Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:04/23/2015
Processo:11849/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Manuela Galego
Descritores:RECURSO.
AMPLIAÇÃO.
PROVA GRAVADA.
CASO JULGADO.
ERRO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
MIRÓS.
Texto Integral:Proc. n.º 11849/15
2º Juízo-1ª Secção Administrativa
Providência Cautelar

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUIZ DESEMBARGADORA RELATORA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE REVISTA E ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Procuradora – Geral Adjunta junto deste TCAS, não se conformando com o douto Acórdão de fls. 1038 a 1066, proferido em 12 de Fevereiro de 2015, por este Venerando Tribunal Superior nos autos supra referenciados, vem do mesmo interpor recurso de revista para o STA, o que faz nos termos do art.º 150º do CPTA, o qual sobe imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Pelo exposto, requer-se a admissão do presente recurso de revista e a sua junção aos autos.
A Procuradora – Geral Adjunta
-------------------------
Manuela Galego
Seguem alegações com prévia exposição e fundamentação para que o recurso seja admitido no STA

EXCELENTISSÍMOS SENHORES JUIZES CONSELHEIROS

DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

I – Introdução:
O Acórdão recorrido:
O Ministério Público, em defesa do património cultural e dos bens do Estado veio, ao abrigo do art.° 9.° n.° 2, do CPTA requerer a providência cautelar de intimação para abstenção de conduta por violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo, contra o Ministério das Finanças, com sede em Avenida Infante D. Henrique, 1 -1149-009 Lisboa e Secretário de Estado da Cultura, com sede em Palácio Nacional da Ajuda, 1300-018 Lisboa, como preliminar da ação administrativa comum de condenação à adoção ou abstenção de comportamento, que iria intentar, ao abrigo dos art.°s 112.°, n.° 2, aI. j) e 131.°, n.°s 1 e 3, todos do CPTA.
Pede que seja decretada provisoriamente a providência cautelar de intimação dos requeridos a absterem-se de alienar o acervo de obras de M..., que veio à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das ações do B... (B...) de forma a permitir o cumprimento dos requisitos impostos pela Lei de Bases do Património Cultural e Diretivas Comunitárias (Lei n.º 107/2001, de 8/09 – LBPC), nomeadamente a inventariação e classificação das obras, impedindo-se deste modo a realização do leilão que a leiloeira C...programou para os dias 4 e 5 de Fevereiro, por fundado receio de violação de normas do direito administrativo.
O douto Acórdão de que se recorre manteve a decisão da primeira instância que indeferiu a providência pedida e absolveu as entidades requeridas do pedido ao abrigo da al. a) do n.° 1 do art.° 120.° do CPTA, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

O douto Acórdão em apreço fundamenta-se:
a) No que concerne ao pedido de alteração da matéria de facto, e em suma com os seguintes fundamentos:
Que a decisão da 1.ª instância não é nula, não entra em contradição, não se verificou omissão de pronúncia, não ocorreu erro sobre a matéria de facto, uma parte de que não conheceu tratava-se de argumentos (conclusões 11.º e 12.º), o recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia de indicar os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, não especificou os concretos meios probatórios constantes do processo, que só cumpre tal ónus quanto aos factos provados sob os n.ºs 20.º e 21.º da BI, e por isso, apenas, aprecia esta parte da impugnação da matéria de facto, considerando irrelevante o aditamento pretendido pelo MP para a verificação do requisito “fumus boni iuris”, atendendo aos pedidos a formular na ação principal.
Invocou, para tanto, o preceituado nos art.ºs 608.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, al. d), 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 660.º e 668.º, n.º 1, al. d), do NCPC.
b) No que concerne ao invocado erro de julgamento no âmbito do art.º 120.º do CPTA, isto é dos requisitos para o decretamento da providência requerida conclui em suma:
Que a providência requerida tem natureza conservatória, faltando requisitos essenciais para a sua procedência, isto é os relativos ao “fumus non malus iuris”, já que é manifesta a falta de sucesso da pretensão a formular no processo principal, pois que nem sequer se verifica o risco, no caso sub judice, de os Requeridos alienarem as 85 obras da autoria do Pintor J... M..., que “são propriedade da P...., SA e da P..., SA – ou seja, não são propriedade dos Estado Português -, e que a decisão de venda foi tomada pelo Conselho de Administração da P...., SA”, pessoas coletivas diversas, razão pela qual não se verifica qualquer receio de alienação das mesmas, não sendo necessário apreciar as restantes condições que são de verificação cumulativa.
Assim, segundo o douto Acórdão em apreço, falta a necessidade da composição provisória do pedido formulado, por faltar desde logo o requisito do “fumus non malus iuris”, não sendo de apreciar os restantes, pelo que a providência não pode ser decretada.

De todo o modo, sempre afirma que “não sendo o Estado Português o proprietário das obras de J... M... em causa, inexiste o perigo de inutilidade, total ou parcial, da sentença que venha a ser proferida na acção principal”, em suma, outra condição de procedência da providência cautelar conservatória, isto é o “periculum in mora”.

