Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/27/2012
Processo:08878/12
Nº Processo/TAF:894/10.1BESNT
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO DE DESPACHO DE DEMOLIÇÃO.
LEGALIZAÇÃO DE OBRA CLANDESTINA.
VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 124.º E 125.º DO C.P.A. E DO ARTIGO 106.º DO R.J.U.E.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul

Proc. nº 08878/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do artº 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

O presente recurso vem interposto, pelo então A., da sentença proferida, a fls. 51 e segs., pelo TAF de Sintra, que julgou improcedente a presente acção e absolveu a Entidade Demandada do pedido de anulação do acto que concedeu ao A. o prazo de 44 dias úteis para proceder à demolição das obras que consistiram no aproveitamento da zona de cobertura do imóvel onde foram construídas duas habitações correspondentes ao 4º andar, direito e esquerdo, do prédio em questão.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente imputa à sentença recorrida o vício de erro de julgamento com violação do art. 106º do RJUE, art. 13º da CRP e ao que se afigura dos arts. 124º e 125º do CPA, ou seja, dos mesmos vícios de violação de lei que imputou ao acto impugnado.

A Entidade recorrida contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com base na prova documental, os factos constantes das alíneas A) a K), sob o título “Fundamentação. De facto”, de fls. 53 a 55, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Invoca o recorrente que o despacho impugnado não indicou as razões de facto e de direito que fundamentaram o juízo da obra não poder vir a ser legalizada não podendo o indeferimento por si só fundamentar a demolição da construção, e em situações em que o projecto apresentado seja objecto de indeferimento compete aos serviços apontarem soluções, que com recurso a trabalhos de correcção ou alteração permitam a legalização da obra, pelo que o mesmo carece de falta de fundamentação e de violação do art. 106º nº 2 do RJUE.

E, efectivamente afigura - se - nos assistir - lhe razão.

Como se afirma no Ac. do STA de 24/03/2011, Rec. 090/10 «O regime jurídico fixado no art.ºs 106.º do DL 555/99, de 16/12, pauta-se pelo princípio da proporcionalidade, numa lógica de impor ao executado o menor sacrifício possível, o que se traduz na impossibilidade de ordenar a demolição de obras que, apesar de ilegais, cumprem os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, ou são susceptíveis de os vir a cumprir.
Deste modo, a ordem demolição deve ser precedida por um juízo relativo à possibilidade de legalização de tais obras e de resultar desse juízo a conclusão de que ela é impossível. Este regime não elege, assim, no caso de construção ilegal, a demolição como a única medida capaz de satisfazer interesse público visto prever o aproveitamento da obra quando a Administração reconheça que a mesma é susceptível de vir a satisfazer os requisitos legais. E não se duvidará que, desse modo, a lei quer salvar não só as obras que, sem mais, cumpram aqueles requisitos, mas também as que, com modificações, os possam vir a cumprir.» (cfr. também, entre outros, Ac. do Pleno de 29/11/06, Rec. n.º 633/04, de 9/04/2003, Rec. 9/03, de 14/12/2005 Rec. 959/05 e de 16/01/2008 Rec. 962/07).

Por outro lado, como é jurisprudência pacífica, para se aferir do cumprimento do dever legal de fundamentação, consagrado nos arts. 124º e 125º do CPA e no artº 268º, nº 3 da CRP, importa verificar se, no contexto do procedimento respectivo, o destinatário do acto pôde ficar ciente do sentido da decisão e das razões que a sustentam, de modo a poder determinar - se pela impugnação do acto ou pela sua aceitação.

Ora, no caso em apreço, o ora recorrente solicitou junto do Departamento de Administração Urbanística um pedido de informação prévia sobre a viabilidade de legalização das construções (al. H) dos factos provados).

Informação essa que não foi transmitida ao ora recorrente, mas que, de acordo com o doc. nº 2 junto ao processo cautelar, foi recolhida pelo GJAPM e era no sentido de que a construção era incompatível com as regras urbanísticas aplicáveis, pelo que as obras não eram susceptíveis de legalização.

Sendo na sequência do parecer/informação daquele Gabinete Jurídico Administrativo que foi proferido o acto impugnado, onde igualmente se afirma que “estas obras não são susceptíveis de legalização, em virtude de serem incompatíveis com as regras urbanísticas aplicáveis”.

Ora, quer no parecer da GJAPM, quer no despacho impugnado, não se fundamenta qual ou o porquê da incompatibilidade com as regras urbanísticas aplicáveis, nomeadamente quais as disposições violadas e/ou característica factual da obra que constitua tal violação, bem como pretendendo o ora recorrente a sua alteração com abertura de vãos nos quartos e salas dos dois fogos e na cozinha do fogo esquerdo a abertura de um vão na respectiva placa de cobertura e na cozinha do fogo direito uma abertura de vão na parede lateral (cfr. doc. nº 7 junto à providência cautelar) nada se referiu sobre tais pretensas alterações, ou da possibilidade ou impossibilidade de correcção da obra com vista à sua legalização.

Pelo que, com tal despacho não pôde o ora recorrente ou qualquer outrem ficar ciente das razões que sustentam a decisão de demolição da obra, de forma a poder aceitá - la ou impugná - la em todos os seus aspectos, enfermando o acto de vício de forma por falta de fundamentação ou, pelo menos, de fundamentação suficiente.

E, assim sendo, que a ordem demolição não tenha sido precedida por um juízo esclarecido relativo à possibilidade de legalização de tais obras e de resultar desse juízo a conclusão de que ela é impossível, mesmo com as modificações propostas pelo ora recorrente e sua susceptibilidade ou não de correcção.

Daí que, em nosso entender, o despacho impugnado que determinou a demolição da obra viole o disposto nos arts. 124º e 125º do CPA e o art. 106º nº 2 do RJUE.

Sendo que a sentença recorrida, por dessa forma não ter considerado, viole igualmente aquelas disposições legais por erro de julgamento.

Já quanto violação do art. 13º da CRP, entendemos que o mesmo não procede por, como se afirma na sentença recorrida, não existir igualdade na ilegalidade.

IV – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser dado provimento parcial ao recurso revogando - se a sentença recorrida no que se refere àqueles vícios de falta de fundamentação e violação do art. 106º do RJUE, substituindo - a por outra que anule o acto recorrido e condene a administração a prosseguir o procedimento com o conjunto de actos necessários à verificação da possibilidade ou não de legalização das obras ainda que corrigidas, com a devida fundamentação.


Lisboa, 2012 - 06 - 27

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )