Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:05/11/2012
Processo:08585/12
Nº Processo/TAF:23/12.7BELLE
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR PARA REGULAÇÃO PROVISÓRIA DE QUANTIAS.
ARTIGO 133.º DO C.P.T.A.
PROVA TESTEMUNHAL - ARTIGO 118.º, N.º 3 - C.P.T.A.
NULIDADE DE SENTENÇA.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 08585/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº1 e 147º do CPTA, vem, nos termos do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – Os presentes recursos vêm interpostos pelo então Requerente do despacho de fls. 53 que determinou a redistribuição dos autos ex novo e da sentença de fls. 61 e segs., do TAF de Loulé, que julgou improcedente a presente providência cautelar, em consequência indeferindo a sua concessão e absolvendo o Município requerido do pedido.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente, imputa ao despacho recorrido violação dos arts. 113º nº 1, 114º nº 1 al. c) do CPTA e 383º do CPC e à sentença recorrida a nulidade por violação dos arts. 2º nº 1, 7º e 118º nº 3 do CPTA e arts. 660º nº 2 e 511º do CPC, a nulidade das als d) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC e vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios da verdade material, do inquisitório e da tutela jurisdicional efectiva consagrados nos arts. 2º, 20º e 268º nº 4 da CRP na interpretação que fez do art. 133º do CPTA e de erro de julgamento.

O Município, ora recorrido, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos 1. a 6., de II, a fls. 62 e 63, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Relativamente ao recurso despacho de fls. 53 que determinou a redistribuição dos autos ex novo e a que o recorrente imputa violação dos arts. 113º nº 1, 114º nº 1 al. c) do CPTA e 383º do CPC.

Entende o recorrente que a presente providência cautelar deveria e deve seguir por apenso aos autos de execução sob o nº 107/06.0BELLE- B (por sua vez apensos à acção nº 107/06.0BELLE), que neste TCAS correu sob o nº 06656/10, o qual se encontra neste momento pendente no STA em reclamação da não admissão de recurso interposto para este último (cfr. certidão de fls.167).

E, na verdade, entendemos assistir - lhe razão.

Com efeito, como se afirma no Ac. deste TCAS de 13/11/2008, Rec. 04380/08 «Como escreve António Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 2ª. ed., pag. 40) “a principal função da tutela cautelar consiste … em neutralizar ou atenuar os prejuízos que para o interessado que tem razão decorrem da duração do processo declarativo ou executivo e que não possam ser absorvidos por outros institutos de direito substantivo ou processual com semelhante finalidade”.
As providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais (cfr. art. 112º., nº. 1, do CPTA), caracterizando-se, por isso, pela instrumentalidade (existem em função de uma acção pendente ou a instaurar posteriormente onde se discute o fundo da causa) e provisoriedade (a regulação que elas estabelecem destina-se a vigorar apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença a proferir na acção principal virá dizer em que termos fica definida a matéria controvertida) cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha in “Comentário ao CPTA”, 2005, pag. 554.» (bold nosso).

Assim que, nos termos dos arts. 113º nº 1 e 114º nº1 al. c) do CPTA e 383º nº 3 do CPC, devesse ter sido determinada a apensação dos presentes autos à execução de que são dependência, logo que a execução baixasse ou o presente procedimento se mostrasse findo.

Pelo que, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que tal ordene.

IV – Quanto ao recurso da sentença.

A) Relativamente à imputada nulidade por violação dos arts. 2º nº 1, 7º e 118º nº 3 do CPTA e arts. 660º nº 2 e 511º do CPC

Fundamenta o recorrente tal nulidade no facto da Mmª ter dispensado a audição de testemunhas arroladas, afastando a possibilidade de produção de prova testemunhal sobre factos constitutivos da pretensão do recorrente.

E, na verdade, afigura - se - nos assistir - lhe razão.

Poder - se - ia dizer que sendo os requisitos das alíneas a), b) e c) do art. 133º do CPTA de verificação cumulativa tal prova não se mostrava necessária por a sentença recorrida ter considerado que não era certa a aparência do bom direito (fumus boni iuris).

Todavia, a considerada inverificação do fumus boni iuris, pela sentença em recurso, apenas teve como fundamento que a sentença executiva poderia ser revogada, sendo incerta a sua procedência, isto tendo em conta apenas o facto de ter havido recurso da sentença executiva para este TCAS.