II - Da admissibilidade do recurso de revista:
O art.º 150º n.º 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excecional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. A excecionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.
A jurisprudência desse Colendo Supremo Tribunal tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150.° n.º 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja um grau de relevância fundamental, e é o caso, tanto mais que importa clarificar as questões jurídicas suscitadas que se podem equacionar em muitos outros processos.
Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado da relevância jurídica fundamental, verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e conjugação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.
E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos.
Estamos perante um contencioso que envolve interesses públicos muito relevantes do Estado Português, relacionados com o património cultural, sendo crucial a apreciação das questões em apreço, podendo subsistir dúvidas no seu tratamento, importando delimitar a interpretação a dar aos preceitos invocados como tendo sido ofendidos.
Por outro lado, as questões publicamente suscitadas pela venda das pinturas em causa, de grande relevo cultural e de muito valor, e seu risco de saída do nosso país e venda no exterior, como aliás resulta da matéria assente, são suscetíveis de causar alarme social.
Pretendendo invocar-se omissão de pronúncia, decorrente de não ter sido apreciada a falta de impugnação dos factos constantes do Requerimento inicial, por não ter sido deduzida oposição, ou sequer apresentados quaisquer meios de prova pelos Requeridos, existindo acordo das partes relativamente a toda a matéria de facto ali invocada, tendo tal questão sido alegada no recurso interposto para o TCA Sul e não tendo sido apreciada, ocorre nulidade do Acórdão em apreço, de acordo com o preceituado na alínea d), do n.° 1, do art.º 615°, do C. P. Civil, com referência aos art.ºs 118.º, n.º 1, do CPTA, 352.º e 358.º, do C. Civil e 366.º, n.ºs 2 e 5, 574.º, n.ºs 1 e 2, e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi art.ºs 1.º e 140.º, do CPTA.
E decorrendo da conjugação dos art.ºs 352.º, 358.º, n.º 1, e 364.º, do C. Civil, que a confissão feita nos seus termos, e a falta de junção de documento quando exigida por lei, não só tem força probatória plena, como também não pode ser substituída por outro meio de prova, é possível que esse Supremo Tribunal conheça da ampliação e eliminação da matéria de facto, bem como da fixação dos factos materiais mantida pelo TCA Sul, nos termos do art.º 150.º, n.º 4, do CPTA, pois que a questão, a final, se reconduz à verificação da conformidade da decisão de facto e conclusões de direito com o direito probatório material aplicável in casu, conforme exposto.
O interesse em agir na situação em apreço ou a utilidade da procedência da presente providência cautelar (para além do adiante exposto) afere-se em função do âmbito de interesses públicos especificamente postos a cargo das entidades Requeridas e respetivas atribuições, e também das suas competência, adiante discriminadas, resultando dos art.ºs 14.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 33.º, 55.º, n.ºs 1, 2 e 3, 64.°, n.° 1, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, decorrentes do art.º 78.º, n.º 2, als. c) e e), da CRP, processo de reprivatização do B..., aprovada através do despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho de 2011, dos art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º, do DL n.º 133/2013, de 3/10, e dos art.ºs 5.º e 12.º, do DL n.º 71/2007, de 27-03 (estatuto do gestor público). Para além disso, atendendo à confissão, comprovou também o Ministério Público que o Estado Português é dono das obras de arte em apreço, ao contrário da conclusão retirada no douto Acórdão em apreço.
Entende-se que incorre, assim, o douto Acórdão sub judice em lapso clamoroso e manifesto e notório erro de apreciação ou de julgamento dos preceitos citados, assim como na apreciação e requisitos da providência em causa, previstos no art.º 120.º do CPTA, ofendendo os preceitos legais citados e os adiante indicados.
Pelo que, a intervenção do STA é de se considerar justificada in casu, em que as questões em apreço, em matéria de prova sujeita a regras que a condicionam, sendo vinculada, é de assinalável relevância, a situação em apreço tem utilidade prática, e pode, para além do exposto, a decisão recorrida, a manter-se, constituir um clamoroso erro na aplicação do direito, se o recurso não for apreciado, devendo o douto Acórdão ser sindicado e corrigido por esse Supremo Tribunal.
Impõe-se, assim, a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa, pelo que, deverá ser admitido o presente recurso de revista, face à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito em causa com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo, e sendo necessária orientação jurídica esclarecedora que possa surgir do entendimento desse Supremo Tribunal – art.º 150.º, n.ºs 1, 2 e 4, do CPTA.
III – Do Mérito do recurso de revista:
Decidiu o TAC de Lisboa com interesse para apreciação do mérito do recurso o seguinte:
«Da fundamentação de facto
Com relevo para a decisão, consideram-se indiciariamente provados os factos seguintes:
1 - Não foi ordenada a abertura de um procedimento administrativo de inventariação e classificação de qualquer das 85 obras de J... M... constantes do Catálogo da C… “M... Seven Decades of His Art”, London, 4-5 February 2014 junto aos autos pela testemunha Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A., a pedido do tribunal (depoimento da Sr. Directora-Geral do Património Cultural);
2 - Está prevista a alienação das obras do pintor J. M... através da Leiloeira C…, em Londres, nos próximos dias 4 e 5 de Fevereiro (acordo e o referido Catálogo);

3 - A Senhora Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças declarou perante a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do B..., S.A. que estavam a ser retomados os contactos com as leiloeiras internacionais S… e C...para futura alienação das obras em apreço, cf p.92 do Relatório Final da referida Comissão de Inquérito, a fls 27 dos autos;

4 - A P...., S.A. é uma sociedade anónima, constituída em finais de 2010, no âmbito do processo de reestruturação financeira do B..., com o objectivo de dar início ao processo de reprivatização do Banco, que passou pela segregação de um conjunto de activos do balanço individual e consolidado e pela sua transmissão para três sociedades, constituídas para o efeito, designadas ‘PAR’S» (P...., P... e Participadas) (acordo e depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A;

5 - O objecto social da P...., S.A. é a “prestação de serviços de consultoria;prestação de serviços administrativos, de aprovisionamento, operacionais e informáticos; aquisição para a sociedade de títulos ou de créditos e correlativa gestão de carteira de títulos ou de créditos pertencentes à sociedade. Aquisição de imóveis para revenda no âmbito destas actividades, crf certidão permanente junta no início da inquirição do Sr. Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A;

6 - No balancete provisório da P...., datado de 24.1.2014 consta a rubrica 4615 Quadros de J... M... como activos não correntes detidos para venda, cujo valor é €64 440 167,08;

7 - No contexto do processo de reprivatização do B... foi aprovada, através do despacho n.° 825/l1-SETF, de 3 de Junho de 2011, a aquisição pelo Estado Português, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, da totalidade das acções representativas do capital social da P...., S.A., ou seja a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças é o acionista único da P...., S.A., cf depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A.;

8 - Em execução do Despacho n° 825/11 do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças , de 03/06/201. que determina a aquisição pelo Estado Português, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças das ações, o Estado Português adquiriu 100% das acções representativas do capital social da P...., SA., da P..., SA e da Parparticipadas, SGPS, SA., ao B... em 14 de Fevereiro de 2012, cf informação constante do site da P...., S .A.

9 - O Relatório e Contas da P...., S.A., relativo ao ano de 2012, refere, na página 15, que uma das formas de recuperação de créditos foi através da dação em pagamento de obras de arte. Assim, «A P.... recebeu, em dação, 68 das 85 obras da colecção de quadros do pintor J... M.... No final do exercício, as restantes obras da colecção são detidas pela P... (13 obras) e pelo B... IFI (4 obras), cf também o depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A.;

10 - À data da venda do B... IFI, a que se refere o comunicado de 29.190.2013, retirado pelo tribunal do site do B... IFI, as 4 referidas obras já não se encontravam na posse do B... IFI, cf depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A.;

11 - A posse efectiva da totalidade das 85 obras em apreço pela P...., S.A. ocorreu no passado mês de Dezembro, depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A. e documentos juntos com vista à comprovação da titularidade das obras pela P…e P....

12 - No fecho do ano de 2012, o valor Ativo Bruto das 68 obras de arte €62 366 996 e o respectivo valor Ativo Líquido €36 166 741, cf Relatório e Contas de 2012 da P…., p. 24, a fls 36 dos autos;

13 - A leiloeira C...divulgou um pequeno filme, para promover o leilão, através do qual é possível confirmar a enorme qualidade e valor cultural das obras em questão, no seguinte endereço:

httpi/www.youtube.com/watch ?v=q b MJ ue72Ffl &desktop u ri =%2 Fwatch%3 Fv %3 Dqb MJ u e 72 Ffl&appdesktop) (acordo);

14 - As 85 obras em apreço estão expostas publicamente, em Londres, desde 31.1.2014, cf depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A.;

15- No dia 15 de Janeiro, um grupo de deputados à Assembleia da República solicitou à Senhora Directora-Geral do Património Cultural a abertura de um procedimento administrativo conducente a eventual classificação do fundo M..., constituído por 85 quadros do pintor J. M..., não tendo sido obtida qualquer resposta, cf depoimento da Sr.a Dr. I…, Directora-Geral do Património Cultural;

16 - A decisão de alienação das 85 obras em apreço foi tomada pelo Conselho de Administração da P...., em data não apurada, mas anterior a 5.9.2013, data em que foi deliberado contratar os serviços de colocação em leilão das obras em apreço, cf depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A. e dossier intitulado “Procedimento de Ajuste Directo para a celebração de um contrato de prestação de serviços para a colocação de obras de arte em leilão — Relatório Final” junto aos autos pela P...., S.A., a pedido do tribunal;

17 - A P...., S.A. celebrou com a Leiloeira C...um contrato de prestação de serviços para a colocação de obras de arte em leilão , na sequência do procedimento de ajuste directo com convite dirigido em 6.9.2013, a 4 empresas. Cf dossier intitulado “Procedimento de Ajuste Directo para a celebração de um contrato de prestação de serviços para a colocação de obras de arte em leilão — Relatório Final” e depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P....,SA;

