Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:07/14/2004
Processo:00251/04
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º.Juízo - 1ª. Secção
Magistrado:Mendes Cabral
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
SISTEMA HÚMIDO
AVALIAÇÃO DO IMPOSTO AMBIENTAL
ZONA CLASSIFICADA
Data do Acordão:09/14/2004
Disponível na JTCA:NÃO
Texto Integral:Notificado nos autos supra indicados para esse efeito, o Ministério Público apresenta o seguinte parecer sobre o mérito do recurso:

O presente Recurso Jurisdicional vem interposto pelo Município de Lisboa da sentença proferida em 22.4.2004 pelo 2.º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou:

- “procedente a providência cautelar de intimação da Câmara Municipal de Lisboa para que mande parar a execução da empreitada de obra pública designada por Túnel do Marquês de Pombal, no que respeita apenas aos trabalhos relativos à estrutura do Túnel, até que seja obtida a declaração de impacto ambiental favorável, cujo procedimento deve ser desencadeado no prazo de 10 (dez) dias, com a menção de que não o fazendo haverá lugar à aplicação de sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 169 do CPTA, sem prejuízo da responsabilidade a que houver lugar nos termos do artigo 159 do mesmo Código”;

- “procedente a providência cautelar de intimação das empresas Construtora do Tâmega S.A. e C.M.E. – Construções e Manutenção Electromecânica, S.A. que, em consórcio, estão encarregues da execução da obra, ficando as mesmas intimadas para se absterem de continuar a executá-la no que respeita apenas aos trabalhos relativos à estrutura do Túnel, devendo as mesmas permanecer em obra”; e

- “improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto que aprovou parte do projecto de execução”.


*

Procedendo à análise da pertinência das doutas alegações de recurso jurisdicional, desde logo se me afigura sem razão de ser o alegado excesso de pronúncia assinalado pelo Município de Lisboa à decisão recorrida (artigo 668 n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil), no que tange à imposição de prazo àquela edilidade para regularizar a situação de AIA, e ainda no tocante à permanência do empreiteiro na obra.

Trata-se, nos dois casos, de medidas resultantes da especial natureza das circunstâncias, e adoptadas na sequência lógica da imprescindível consideração e conciliação dos interesses em presença – que de modo algum traduzem intromissão na área própria do processo principal.

De facto, e nesse âmbito, a sentença recorrida cingiu-se a um juízo necessáriamente precário quanto ao “periculum in mora”, e a admitir a eventualidade de procedência da pretensão a formular no processo principal (artigo 120 n.º 1 alínea b) do CPTA), concluindo a final pela verificação de “fumus boni juris” ou aparência de bom direito (causa justa) que levaria ao deferimento da medida cautelar.

Foram assim devidamente considerados o interesse público ambiental, e a necessidade de ingerência mínima na esfera de autodeterminação do requerido no que respeita à aferição das exigências daquele e a possibilidade de ser autorizada judicialmente a continuação dos trabalhos, “quando se apure que o prejuízo resultante da paralização da obra é considerávelmente superior ao que pode advir da sua continuação” (artigo 419 do C.P.C. ex vi do art. 1º do CPTA) ou quando e na medida em que se verifique efectiva “alteração das circunstâncias inicialmente existentes” (artigo 124 n.º 1 do CPTA).

Tal ordem de ideias presidiria igualmente à permanência dos empreiteiros na obra – não só porque a suspensão visou sómente os trabalhos da estrutura do túnel, mas também porque se tornava imperioso acautelar a segurança pública dos riscos decorrentes dum completo abandono da área onde até então decorriam os trabalhos.

Improcede pois a invocada nulidade da decisão.

Do mesmo modo não me parece merecer reparos a douta sentença do TAFL, por esta haver concluído pela violação do artigo 18 do PDM, em virtude de a construção do túnel não ser permitida em zona de sistema húmido. Efectivamente, o traçado do túnel projectado no troço entre a entrada/saída da Av. Fontes Pereira de Melo e Av. António Augusto de Aguiar à Rua Joaquim António de Aguiar localiza-se parcialmente em zona húmida (entre a Praça do Marquês de Pombal e o Parque Eduardo VII).

Aliás o próprio Município lisboeta reconheceu, em devido tempo (como decorre de fls. 294 do volume I dos presentes autos) que na Praça Marquês de Pombal, na zona contígua à Av. Fontes Pereira de Melo, se detectaram sinais da passagem de uma antiga ribeira, e bem assim a existência de linhas de água subterrâneas. E igualmente os furos de prospecção 307 e 308 comprovaram que na zona do Marquês de Pombal os níveis aquíferos situam-se a pouco mais de quatro metros de profundidade – sendo pois atravessados pelo projectado túnel (v. planta de fls. 179 e fls. 181 do vol. 2 de documentos entregues no decurso da audiência de julgamento no TAFL).

Ora, a obra de construção do túnel não se integra em nenhum dos casos em que é admissível, condicionalmente, a ocupação edificada no sistema húmido (artigo 18 do PDM, número 5) .

Vejamos agora se de igual modo procedeu correctamente a douta sentença recorrida, ao considerar legalmente imprescindível o estudo de avaliação do impacte ambiental da obra (avaliação esta que designadamente inclui pareceres especializados sobre ruídos, recursos freáticos, poluição, estudo económico e compatibilização do traçado do túnel com a linha do Metropolitano) – cujo regime jurídico se acha regulado no Decreto-lei n.º 69/2000 de 3 de Maio (RJAIA).

Desde logo, a obra em causa não parece subsumível ao conceito de auto-estrada ou estrada destinada ao tráfego motorizado - e, por esse prisma, não se justificaria a AIA.

