Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/14/2014
Processo:11391/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:ART.º 37.º DO RGEU.
DISTÂNCIA ENTRE EDIFICAÇÕES.
VIOLAÇÃO DO DIREITO A UMA VIDA SADIA E EQUILIBRADA.
Data do Acordão:09/14/2014
Texto Integral:Procº nº 11391/14
2º Juízo-1ª Secção

Acção administrativa especial

Parecer do MP

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo Município de Setúbal, do acórdão que considerou parcialmente procedente a acção contra si proposta pela autora, ora recorrida, com vista à adoção pelo demandado, das medidas necessárias para a eliminação das paredes que se encontram em execução no edifício de habitação contíguo ao edifício onde reside, já que as mesmas se destinam à abertura de uma “janela” à altura de uma das janelas da casa onde habita como arrendatária, não respeitando os afastamentos previstos no artº 73º do RGEU.

Questão prévia:

Suscita a autora, ora recorrida, nas suas contra-alegações, a questão da inadmissibilidade do recurso jurisdicional interposto pela contra-interessada, proprietária dos prédios em referência, por falta de prévia reclamação para a conferência.

E afigura-se-me que terá razão.

De facto, o acórdão proferido na sequência da reclamação para a conferência por parte do Município, não se pronunciou sobre as questões suscitadas pela contra-interessada, por falta de reclamação desta, motivo pelo qual não pode ser impugnado pela mesma mediante recurso jurisdicional.

É certo que ao citado acórdão lhe faltam os elementos essenciais de uma decisão judicial, já que ao mesmo deverá ser aplicável o artº 607º por força do nº2 do artº 663º ambos do CPC. E assim sendo, também não se pronunciou sobre as questões suscitadas na reclamação para a conferência pelo Município, o que salvo o devido respeito, viola os artºs 152º nºs 2 e 3 e o artº 154º do NCPC

Porém, não vindo invocada pelas partes qualquer nulidade do acórdão recorrido, o mesmo parece que terá de manter-se (cfr artº 666º do CPC).

Deverá, pois, o recurso da contra-interessada ser rejeitado, não havendo lugar à baixa do processo para convolação do recurso em reclamação, uma vez que a mesma é extemporânea.


***

Apreciando o recurso interposto pelo Município dir-se-á que improcedem, em princípio, os fundamentos no mesmo invocados.

Segundo consta dos autos, a obra em construção ao lado da casa da autora, na parte que aqui vem contestada, já consta do licenciamento inicialmente concedido em 20-2-2008, pela CMS, e a que foi atribuído o alvará nº 144/09.

É esse licenciamento que a autora pretende aqui impugnar ( embora não o diga expressamente ), e que a sentença recorrida considerou nulo por violação do nº1 do artº 66º da CRP e al d) do nº2 do artº 133º do CPA).

Na verdade, o artº 73º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (REGEU), aprovado pelo DL nº 38382, de 7-8-1951, ao contrário do que o recorrente pretende demonstrar, aplica-se, no meu entender, à edificação em obras de conservação e ampliação , aqui em apreciação, bem como a todas as construções levadas a cabo depois da entrada em vigor do referido regime.

Segundo o artº 73º, «As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artigo 75º, não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do pavimento do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado.»

De facto, o argumento de que a autora não tem direito às condições de luminosidade e acauteladas no citado dispositivo legal, por o prédio onde habita ser anterior à entrada em vigor da norma em apreciação, não tem, salvo o devido respeito, qualquer fundamento.

Foi precisamente por a CRP estabelecer esses direitos fundamentais, mormente no, que no REGEU se introduziu a norma em análise.

Assim, sendo a construção a edificar posterior à entrada em vigor do citado artº 73º, terá que se conformar com as determinações e as distâncias no mesmo contidas.

Sobre esta matéria se pronunciou o acórdão do STA de 17-6-2003, in procº nº 01854/02, cujo sumário é o seguinte:

“I - O art.º 73º do RGEU e o artº1360º do CC têm campos de aplicação distintos.