18 - No caso de não se realizar o referido leilão, a P...., S.A. por força do contrato celebrado, constituir-se-à na obrigação de indemnizar a C...em montante cujo valor se situará entre 4 700 000,00 e 5 milhões de euros, cf depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A.;

19 - Em 2.11.2013 foi divulgada a notícia da venda das obras, designadamente, no Diário Económico, cf depoimento do Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A.;

20 - A Direcção-Geral do Património Cultural pediu e obteve em 15.1.2014, dois pareceres técnicos acerca da relevância cultural das 85 obras em apreço, emitidos pelos Sr.s Dr.s P…e D…, cf depoimento da Sr.a Dr.a I…, Directora-Geral do Património Cultural;

21 - Os pareceres emitidos eram ambos no sentido da grande relevância cultural das obras em apreço, cf depoimento da Sr.a Dr.a I…, Directora-Geral do Património Cultural e os pareceres em causa;

22. - No dia 16.1.2014 deram entrada na DGPC, dois requerimentos (um da P.... (72 obras) e outro da P... (13 obras) pedindo autorização de expedição temporária das obras em apreço, para o Reino Unido, cf depoimento da Sr.a Dr.a I..., Directora-Geral do Património Cultural e os requerimentos em causa;

23 - No dia 17.1.2014, a DGPC pede às 2 requerentes, a indicação da localização das obras em apreço, cf oficios juntos no decurso da audiência, a pedido do tribunal;

24 - A P...., S.A. e a P...., S.A. não responderam à DGPC, cf depoimento da Sr.a Dr.a I..., Directora-Geral do Património Cultural;

25 - Tanto a DGPC, como o Senhor Secretário de Estado da Cultura têm conhecimento de que as obras se encontram no Reino Unido, pelo menos desde 30.1.2014, cf ponto 7 do oficio da DGPC n.° 1114, de 14.1.2014 e ponto 4. do Despacho de 3 1.1.2014, da autoria do Senhor Secretário de Estado da Cultura, ambos juntos aos autos pela Sr.a Dr.a I…, Directora-Geral do Património Cultural, a pedido do tribunal;

26 - O Despacho de 3 1.1.2014, da autoria do Senhor Secretário de Estado da Cultura, é do seguinte teor:»
Aqui se dá por reproduzido o conteúdo do despacho fotocopiado e constante a fls. 578 dos autos, integrado na sentença.

«27 - O referido Despacho deu entrada nos serviços da DGPC, no dia 3.2.2014, pelas 16h, cf depoimento da Sr.a Dr.a I..., Directora-Geral do Património Cultural;

28 - Não foram apresentados pelas P...., S.A., nem pela P..., S.A. os documentos comprovativos da importações e admissões das obras há menos de 10 anos, cf dossiers relativos aos pedidos de expedição temporária formulados junto da DGPC;

29 — Não foram localizados nos arquivos da DGPC quaisquer documentos relativos às importações e admissões das obras em apreço, cf depoimento da Sr.a Dr.a I..., Directora-Geral do Património Cultural;

30—O leilão referido supra em 2. foi suspenso por iniciativa da leiloeira.

31 — O pedido de decretamento provisório da providência foi indeferido no dia 4.2.2014, cf fls. 565 e segts dos autos.

Factos não provados
Não se mostrou provado que:
1 - O Estado Português tenha adquirido um espólio de 85 obras de J... M..., consequente da nacionalização das acções do B... (B...).

2 - O Ministério das Finanças tenha exercido actos de tutela efectiva sobre as sociedades de capitais exclusivamente públicos que geriram o espólio de J. M... até ao presente.

3 - A alienação das obras em bloco, dado o seu valor, reduz sensivelmente a concorrência, dado que muito poucos pretendentes terão capacidade financeira para licitar. (não foi produzida qualquer prova quanto a este aspecto da matéria de facto)

4 - A concorrência e o potencial de valorização do acervo aumenta no caso da alienação de obras individuais ou lotes mais pequenos (não foi produzida qualquer prova quanto a este aspecto da matéria de facto);

5 — As obras em apreço valham mais de 35 M€, nem que as avaliações iniciais apontavam para montantes superiores a 100 M (não foi produzida qualquer prova quanto a este aspecto da matéria de facto).

Apreciação crítica da prova
Para além das indicações dadas relativamente a cada facto provado ou não provado, importa acrescentar o seguinte relativamente aos factos não provados n.°s 1 e 2.

Quanto ao facto não provado n.° 1, aquilo que se apurou foi que quem adquiriu as 85 obras foram duas sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, concretamente, a P...., S.A. e a P... e não o Estado.

Quanto ao facto não provado n.° 2, aquilo que ficou provado foi que o accionista único, a DGTF é representado na assembleia geral, anual, da P.... por um técnico designado pelo membro de Governo de qual depende a DGTF e sob proposta desta. Mais se apurou que o representante do Estado na última assembleia geral realizada, em Outubro/ Novembro de 2013, foi o Sr. Dr. J… que aprovou a actividade e contas da empresa.

Para além do envio dos documentos anuais relativos à aprovação da actividade e contas, o accionista não deu quaisquer instruções ao Conselho de Administração relativamente à alienação das obras em apreço ou qualquer outro acto de gestão da empresa, cf depoimentos do Sr. Dr. F…, Presidente do Conselho de Administração da P...., S.A. e da Sr.” Dr.a E..., Directora-Geral do Tesouro e Finanças»

O Venerando Tribunal recorrido não se pronunciou sobre as questões jurídicas suscitadas nas conclusões 4.ª, 5.ª e 7.ª a 9.ª, da alegação de recurso interposto pelo Ministério Público, decorrentes do facto de ali se invocar que a não dedução de oposição pelas entidades requeridas implicava uma confissão, decorrente de acordo das partes, respeitante aos factos alegados no Requerimento inicial, tendo efeito cominatório pleno, relativamente a estes mesmos factos, nos termos dos art.ºs 118.º, n.º 1, do CPTA, e 352.º e 358.º, do C. Civil e 366.º, n.º 5, e 574.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1.º do CPTA.
É dever do Tribunal apreciar todas as questões formuladas pelas partes, conforme preceitua o artigo 608.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.° do CPTA.

Não obstante, o Acórdão ora recorrido não se pronunciou relativamente à questão jurídica suscitada da invocada presunção, acordo das partes quanto aos todos os factos alegados no requerimento inicial e confissão de factos, sendo certo que não se trata de meros argumentos, considerações ou de uma questão cuja decisão tivesse ficado prejudicada pela solução dada a outras, uma vez que, invocando-se o acordo das partes ou confissão de factos, não incumbia, sequer, invocar e apreciar a matéria de facto à luz dos depoimentos prestados (art.º 608°, n.° 2 do CPC, citado).

Em face do exposto, é por demais evidente que o Tribunal a quo ao proferir o, aliás douto, Acórdão recorrido não apreciou todas as questões jurídicas de que tinha que tomar conhecimento, e que lhe foram suscitadas, sendo consequentemente nulo de acordo com o preceituado na alínea d), do n.° 1, do art.º 615°, do C. P. Civil, aplicável ex vi art.º 1.° e 140.º, do CPTA.
O princípio da livre apreciação da prova sofre restrições, nomeadamente quando a lei exija para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada (são exemplo disso as situações da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais).
Assim, por falta de impugnação especificada dos requeridos, dado o efeito cominatório invocado, a matéria de facto dada como não provada, tem que ser eliminada e dada como não escrita, em virtude de ter que ser considerada provada por acordo das partes, devendo ter sido dados como provados todos os factos articulados no requerimento inicial – art.ºs 118.º, n.º 1, do CPTA (cfr. Comentário ao CPTA, Mário Aroso de Almeida a este preceito, pág. 764, e nota 2, ao art.º 113.º, da mesma obra), 352.º e 358.º, do C. Civil e 366.º, n.º 5, e 574.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA, citados.
Por outro lado, sem nada conceder, ainda que por mera hipótese assim não se entendesse e não fosse de considerar a admissão por acordo, os Requeridos também não apresentaram, quaisquer meios de prova que pudessem inverter a seu favor o ónus da prova que sobre os mesmos impendia, não tendo conseguido inverter a presunção legal prevista no preceito, nem invocaram, por isso, também quaisquer exceções atendíveis (art.ºs 342.º, n.º 2, 344.º, 347.º, 349.º, 350.º, e 352.º e segs. do C. Civil).