No entanto, a sentença recorrida não levou em consideração as sentenças a que se reportam os factos assentes nos pontos 1 e 2, a primeira transitada em julgado, que indiciavam plenamente um juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios de ilegalidade invocados.

Com efeito, como se pode ler no Ac. deste TCAS de 30/11/2011, Rec.08111/11 “a apreciação do fumus boni iuris estende - se sobre a aparente ilegalidade da actuação administrativa assacada pelo particular como lesiva de um direito que lhe assiste. Ou seja, a summario cognitio, no sentido da apreciação da factualidade carreada para os autos em ordem a decidir sobre os requisitos da aparência da existência de um direito e provável ilegalidade da actuação administrativa (fumus boni iuris) faz-se por recurso a um juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios (…)”.

Motivo por que, a nosso ver, sempre a sentença recorrida devesse ter considerado a existência do fumus boni iuris para efeito da al. c) do nº 2 do art. 133º do CPTA, incorrendo, em nossa opinião, em erro julgamento, como lhe é imputado, com violação desta mesma disposição legal.

E, assim sendo, que para análise e apreciação das als. a) e b) do mencionado art. 133º sempre devesse ter sido considerada a produção de prova testemunhal e, eventualmente, outras diligências de prova, nomeadamente no que se refere ao montante da quantia devida pela ora recorrida.

Com efeito, na sentença recorrida, foram dados como provados no que se refere ao periculum in mora, apenas os factos decorrentes dos pontos 4 a 6 da matéria assente, sendo certo que no r.i. o ora recorrente alegou vários factos sobre a sua carência económica, nomeadamente, no que se refere à sua impossibilidade de trabalhar; à necessidade da sua esposa cuidar dele e por isso também não poder trabalhar; da constituição do agregado familiar; de não ter meios para pagar despesas mínimas como electricidade e água; a necessidade de despesas médicas e medicamentosas, e falta de meios para as mesmas; etc.

Ora, a prova de tal alegada situação económica mostra - se imprescindível para se proceder à análise do requisito do periculum in mora das als. a) e b) do nº 2 do art. 133º do CPTA.

E, se o ónus de tal prova recaía sobre a requerente, ora recorrente,
o certo é que tendo o mesmo indicado testemunhas no r. i., a prova pretendida sobre os factos relativos à referida situação económica invocada, poderia ter sido feito pela produção da indicada prova testemunhal, o que foi inviabilizado pelo Tribunal a quo, que proferiu sentença definitiva sem sequer se pronunciar sobre a dispensabilidade ou não de tal prova.

Ora, os documentos constantes dos autos e processo instrutor não são susceptíveis de fazer qualquer tipo de prova e esclarecimento sobre os danos alegados atrás referidos e carência económica do recorrente.

E, tanto assim é que na sentença recorrida não se levou ao probatório qualquer facto sobre essa matéria.

Pelo que a produção de prova testemunhal, também a nosso ver, se mostrava indispensável à correcta apreciação dos requisitos da providência cautelar requerida, nomeadamente no que se refere à grave carência económica do recorrente e ao periculum in mora.

Na verdade, como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, em anotação ao art. 118º do CPTA “ (…) Todos os meios de prova legítimos são, pois, admissíveis, cabendo ao juiz determinar, em função do caso concreto, quais devem ser utilizados para se obter o adequado esclarecimento das questões colocadas – esclarecimento que deve ser o estritamente necessário, atendendo ao carácter sumário da apreciação que, em sede cautelar, cumpre realizar, atenta a celeridade exigida na resolução do processo.

Assim, no caso presente mostrando - se, pois, indispensável para a apreciação dos requisitos das als a) e b) do art. 133º do CPTA a produção de prova testemunhal que, no caso, a sua recusa tácita com violação do nº 3 do art. 118º do CPTA, implique a anulação da sentença recorrida nos termos do disposto no artº 712º, nº4 do CPC.

Ficando prejudicado o conhecimento das restantes nulidades invocadas e restantes vícios invocados.

V – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser dado provimento a ambos os recursos:
- revogando - se o despacho recorrido e substituindo - o por outro que determine a apensação dos presentes autos à execução de que são dependência, logo que a execução baixe ou o presente procedimento se mostre findo.
- declarando - se nula a sentença recorrida, após baixando os autos à 1ª instância, a fim do tribunal recorrido proceder ao julgamento da matéria de facto com a produção da requerida prova testemunhal e/ou outras diligências julgadas necessárias, com vista ao apuramento de dos factos pertinentes.


Lisboa, 2012 - 05 - 11

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )