 2 do CPC) incorrendo por isso na nulidade de omissão de pronúncia da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

Daí que, nos termos do art. 149º nº 1 do CPTA, deva este tribunal ad quem, após anular a sentença, conhecer da imputada prescrição do acto impugnado.

Assim, conhecendo da invocada prescrição.

Desde já entendemos pela inexistência da mesma.

Na verdade, o nº 1 do art. 20º da Portaria nº 799-B/2000 de 20/09 dispõe: “A decisão sobre o pedido de pagamento do saldo final pode ser revista, nomeadamente, com fundamento em auditoria contabilístico - financeira, no prazo de três anos após a decisão ou o pagamento do saldo se a ele houver lugar.”.

A entidade recorrida alega ter ocorrido interrupção daquele prazo invocando o art. 3º nº 2 do Regulamento CE Eurotom nº 2988/1995 de 18/12, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, o qual dispõe: “A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.


Ora, se por um lado, se desconhece se a ora recorrente recebeu ou não o ofício referido no documento a que se reporta o ponto 4 da matéria de facto dada como provada, designadamente a fls. 351, acontecendo que quer do P. A., quer dos autos, nem sequer consta qualquer cópia do mesmo ofício, por outro, não pode o recorrente ter deixado de conhecer que lhe foi feita uma auditoria pelo IGFSE cuja origem e objectivos constam do doc. junto pelo próprio A. a fls. 83 e segs., pelo que a nosso ver sempre aquele prazo de prescrição se interrompeu nos termos do art. 3º do referido Regulamento aplicável no direito interno.

Por outro lado, atenta à redacção dada ao art. 40º do DL nº 155/92 de 28/07, pelo artº 77º da Lei nº 55-B/2004 de 30/12, cujo nº 3 tem natureza interpretativa, todos os prazos de prescrição para a reposição das quantias recebidas passaram a ser de cinco anos, sendo que a distinção até então feita pela jurisprudência para efeitos de prescrição da obrigatoriedade de reposição deixou de interesse já que tal prazo prescricional passou, como se disse, a ser de 5 anos quer se esteja operante um simples erro de soma ou de cálculo, ou perante o regime de acto de revogação de actos administrativos estabelecido no art. 141º do CPA.

Assim que, a nosso ver, não se verifique a alegada prescrição.

IV – Quanto à invocada existência da mesma nulidade de omissão de pronúncia, por a sentença recorrida não ter apreciado as questões da falta de fundamentação e de erro sobre os pressupostos de facto do acto impugnado, por só, formalmente, o aparente ter feito, já não lhe assiste razão.

Com efeito, a sentença recorrida conheceu, individual e concretamente, daqueles vícios imputados ao acto recorrido, como se pode constatar de fls. 353 e 354, não tendo de apreciar todos os argumentos ou razões invocadas pelo ora recorrente em defesa dos seus pontos de vista.

Na verdade, como é jurisprudência corrente «A nulidade de omissão de pronúncia estabelecida na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, devendo apreciar as questões que lhe foram submetidas que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Por questões deve entender-se as matérias respeitantes ao pedido, à causa de pedir ou aos pressupostos processuais, e não os argumentos ou razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista» – cfr., entre muitos outros, Acórdão STA de 13/05/03, Rec. nº 02047/02 (bold nosso).

Assim que, nessa parte, inexista qualquer omissão de pronúncia.

V – Quanto à violação dos arts. 8º e 100º do CPA e 267º nº 5 da CRP.

O direito de audiência é uma particular manifestação do princípio da participação na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, consagrado no n.º 4 do artigo 267.º da CRP e no artigo 8.º do CPA pretendendo - se aproveitar o contributo dos administrados na formação da vontade administrativa, através do mais cabal esclarecimento dos factos e do conhecimento da sua posição jurídica perante eles, de forma a conduzir a uma decisão mais acertada e justa.

Salvo o caso de inexistência ou de dispensa, consagrados no artigo 103.º do CPA, o que não se verifica no caso em apreço, a audiência dos interessados tem lugar quando tiver havido instrução, sendo pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o conceito de instrução, para este efeito, «integra a actividade administrativa destinada a captar os factores e interesses relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres, apresentação ou realização de provas, realização de diligências, vistorias, exames e avaliações necessárias à prolação da decisão » ( Ac. STA de 28/01/03, Rec. nº 0838/02, invocado pelo recorrido ).

Doutrinariamente, defende Vasco Pereira da Silva in “ Em Busca do Acto Administrativo Perdido “ « quer pela via da qualificação do direito de audiência como direito fundamental, quer pela via dos direitos fundamentais afectados pelas actuações administrativas terem de resultar de um procedimento participado e em que os privados seus titulares sejam ouvidos, quer ainda pela conjugação de ambas as perspectivas, chegamos à conclusão de que uma decisão administrativa praticada sem audiência dos particulares interessados viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que deve ser considerada nula, nos termos do art. 133º nº 2 al. d) do Código do Procedimento Administrativo ».
E, se é certo que, como jurisprudencialmente se tem vindo a decidir, «nos casos de incumprimento do disposto do nº1 do artº 100º do CPA, sempre que através de um juízo de prognose póstuma o tribunal possa concluir que a decisão tomada era a única concretamente possível, não é de anular a mesma», também é certo que de acordo com a mesma jurisprudência «não basta, no entanto, que a decisão seja praticada no exercício de poderes vinculados para se concluir, sem mais, pelo carácter não invalidante da violação do disposto no nº1 do artº 100º do CPA.».

Dos docs. juntos aos autos e do PA resulta ter existido procedimento administrativo/instrução, destinada a captar os factores e interesses relevantes para a decisão final, nela se incluindo uma auditoria e pareceres que levaram à prolação da decisão impugnada.

Ora, não se estando perante nenhuma das hipóteses previstas no nº 1 do art. 103º, cuja enumeração terá de se considerar taxativa, que, em nosso entender, houvesse lugar ao cumprimento da audiência prévia nos termos do art. 100º do CPA, cumprimento esse que, pese embora o exarado no doc. de fls. 351, não ficou demonstrado pela entidade demandada, tivesse sido cumprido, já que o ofício ali indicado não consta dos autos, nem do P.A, nem se o mesmo foi ou não devolvido, e cujo ónus de prova competia à Entidade Demandada.

Assim, tendo o acto impugnado, em nosso entender, violado o disposto no art. 100º do CPA, que a sentença recorrida ao ter concluído como concluiu tenha incorrido em erro de julgamento com violação das disposições legais que lhe são imputadas.

VI – Quanto à violação pela sentença recorrida do art. 125º do CPA e art. 268º nº 3 da CRP.

Pelos fundamentos exarados na sentença recorrida, que se nos afiguram suficientes e para os quais remetemos por com eles estarmos em consonância, entendemos dever improceder o alegado vício.

VII - Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da sentença recorrida ser anulada por omissão de pronúncia, proferindo - se nova decisão que julgue improcedente a invocada prescrição e procedente o vício de violação dos arts. 8º e 100º do CPA e 267º nº 4 da CRP, mantendo nos demais vícios invocados o decidido na sentença recorrida e, consequentemente, julgar procedente a acção, anulando o acto impugnado por vício de forma, por preterição de audiência prévia (arts. 8º e 100º do CPA e 267º nº 4 da CRP).