Igualmente vigora na justiça administrativa o princípio da vinculação do juiz ao pedido, o qual consagra uma dupla vinculação: o juiz tem de decidir todas as questões suscitadas pelas partes e não pode conhecer outras que não essas. Este princípio retira-se do artigo 95.º, n.º 1, do CPTA. Esta vinculação deriva do princípio do dispositivo, o qual se mostra ofendido, visto que foram considerados outros factos não alegados pelas partes.

Assim, devem ser inseridos na matéria assente, para além dos que já constam desta peça processual e que não sejam de eliminar, os seguintes factos admitidos por acordo, nos termos a seguir indicados, por terem interesse para a decisão da causa e se deverem considerar confessados:
- O teor do art.º 8.º do Requerimento inicial: «O Ministério das Finanças detém os poderes de gestão do Património do Estado, tendo exercido a tutela efectiva sobre as sociedades de capitais exclusivamente público que, tanto quanto se sabe geriram o espólio de J. M... até ao presente e a Secretaria de Estado da Cultura detém a tutela do Património Cultural»
- O teor factual do art.º 10.º do Requerimento inicial nos seguintes termos: «as 85 obras do artista J... M... faziam parte dos activos do universo societário do B...; em finais de 2012, momento em que foi concluído o relatório, 17 dessas obras encontrava-se na posse da P...., S.A., enquanto as restantes 68 estavam na posse de 4 sociedades off-shore da imbricada constelação societária do grupo que integrava o B...; o valor atribuído a este acervo de arte era de cerca de 60 M€; a, então, Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, agora Ministra de Estado e das Finanças, manifestou a intenção de alienação das obras através de leiloeiras internacionais».
- O Conteúdo do art.º 13.º do Requerimento inicial nos seguintes termos: «Tal operação de reprivatização veio a concretizar-se em 14 de Fevereiro de 2012, tendo o Estado português assumido directamente todos os direitos e obrigações desta sociedade».
- O conteúdo do art.º 20.º do Requerimento inicial nos seguintes termos: «todo o espólio do pintor e artista J... M..., que em tempos pertenceu a sociedades do universo B..., passou a ser titularidade do Estado português, recebido como dação em pagamento de créditos, desde finais de 2012».
- O conteúdo do art.º 24.º, do Requerimento inicial no segmento «…que pertenceu a empresas do universo empresarial B... e agora pertence ao Estado Português…», deve ser inserido no ponto 2 da matéria de facto, a seguir à palavra «Londres».
- O conteúdo do art.º 26.º do Requerimento inicial nos seguintes termos: «A notícia da alienação deste conjunto valiosíssimo de obras de arte tem suscitado justa comoção na comunicação social, portuguesa e internacional».
- O conteúdo do art.º 27.º do Requerimento inicial nos seguintes termos: «Também a opinião pública interna se tem manifestado e mobilizado, manifestando incompreensão pela forma opaca como o assunto tem gerido e expressando apreensão pela inevitável lesão do bem comum resultante da alienação do espólio do pintor J... M..., antes pertencente a empresas do grupo B... ».
- Por consequência e em virtude do exposto deve também ser eliminada toda a matéria de facto considerada não provada acima transcrita, bem como os factos e considerações constantes e atinentes a esta mesma matéria de facto na «apreciação crítica da prova», e os factos constantes do ponto 18 da matéria de facto provada, os quais não foram invocados por nenhumas das partes, constituindo este ponto matéria de exceção que devia ter sido invocada.
Aliás, as alegadas intervenções do representante do Estado que seriam resultado de prova testemunhal, só por documento certificado podiam ser consideradas na matéria provada, pois que teriam que constar de atas das Sociedades, as quais não foram mencionadas pelo Tribunal.
Pelo que, tais factos também têm que ser considerados não escritos, tudo nos termos dos preceitos citados e do art.º 150, n.º 4, do CPTA, com referência aos art.ºs 342.º, n.º 2, e 364.º, n.º 1, do C. Civil e 662.º, n.º 1, do CPC (apenas no TCA), aplicáveis por força dos preceitos citados do CPTA.

O douto Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao entender que o Ministério Público devia ter impugnado a matéria de facto assente, mediante a impugnação e indicação concreta da prova constante do registo resultante da inquirição das testemunhas, através do invocado nas conclusões 4 a 9, 11, 13 a 15 e 23 a 29, quando ali se limita o Recorrente a invocar razões de direito e argumentação ou apreciação jurídica diversa das conclusões extraídas pelo Tribunal na sentença da 1.ª instância.
O TCA SUL infringiu as normas de direito substantivo relativas à prova por confissão e por documento, os princípios que regem a apreciação da prova e que impedem a reapreciação de factos admitidos por acordo ou confessados, nos quais não atentou, ao não apreciar e alterar a matéria de facto em conformidade com o exposto, verificando-se nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia (608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), ex vi os art.ºs 1.º e 140.º, do CPTA).

Deste modo, sem nada conceder, atendendo ao exposto é possível concluir:
No contexto do processo de reprivatização do B... aprovada através do despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho de 2011, o Estado Português adquiriu a totalidade das ações representativas do capital social da P...., SA e P..., SA, operação que se concretizou em 14 de Fevereiro de 2012, através da qual assumiu diretamente todos os direitos e obrigações desta sociedade.
Assim, as referidas sociedades estão sujeitas a todas as normas legais relativas às sociedades anónimas, designadamente ao Código das Sociedades Comerciais e às decorrentes do seu estatuto de empresa pública, de que se destacam o Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado e das Empresas Públicas.
Portanto, as empresas P...., SA e P..., SA não são empresas “particulares”, tal como mencionado, certamente por lapso, no douto Acórdão, tratando-se de entidades públicas reclassificadas no perímetro das contas públicas, integrantes do sector empresarial do Estado, detidas exclusivamente pelo Estado, o qual detém 100% do capital social e tem amplos poderes de superintendência das mesmas, podendo obstar à venda das obras de arte desde que assim o entenda, ou a essa conduta seja intimado.

Pelo que, não só decorre da lei, como dos factos que devem ser dados como assentes, o efetivo poder de disposição do acervo das obras de arte em causa, as quais entraram na titularidade do Estado, assim como o poder, em abstrato, de domínio total sobre as referidas sociedades de capitais inteiramente públicos, de conformidade com art.ºs 14.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 33.º, 55.º, n.ºs 1, 2 e 3, 64.°, n.° 1, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, decorrentes do art.º 78.º, e especialmente do seu n.º 2, als. c) e e), da CRP, do processo de reprivatização do B..., aprovada através do despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho de 2011, dos art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º DL n.º 133/2013, de 3/10, e dos art.ºs 5.º e 12.º, DL n.º 71/2007, de 27-03.