II - O artº73º situa-se no domínio das restrições impostas pelo direito público ao direito de propriedade, com base no interesse público da salubridade e estética das edificações, a par das restrições impostas pelo direito privado, designadamente o artº1360º do CC, com base em interesses meramente particulares, dos proprietários dos prédios vizinhos.

III - A preocupação civilista é defender os interesses meramente privados dos proprietários, as relações de vizinhança, evitando a devassa do prédio vizinho. A preocupação do RGEU é evitar que se erijam edificações em terrenos acanhados e de conformação deficiente, é a ideia de que cada edificação deve ser encarada como mera parte de um todo, em que se terá de integrar harmoniosamente, valorizando-o tanto quanto possível, é evitar que os edifícios se aproximem tanto dos limites dos respectivos terrenos, que a qualidade urbana seja prejudicada no seu conjunto, é assegurar uma certa qualidade de vida às populações, é, afinal, o interesse público em garantir um ambiente urbano minimamente sadio e esteticamente equilibrado.

IV - O artº73º do RGEU é uma norma relacional, ou seja, atende à posição relativa das construções confinantes, exigindo a observância de determinadas distâncias mínimas entre elas, por razões que se prendem com a necessidade de assegurar as condições a que se alude no artº58º do RGEU.

V - Assim, tais normativos aplicam-se quer às construções novas entre si, quer às construções novas relativamente às já existentes, sendo irrelevante, dado o interesse público em jogo, já referenciado, que a edificação a construir seja uma empena cega (sem aberturas), pois não está aqui em causa a devassa do prédio vizinho”.

Quanto ao acórdão do STA de 24-9-09, proferido no processo nº 707/09, citado pelo recorrente como contendo doutrina diferente, afigura-se-nos que apenas decidiu uma questão totalmente distinta da que agora se analisa. Mas mesmo que se considere que a questão é a mesma, a verdade é que detendo a autora legitimidade para impugnar o licenciamento da construção da contra-interessada, o que está em causa é a janela ou saguão do prédio a construir e não a janela do prédio da autora.

Diz o recorrente que o acórdão não se pronunciou concretamente sobre se a obra em questão viola os parâmetros de distância exigidos no artº 73º citado.

Contudo, tal como se refere na douta sentença, confirmada pelo acórdão recorrido, “a prova que foi feita, desde o corres pondente processo cautelar, patente até pela prova fotográfica junta aos autos, demonstra que foi construída uma placa sensivelmente à altura do parapeito da janela da casa da autora, que dali se prolonga para o interior do edifício em construção e que, para além disso, foram ainda construídas paredes em cada um dos lados da janela, junto aos limites laterais desta”

É patente, também, pelas fotografias juntas aos autos que não foi respeitada a distância de dois metros para cada um dos lados da janela da recorrente com a abertura na parede do prédio em construção( cfr fls 20 a 25), o que também vem admitido pelo ora recorrente nas suas alegações de recurso jurisdicional.

Também é patente que a nova janela ou saguão, ou parede tapa totalmente as vistas da janela já existente e tira-lhe luz e visibilidade, violando, assim, o direito da autora a uma boa qualidade de vida, a um ambiente humano sadio e equilibrado, pelo que também pela violação destes direitos fundamentais constitucionalmente consignados deve ser dado provimento à acção demolindo a construção na parte que afecta estes direitos.

De todo o modo, se se considerar que a matéria de facto dada como assente é insuficiente para se dar como verificada a violação do artº 73º, então, nos termos da alínea c) do nº2 do artº 662º do NCPC, deverão os autos baixar à primeira instância para aí se produzir a prova em falta.

Nestes termos, emito parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, devendo o” acórdão” recorrido ser mantido, ou, caso se considere insuficiente a matéria de facto dada como provada, no sentido do processo baixar à primeira instância para ampliação da matéria de facto.


A Procuradora-Geal Adjunta

Maria Antónia Soares