De facto, nos termos do artigo 1º n.º 2 do RJAIA “estão sujeitos a avaliação do impacte ambiental, nos termos previstos no presente diploma, os projectos incluídos nos anexos I e II ao presente diploma e que dele fazem parte integrante”. E no referido anexo I, ponto 7, alínea b) é submetida a AIA a “construção de auto-estradas e de estradas destinadas ao tráfego motorizado, com duas faixas de rodagem, com separador, e pelo menos duas vias cada (...)”.

Por seu turno, o Plano Rodoviário Nacional constante do Decreto-lei n.º 222/98 de 17 de Junho, ao qualificar e definir as diversas estradas que o integram, fá-lo de molde a resultar claro não serem ali consideradas as vias urbanas (ruas, avenidas, arruamentos, etc.): v. o teor dos artigos 4º, 5º, 12º e 13º do citado diploma.

Considerando assim o que se dispõe no Plano Rodoviário Nacional, parece claro que o ponto 7 alínea b) do anexo I do RJAIA, ao referir-se a “estradas” não pretendeu abranger as vias urbanas, mas apenas as estradas como tal classificadas pelo respectivo diploma. E se outra fora a intenção do legislador, teria ela concerteza ficado expressamente consignada.

Excluída pois a construção do túnel da previsão deste preceito, impor-se-á determinar se, não obstante, a avaliação de impacte ambiental haveria ou não de ter lugar, no caso concreto, por outras razões legais.

A meu ver, a resposta só pode ser positiva.

Efectivamente, o procedimento administrativo de avaliação do impacte ambiental destina-se a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio ambiente (poluição, ruído, circulação da água, etc.), permitindo deste modo uma autónoma consideração da dimensão ambiental dos projectos num procedimento específico, que por sua vez, vai habilitar as autoridades administrativas a ter em conta essa vertente ecológica em posteriores procedimentos, relativos a formas de actuação futuras que possam eventualmente vir a ter lugar, designadamente no licenciamento da actividade em questão.

Deste modo, a avaliação do impacto ambiental é um meio jurídico ao serviço da realização de fins ambientais, e em particular do princípio da prevenção, já que permite evitar possíveis lesões futuras do meio ambiente, ao apreciar autónomamente as repercussões ambientais – presentes e futuras – de um projecto, num momento prévio à actuação administrativa necessária para que tal projectado empreendimento possa ter lugar.

O procedimento administrativo da avaliação do impacto ambiental é ainda um instrumento de realização dos princípios de desenvolvimento sustentável e de aproveitamento racional dos recursos disponíveis.

Sendo estes os objectivos essenciais do RJAIA, caberá agora analisar o modo como o Decreto-lei n.º 69/2000 visa satisfazer tais finalidades.

Da análise do artigo 1º e seus números 1 e 2, resulta que este diploma abrange todos os procedimentos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, enumerando a título exemplificativo alguns desses casos, ao remeter para os projectos incluídos nos anexos I e II. Prevê ainda a possibilidade de, por decisão governamental, serem sujeitos àquela avaliação os projectos que em função da sua natureza, dimensão e especiais características devam ser sujeitos a esta avaliação.

De facto, uma diferente interpretação deste preceito que restringisse a necessidade de avaliação de impacte ambiental aos casos previstos nos números 2 e 3, não só contrariaria o artigo 30 da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 7 de Abril), como colocaria em causa as finalidades deste procedimento, na medida em que dele seriam excluídos todos os projectos não constantes dos anexos I e II e os não integrantes da situação prevista no n.º 3 da disposição em apreço, ainda que a sua realização produzisse efeitos significativos no ambiente.

Tal solução impediria igualmente a concretização do princípio do desenvolvimento sustentável e aproveitamento racional dos recursos disponíveis.

Concluir-se-á assim que o RJAIA consagra um regime aberto e aplicável a todos os projectos susceptíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, definindo expressamente algumas hipóteses em que esse efeito se verifica necessáriamente (Vasco Pereira da Silva, in “Verde Cor do Direito” – Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, 2003, pags. 153 e segs.).

Relembrar-se-ão, no caso, alguns dos aspectos mais salientes: a enorme dimensão e natureza da obra, que atravessa uma zona classificada sob o ponto de vista cultural, e sensível em termos patrimoniais e em termos ecológicos (zona húmida), podendo ter implicações com o túnel do Metropolitano na zona do Marquês de Pombal/Av. Fontes Pereira de Melo. Alem disso a obra, de traçado objectivamente perigoso, apresenta uma inclinação média de 9%, chegando aos 9,4% - deste modo igualmente contrariando as directrizes comunitárias na matéria...apesar de no ponto 1.6 das próprias normas do Programa Base para Elaboração do Projecto Base ser expressamente referido que “na generalidade o projecto e correspondente obra a executar deverá obedecer a todas as normas comunitárias para túneis rodoviários urbanos com extensão equivalente á que resultará na obra final”.

Nesta conformidade, tendo em consideração as características da obra em causa, a sua dimensão e área de implantação, afigura-se claro que irá produzir efeitos ambientais significativos na zona, assim se impondo, nos termos do disposto nos artigos 1º n.º 1 do RJAIA (Decreto-lei n.º 69/2000 de 3 de Maio) e 3o da LBA (Lei n.º 11/87 de 7 de Abril de 1987), a correspondente realização da avaliação de impacte ambiental.

Face às razões que se deixam explanadas, e das quais resulta apresentar-se inteiramente correcto o sentido da douta decisão do 2º Juízo do TAF de Lisboa, emito o seguinte parecer :

Deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.