De qualquer forma, e igualmente sem nada conceder:
A propriedade de um bem cultural, quer se trate do Estado, quer de uma entidade pública ou de um particular, implica um conjunto de direitos e deveres que ultrapassam os resultantes da simples qualidade de proprietário.
No caso do Estado, naturalmente, estes deveres surgem de uma forma bastante mais intensa.
Da lei de Bases do Património Cultural citada, e sobretudo, também, do art.º 78.º da CRP, em geral, resulta um dever genérico de preservação, defesa e valorização do património cultural, segundo o qual todos têm o dever de preservar o património cultural, não atentando contra a integridade dos bens culturais, defendendo-o, conservando-o e impedindo a sua destruição, deterioração ou perda, e disponibilizando a sua fruição a toda a comunidade, incumbindo ao Estado “articular a política cultural e as demais políticas sectoriais” nesse âmbito.

Por força da natureza dos interesses públicos em causa, a legitimação passiva, interesse em agir ou utilidade na procedência do pedido, na situação em apreço, afere-se igualmente em função do âmbito de interesses públicos especificamente postos a cargo das entidades Requeridas e respetivas atribuições, previstas em normas legais que não podem ser olvidadas, independentemente da identidade do dono das obras, pertencendo ao setor público empresarial do Estado e tendo sido recebidas por “dação em pagamento” após a nacionalização do PBN.
Também não teve em conta o douto Acórdão em apreço que o Ministério das Finanças, com competência para tal através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, sob a Direção do Sr. Ministro das Finanças, tem sempre a possibilidade de obstar à venda, no âmbito dos seus poderes de tutela, independentemente de a ter ordenado ou não em concreto, e do exercício ou não em concreto de poderes de tutela no que concerne às obras em causa, atendendo aos diplomas legais citados e princípios invocados.
O Ministério das Finanças, abstratamente, por lei, detém poderes de orientação de gestão, gerais e específicas e poderes de controlo financeiro, exercidos pela Inspeção-Geral das Finanças, que compreendem, designadamente, a análise de sustentabilidade e a avaliação de legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão (art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º DL n.º 133/2013, de 3/10, e dos art.ºs 5.º e 12.º, DL n.º 71/2007, de 27-03).
Assim como a Secretaria de Estado da Cultura pode obstar à venda, podendo não autorizar a saída das obras do nosso país sem a sua prévia inventariação e classificação, dada a sua natureza de grande relevância cultural, como é o caso, e a sua eventual degradação, extravio ou saída definitiva do território nacional é suscetível de constituir “perda irreparável” para o património cultural, nos termos das normas citadas, especialmente o artigo 18.º, n.º 2, da referida Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.° 107/2001, de 8/09).
E por isso requereu o Ministério Público na presente providência que as entidades públicas em causa se abstenham de as alienar, dada a limitação legal que impõe ao Governo, mais concretamente à Secretaria de Estado da Cultura, através da Direção Geral do Património Cultural, que se pronuncie previamente relativamente à concessão de autorização de expedição para o exterior das obras identificadas, nos termos do art.º 64.°, n.° 1, da citada Lei n°107/2001, de 8 de Setembro (LBPC- cfr. também o Regulamento CEE nº 3911/92 de 9/12/1992 e Regulamento CEE, n.º 656/2004, da Comissão, de 7 de Abril de 2004 que altera o Regulamento CEE, n.º 752/93 que estabelece normas de execução do primeiro Regulamento).

A imposição deste dever tem por objetivo permitir que a Administração, através dos órgãos competentes, avalie do interesse cultural de determinados bens e tome medidas provisórias - que não dependem da prévia classificação ou inventariação (cujo pedido nem é necessário, pois que se trata de uma imposição legal) - visando a proteção do património cultural pertencente ao nosso país (n.º 3 do artigo 16º da LBPC).
A utilização do direito privado, por parte do Governo e seus órgãos, para a gestão de tarefas que continuam, materialmente, a ser públicas (administrativas), não afasta o cumprimento das obrigações da Administração para com o interesse público e os direitos e interesses legítimos dos administrados.
Salientando-se, de entre os limites de direito público que não podem ser postos de lado, o respeito pelo princípio da prossecução do interesse público e pelos princípios gerais da atividade administrativa, os quais, em face do n.º 5 do art.º 2.º do CPA, “são aplicáveis a toda e qualquer actuação da administração pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada” (Prof. José Eduardo Figueiredo Dias, Fernanda Paula Oliveira, in “Noções Fundamentais de Direito Administrativo”, Almedina, 2010, 2ª Edição, pág. 111).

No que respeita ao decretamento da Providência requerida:
O douto Acórdão recorrido considerou ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, conforme referido, pelo que não podia ser decretada a providência cautelar requerida, nos termos do art.º 120.º do CPTA.
Mas, in casu, atendendo ao exposto, disposições de Direito Administrativo vinculam a administração do património cultural a determinar a abertura e instrução de um procedimento de classificação, já impulsionado por terceiros, como demonstrado, para defesa do interesse público, nos termos dos art.ºs 25º a 30º, da citada Lei de Bases do Património Cultural (LBPC).
Tais disposições impõem que a apreciação e decisão da expedição temporária, definitiva, ou a exportação do acervo de obras de M... ocorra no âmbito desse procedimento, cujo início e processamento é obrigatório.
Logo, as entidades Requeridas, quer como detentoras de património cultural público, quer na qualidade de entidade de tutela, seja porque as obras de arte em questão pertencem ao Estado Português, devem, têm o poder e interesse em não as alienar, sem as inventariar, classificar e avaliar, pois que o interesse público decorrente da lei a tanto as obriga, o que releva e é evidente também para efeitos da ação principal.

Nas situações enquadradas no art.º 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA o decretamento das providências pelo Tribunal é quase automático na medida em que assenta em requisitos objetivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público e a tutela dos interesses em confronto, sem necessidade de fundamentar a decisão cautelar por referência aos requisitos das als. b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 120º do CPTA. Basta a verificação de um ato manifestamente ilegal.
Citando o Ac. do TCA Sul, de 1-06-2011, rec. n.º 07156/11):«…A específica norma contida no art. 120º-1-a) CPTA presume iuris tantum a utilidade da tutela cautelar (2) quando haja uma aparência muito forte de uma ilegalidade simples: o presumível conteúdo favorável da sentença de mérito a emitir no processo principal é incontestável, não admite dúvida e é quase automático..(2) Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 2007, notas ao art. 120º, onde os autores tentam lidar com a (necessária?) restrição à aplicação da al. a) (falam em «“evidência palmar”, sem necessitar de quaisquer indagações»).
O mesmo se passa na 4ª edição, de 2005, de O Novo Regime..., de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (nº 11.5.1), onde o autor fala em “especial evidência” e onde se explica que esta al. a) é uma norma derrogatória do regime de que depende em circunstâncias normais a concessão de
providências normais, em que o único propósito é proteger quem se afigure evidente que tem razão no processo principal...»

Não sendo evidente a pretensão, o juízo de probabilidade da existência do direito invocado admite-se mesmo que seja de mera verosimilhança, não sendo de exigir a prova da existência, relativamente ao direito do requerente, nos termos em que deverá ser produzida no âmbito da ação principal, bastando que se indicie uma probabilidade séria, suficientemente forte, entre a simples ou mera possibilidade e a certeza de tal direito.
Nos termos do disposto no citado art. 120.°, n.° 1, al. b) do CPTA, o juízo de probabilidade da existência do direito invocado assenta no requisito negativo de que "não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” no processo principal.
No âmbito das providências conservatórias, e é o caso, em que o interesse do requerente seja de mera conservação do status quo, no tocante à aparência do bom direito, ou fumus boni iuris, a intensidade exigida basta-se com que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão no processo principal ou a existência de causa obstativa do conhecimento de mérito - uma espécie de fumus negativo ou fumus non malus - cfr. artº 120º nº 1 b) CPTA (Ac. do TCA Sul, de 1-06-2011, rec. n.º 07156/11).
Por outro lado, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
Um dos princípios que regem o regime das providências cautelares, e que aqui importa salientar também, é o da sumariedade que consiste em que o Tribunal proceda a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos, que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal, não devendo alhear-se completamente do direito aplicável na situação concreta.

Conforme o Professor José Carlos V. Andrade, A justiça Administrativa (Lições), pág. 311, "(…) a lei basta-se com um juízo negativo de não-improbabilidade para fundar a concessão de uma providência conservatória, (...).
Na verdade, quanto ao requisito positivo de procedência do “fumus boni iuris” o CPTA opta por efetuar uma distinção em função da providência cautelar ser conservatória ou antecipatória, estabelecendo que ela deve ser mais facilmente decretada no primeiro caso do que no segundo.
Analisada a factualidade emergente dos autos não se mostra evidente a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, sendo, com o devido respeito, a apreciação efetuada no douto Acórdão recorrido, excessivamente formalista da letra da lei, no que respeita aos fundamentos, para não decretar a providência cautelar requerida.
Na presente tutela cautelar apenas se pretende uma regulação provisória de natureza instrumental e urgente, impondo-se ao Julgador uma apreciação sumária das questões submetidas ao seu crivo, suscitando o Tribunal recorrido questões que somente em sede de ação principal deverão ser apreciadas com a devida profundidade e acuidade, devendo efetuar um juízo perfunctório de simplicidade e evidência (Acórdão do STA de 13/01/2005, rec. n.º 1273/04 e citado Ac. do TCA Sul, de 1-06-2011, rec. n.º 07156/11).
No que tange ao requisito do ''fumus boni iuris", ou aparência de bom direito, cuja apreciação, é mais ténue quando se está na presença de uma providência conservatória, verifica-se um notório erro de julgamento pelo Venerando Tribunal a quo.
A colocação no mercado externo das obras do pintor J..., sem que previamente a Direção Geral do Património Cultural, por delegação de poderes e integrada na Secretaria de Estado da Cultura, tenha procedido à sua inventariação e classificação, como comprovado, constitui uma manifesta ilegalidade para efeitos da alínea a), do n.º 1, do citado art.º 120.º do CPTA, devendo as entidades Requeridas, em defesa da legalidade e do interesse público, absterem - se e obstarem à sua alienação, usando dos poderes que efetivamente detém para tal.
Tal ilegalidade em que se encontram as obras, suficientemente comprovada, assim como a prova por acordo das partes da titularidade das obras, das quais é dono o Estado Português, é suficiente para assegurar o preenchimento do requisito do fumus bonus juris qualificado estabelecido na al. a) do nº1 do artigo 120º do CPTA e para excluir a ponderação dos critérios estabelecidos nas restantes alíneas e no n.º 2 (Ac. do TCA SUL, de 20-11-2014, rec. n.º 11515/14).
Pelo que, é manifesta a procedência da ação principal, atendendo ao exposto, sem necessidade de mais indagações (Acs. citados).
Seja como for, mesmo que assim não se entendesse, e sem nada conceder, sempre se deve dar por preenchido o requisito do fumus bonus juris e o do periculum in mora, requisitos que comprovadamente ocorrem, perante a matéria alegada pelo Recorrente e assente, assim como o conhecimento emergente da experiência comum e de juízos de probabilidade.
Também errou o Tribunal a quo, ao considerar, atendendo ao exposto, que nem sequer o fumus non malus iuris se verificava, pois que, atendendo ao exposto, é evidente que não está afastada a possibilidade de o ora recorrente obter ganho de causa na ação principal.
A alínea b), do nº 1, do artigo 120º do CPTA, exige como requisito genérico da concessão de providências cautelares o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal e que, ao menos, não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular naquele processo (ou seja, o chamado fumus non malus iuris) – cfr. Acs. do STA, de 6 de Dezembro de 2012, rec. n.º 0913/12, de 11-09-2012, rec. n.º 0391/12, de 24-05-2011, rec. n.º 0253/11 e de 13-02-2014, rec. n.º 01902/13.
Com efeito, a colocação dos bens em causa no mercado externo, sem a prévia avaliação e inventariação, constitui um manifesto o risco da sua degradação, extravio ou saída definitiva do território nacional, o que é notório e público, sendo suscetível de causar “perda irreparável” para o património cultural do nosso país, e também de prejudicar financeiramente o Estado Português, existindo, com evidência, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que redundará num manifesto prejuízo de impossível reparação para o interesse público, se se aguardar pela decisão da ação principal (cfr. Ac. do TCA Sul, de 17-06-2004, rec. n.º 00179/04).
Tais interesses que se visam acautelar no âmbito deste processo, são os mesmos que se pretendem assegurar no processo principal, e que às entidades Requeridas incumbe igualmente defender.

O n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos impõe, finalmente, uma ponderação entre os prejuízos dos requerentes em caso de recusa da providência e os eventuais prejuízos para os demais interesses em presença em consequência da respetiva concessão.
No caso em apreço, conforme foi já referido os Requeridos não deduziram oposição, tratando-se, sem dúvida de matéria de exceção, a qual incumbia àqueles alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil. Assim, a falta de oposição tem o efeito cominatório complementar que consiste no necessário reconhecimento, por parte do Juiz de que, para efeitos da decisão a adotar, da inexistência de lesão para o interesse público – art.º 120.º, n.º 5, do CPTA.

Pelo que, a providência cautelar requerida devia ter sido decretada, por reunir os requisitos necessários previstos no art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, como meio de efetivação do direito invocado.

Deste modo, verifica-se um lapso clamoroso do Venerando Tribunal Recorrido que, não só incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, como também cometeu um erro ostensivo, palmar e manifesto na aplicação do direito ao caso concreto, isto é um erro de julgamento ao concluir como exposto, partindo de premissas de direito erradas, quer no que respeita à apreciação do recurso do Ministério Público, quer nos fundamentos e decisão proferida, o que prejudica de forma grave os interesses públicos em causa defendidos por esta entidade.
Uma vez que o Tribunal recorrido devia ter considerado não escrita a matéria de facto não provada e ter considerado provados os factos indicados constantes do requerimento inicial, deve o douto Acórdão ser considerado nulo e ser substituído por Acórdão que julgue inteiramente procedente a correção da matéria de facto, bem como a procedência da providência cautelar requerida, nos termos expostos, e dos art.ºs 150.º, n.ºs 1 e 4, do CPTA e art.ºs 118.º, n.º 1, do CPTA, 352.º e 358.º, do C. Civil e 574.º, n.º 2 do CPC (cfr. art.ºs 486.º, 498.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, todos do C. Civil), 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º, do CPC, aplicáveis por força dos preceitos citados do CPTA.
Esse Supremo Tribunal ao apreciar a inclusão de nova matéria de facto, ou ao considerar matéria de facto como não escrita, não excede os seus poderes cognitivos, porquanto se trata de uma questão jurídica e não uma de apreciação de erro da matéria de facto, pois que se fundamenta na ofensa de preceitos legais que estabelecem critérios que atribuem força probatória plena nesta matéria, isto é com ofensa dos art.ºs 342.º, 352.º, 356.º, 358.º, n.º 1, e 364.º, do C. Civil e demais preceitos supracitados.
Sem nada conceder, e porque se pede a ampliação dos factos assentes, caso o STA, impedido como está de julgar o erro na apreciação das provas, e de alterar e fixar os factos materiais, deverá então sindicar na mesma o Acórdão sub judice, dado o gritante erro de apreciação das provas e também de julgamento.
E, ainda, caso assim entenda, e considere não poder apreciar o deferimento da providência fixando os factos indicados, deverá proceder, mesmo assim, à anulação do Acórdão recorrido, e mandar baixar os autos à instância inferior, a fim de ser eliminada e ampliada a matéria de facto e ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conforme alegado, e produzido novo Acórdão no sentido exposto – art.ºs 150.º, n.º 4, do CPTA, conjugado com os art.ºs 682.º, n.ºs 2 e 3 e 683.º do CPC art.ºs 342.º, n.º2, 352.º, 356.º, 358.º, n.º 1, e 364.º, do C. Civil, preceitos supracitados do CPC e do CPTA, aplicáveis ex vi art.ºs 1.º e 140.º do CPTA.
O douto Acórdão recorrido ofendeu os princípios e normas citadas, isto é os art.ºs 95.º, 118.º, n.º 1 e 150.º, n.º 4, do CPTA, 574.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º, 615° n.° 1, al. d), e 662.º, n.º1, do CPC, art.ºs 342.º, n.º 2, 344.º, 347.º, 349.º, 350.º, 352.º, 356.º, 358.º, n.º 1, e 364.º, n.º 1, do C. Civil, aplicáveis ex vi art.º s 1.° e 140.º, do CPTA, e também, por erro de interpretação, o art.º 120.º, do CPTA, os art.ºs 14.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 33.º, 55.º, n.ºs 1, 2 e 3, 64.°, n.° 1, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, decorrentes do art.º 78.º, n.º 2, als. c) e e), da CRP, o despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho de 2011, os art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º do DL n.º 133/2013, de 3/10, e os art.ºs 5.º e 12.º, do DL n.º 71/2007, de 27-03 (estatuto do gestor público), devendo ser considerado nulo, revogado, retificado e substituído por outro que julgue procedente a providência cautelar requerida, nos termos expostos.

EM CONCLUSÃO:
1. Impõe-se a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao erro de julgamento clamoroso do Venerando Tribunal recorrido, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos de muito relevo e para dissipar dúvidas sobre a matéria em apreço e sobre o quadro legal que a regula, bastante complexos, havendo utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, devendo o recurso ser admitido, nos termos do art.º 150.º do CPTA.
2. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre as questões jurídicas suscitadas nas conclusões 4.ª, 5.ª e 7.ª a 9.ª, da alegação de recurso interposto pelo Ministério Público, decorrentes do facto de ali se invocar que a não dedução de oposição pelas entidades Requeridas implicava confissão, respeitante aos factos alegados no Requerimento inicial, o que tem efeito cominatório pleno, relativamente a estes mesmos factos, nos termos dos art.ºs 118.º, n.º 1, do CPTA, e 352.º e 358.º, do C. Civil e 366.º, n.º 5, e 574.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi art.ºs 1.º e 140.º do CPTA.
3. Em face do exposto, o Tribunal a quo ao proferir o, aliás douto, Acórdão recorrido não apreciou todas as questões jurídicas de que tinha que tomar conhecimento e que lhe foram suscitadas, sendo consequentemente nulo, por omissão de pronúncia, de acordo com o preceituado na alínea d), do n.° 1, do art.º 615°, com referência aos art.ºs 95, n.º 1.º do CPTA, e 608°, n.° 2, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1.º do CPTA.
4. O principio da livre apreciação da prova sofre restrições, nomeadamente quando a lei exija para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada, como seja a prova por confissão, por presunções legais e por documentos autênticos, pelo que, a matéria de facto dada como não provada, tem que ser eliminada e dada como não escrita, devendo ter sido dados como provados todos os factos articulados no requerimento inicial – art.ºs 118.º, n.º 1, do CPTA, 342.º, n.º 2, 344.º, 347.º, 349.º, 350.º, 352.º e 358.º, do C. Civil e 366.º, n.º 5, e 574.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1.º do CPTA.
5. Devem, assim, para além dos factos já assentes, ser considerados como provados, por acordo das partes e não junção de quaisquer meios de prova por parte dos Requeridos, todo o conteúdo factual dos art.ºs 8.º, 10.º reproduzido o conteúdo das alíneas a) a d), inclusive, 13.º, 26.º e 27.º, relativamente ao art.º 20.º no segmento «todo o espólio do pintor e artista J... M..., que em tempos pertenceu a sociedades do universo B..., passou a ser titularidade do Estado português, recebido como dação em pagamento de créditos, desde finais de 2012», e quanto ao 24.º o segmento «…que pertenceu a empresas do universo empresarial B... e agora pertence ao Estado Português…» deve ser inserido no ponto 2 da matéria de facto, a seguir à palavra «Londres», todos do Requerimento inicial.
6. Deve igualmente ser considerada não escrita e eliminada toda a matéria de facto considerada não provada, dos pontos 1 a 5, inclusive, e respetivas considerações que lhes respeitam, constantes da «apreciação crítica da prova», e também a matéria de facto constante do ponto 18 da matéria assente, a qual não foi invocada por nenhumas das partes e que constitui matéria de exceção,
7. sendo certo que as invocadas intervenções do representante do técnico designado pela DGTF só através das atas certificadas podiam ser dadas como provadas, tudo nos termos dos preceitos já supra citados e do art.º 150, n.º 4, do CPTA, com referência aos art.ºs 342.º, 364.º, n.º 1, do C. Civil e 662.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força das normas citadas do CPTA.
8. O douto Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao entender que o Ministério Público devia ter impugnado a matéria de facto assente, mediante a impugnação e indicação concreta da prova feita em julgamento, através do invocado nas conclusões 4 a 9, 11, 13 a 15 e 23 a 29, quando ali se limita o Recorrente a invocar o que resultava das razões de direito atrás alegadas e a sua argumentação ou apreciação jurídica diversa das conclusões extraídas pelo Tribunal da 1.ª instância.
9. As empresas P...., SA e P..., SA não são empresas “particulares”, tal como mencionado, certamente por lapso, no douto Acórdão em apreço, tratando-se de entidades públicas reclassificadas no perímetro das contas públicas, integrantes do sector empresarial do Estado, detidas exclusivamente por este que detém 100% do capital social e tem amplos poderes de superintendência das mesmas, podendo decidir não vender as obras de arte em causa, desde que assim o entenda, ou a essa conduta seja intimado.
10. O interesse em agir na situação em apreço ou a utilidade da procedência da presente providência cautelar afere-se em função do âmbito de interesses públicos especificamente postos a cargo das entidades Requeridas e respetivas atribuições, e também das suas competências, assim como dos factos que devem ser dados como assentes, resultando dos art.ºs 14.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 33.º, 55.º, n.ºs 1, 2 e 3, 64.°, n.° 1, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, decorrentes do art.º 78.º da CRP, processo de reprivatização do B..., pelo despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho de 2011, dos art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º DL n.º 133/2013, de 3/10, e dos art.ºs 5.º e 12.º, DL n.º 71/2007, de 27-03.
11. Da Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.° 107/2001 -LBPC, citada), e do art.º 78.º da CRP, em geral, resulta um dever genérico de preservação, defesa e valorização do património cultural, devendo ser disponibilizada a fruição das obras de M... a toda a comunidade portuguesa, o que incumbe, sobretudo, ao Estado, implicando para este um conjunto de direitos e deveres que ultrapassam os resultantes da sua qualidade de proprietário, e que às entidades Requeridas incumbe igualmente defender.
12. O Ministério das Finanças, abstratamente, por lei, detém poderes de orientação de gestão, gerais e específicas, e poderes de controlo financeiro, das referidas empresas, que compreendem, designadamente, a análise de sustentabilidade e a avaliação de legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão, impondo a lei que determinados negócios de disposição de bens sejam submetidos à sua prévia autorização (art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º DL n.º 133/2013, de 3/10, e dos art.ºs 5.º e 12.º, DL n.º 71/2007, de 27-03).
13. Assim como a Secretaria de Estado da Cultura pode obstar à venda, ao não autorizar a saída das obras do nosso país sem a sua prévia inventariação e classificação, dada a sua natureza de grande relevância cultural, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da referida Lei de Bases do Património Cultural – cfr. também os art.ºs 14.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 33.º, 55.º, n.ºs 1, 2 e 3, 64.°, n.° 1 da mesma LBCP.
14. Portanto, in casu, as referidas disposições de Direito Administrativo vinculam a administração do património cultural a determinar a abertura e instrução de um procedimento de avaliação e classificação nesta situação, o qual já foi impulsionado por terceiros como provado, cujo início e processamento é obrigatório, para defesa do interesse público, nos termos dos art.ºs 25º a 30º, da citada Lei de Bases do Património Cultural, o que é evidente e releva também para a ação principal.
15. Assim, as entidades Requeridas, como detentoras e guardiãs do património cultural público, quer na qualidade de representantes máximos do Estado e da comunidade no que se refere a obras de arte de grande relevo, quer no âmbito do direito de tutela, ou ainda sendo o Estado o proprietários das referidas obras, podem, devem e têm interesse em não as vender, sem as inventariar, classificar e avaliar, pois que o interesse público decorrente da lei a tanto as obriga.
16. Pelo que, a colocação no mercado externo das obras do pintor J... M..., sem que previamente a Secretaria de Estado da Cultura, através da Direção Geral do Património Cultural, tenha procedido à sua inventariação e classificação, como comprovado, constitui uma manifesta ilegalidade para efeitos da alínea a), do n.º 1, do art.º 120.º do CPTA, devendo as entidades Requeridas, em defesa da legalidade e do interesse público, absterem - se e obstarem à sua alienação, usando dos poderes que efetivamente detém para tal.
17. Tal situação de ilegalidade em que se encontram as obras, assim como a prova por acordo das partes da sua titularidade no que respeita ao Estado Português, é suficiente para assegurar o preenchimento do requisito do fumus bonus juris qualificado estabelecido na al. a) do nº1 do artigo 120º do CPTA e para excluir a ponderação dos critérios estabelecidos nas restantes alíneas e no n.º 2 do mesmo preceito (cfr. jurisprudência citada).
18. Pelo que, é manifesta a procedência da ação principal, sem necessidade de mais indagações, sendo certo que no respeita ao requisito do ''fumus boni iuris", ou aparência de bom direito, a sua apreciação, é mais ténue quando se está na presença de uma providência cautelar conservatória que devia desde logo ter sido decretada com fundamento nesta norma, sem necessidade de mais indagações, e uma vez que é evidente a procedência da ação principal (cfr. jurisprudência citada).
19. Mesmo que assim não se entendesse, e sem nada conceder, sempre se deve dar por preenchido o requisito do chamado fumus non malus iuris e o do periculum in mora, requisitos que comprovadamente ocorrem, pois que não está afastada a possibilidade de o ora Recorrente obter ganho de causa na ação principal, face ao exposto.
20. A colocação dos bens em causa no mercado externo, sem a prévia avaliação e inventariação, constitui um manifesto risco da sua degradação, extravio ou saída definitiva do território nacional, o que para além do mais é notório e público, sendo suscetível de causar “perda irreparável” para o património cultural português, e também de prejudicar financeiramente o Estado Português, verificando-se, com evidência, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que redundará num prejuízo de impossível reparação para o interesse público, se se aguardar pela decisão da ação principal.
21. Quanto à ponderação a que alude o n.º 2 do citado art.º 120º, do CPTA, dado que não foi deduzida oposição, e tratando-se, sem dúvida, de matéria de exceção, a qual incumbia àqueles alegar e provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil, verifica-se o efeito cominatório complementar a que se refere o n.º 5 do mesmo preceito, de reconhecimento necessário da inexistência de lesão para o interesse público.
22. Assim, verifica-se, com o devido respeito, a manter-se o douto Acórdão sub judice, um lapso clamoroso, erro na apreciação dos pressupostos de direito aplicáveis e um notório erro de julgamento, pelo Venerando Tribunal a quo, o qual devia ter concedido a providência cautelar requerida, instituto que se pauta por regras de cognição sumária, baseada em juízos perfunctórios de simplicidade e evidência, mera probabilidade séria e verosimilhança, sendo suficientes a aparência da existência do bom direito.
23. Esse Supremo Tribunal, ao apreciar a pedida ampliação da matéria de facto e a eliminação de outra, não excede os seus poderes cognitivos, porquanto se trata de questões jurídicas e não de erro na apreciação da matéria de facto, pois que o recurso se fundamenta na ofensa de preceitos legais que estabelecem critérios que atribuem força probatória plena nesta matéria e em erro de direito, isto é com ofensa, designadamente, dos art.ºs 342.º, n.º2, 352.º, 356.º, 358.º, n.º 1, e 364.º, do C. Civil, preceitos supracitados do CPC e do CPTA.
24. Sem nada conceder, mesmo que se venha a entender que o exposto é insuficiente para deferir a providência cautelar, perante a necessidade de modificação e ampliação da matéria de facto, então o STA, se se considerar impedido de julgar e de alterar e fixar os factos materiais, deverá sindicar na mesma o Acórdão sub judice, revogando-o, e mandar baixar os autos ao TCA Sul, a fim de ser retificada a matéria de facto e ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conforme alegado, e ser produzido novo Acórdão no sentido exposto e que defira a providência cautelar requerida – art.ºs 150.º, n.º 4, do CPTA, conjugado com os art.ºs 682.º, n.ºs 2 e 3, e 683.º, todos do CPC, ex vi art.ºs 1.º e 140.º do CPTA.
25. O douto Acórdão recorrido ofendeu os princípios e normas citadas, isto é, os art.ºs 95.º, 118.º, n.º 1 e 150.º, n.º 4, do CPTA, 574.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º, 615° n.° 1, al. d), 662.º, n.º 1, do CPC, os art.ºs 342.º, n.º 2, 344.º, 347.º, 349.º, 350.º, 352.º, 356.º, 358.º, n.º 1, e 364.º, n.º 1, do C. Civil, aplicáveis ex vi art.º s 1.° e 140.º, do CPTA, e também, por erro de interpretação, o art.º 120.º, do CPTA, os art.ºs 14.º, 16.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 33.º, 55.º, n.ºs 1, 2 e 3, 64.°, n.° 1, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, o art.º 78.º, n.º 2, als. c) e e), da CRP, o despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho de 2011, os art.ºs 10º, n.º 1, 15º, 24.º, 25.º, n.ºs 5, al. b) e 6, 37.º, n.º 1 e 39º do DL n.º 133/2013, de 3/10, e os art.ºs 5.º e 12.º, do DL n.º 71/2007, de 27-03.

Assim, Vossas Excelências deverão considerar nulo o douto Acórdão recorrido, revogá-lo, retifica-lo e substituí-lo por outro que julgue procedente a providência cautelar requerida, nos termos expostos, fazendo a costumada,
JUSTIÇA!

Juntam-se: Legais duplicados.
A Procuradora – Geral Adjunta
-------------------------
ManuelaGalego