Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:10/24/2011
Processo:08127/11
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:NULIDADE SENTENÇA (SIM).
RESCISÃO DE CONTRATO.
REGULAMENTO DO FORMANDO.
NOTA DE OCORRÊNCIA /NOTA CULPA.
IMPUTAÇÕES GENÉRICAS E ABSTRACTAS.
IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO.
INDEMNIZAÇÃO.
CUMPRIMENTO ARTº 95º Nº 6 CPTA.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo então A., da sentença, proferida pelo TAF de Loulé, a fls. 106 e segs., que julgou improcedente a presente acção, por não provada, absolvendo o R. do pedido.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente imputa uma nulidade processual ao despacho saneador por violação do art. 87º nº 1 al. c) e parte final do art. 90º nº 2 ambos do CPTA e à sentença recorrida a nulidade por omissão de pronúncia da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

O recorrido, então Réu, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do saneador e sentença recorridos.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com fundamento nos documentos juntos, os factos constantes dos pontos 1 a 31, do ponto II, de fls. 109 a 115, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Nas alegações de recurso jurisdicional, suscita o Autor, a nulidade processual do despacho saneador, por violação da al. c) do nº 1 do art. 87º e 90º nº 2 ambos do CPTA, em virtude de não ter sido aberto um período de produção de prova, cabendo neste fazer - se a selecção dos factos provados e dos necessitados ainda de prova a produzir.

Acontece que a referida nulidade foi arguida pelo A., ora recorrente, nas alegações produzidas ao abrigo do art. 91º nº 4 do CPTA tendo a Mmª Juiz a quo, sobre ela se pronunciado por despacho de fls. 98 e segs., considerando - a improcedente.

De tal despacho não foi interposto recurso nos termos das disposições conjugadas dos arts. 142º nº 5 do CPTA e 691º nºs 2 al. i) e 5 do CPC, pelo que tal despacho transitou em julgado, não podendo, a nosso ver, tal questão ser agora apreciada.

IV – Quanto à imputada nulidade da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC (omissão de pronúncia).

Desde já entendemos assistir razão ao recorrente, uma vez que tendo o ora recorrente imputado, na p.i. e nas alegações formuladas na acção, vários vícios ao acto impugnado, nomeadamente, os invocados na al. g) das conclusões das alegações do presente recurso, a sentença recorrida não se pronunciou sobre nenhum daqueles vícios, deixando assim de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.

Assim, que a sentença recorrida tenha incorrido em omissão de pronúncia o que acarreta a sua nulidade.

V – Uma vez declarada nula a sentença recorrida cabe a este Tribunal ad quem conhecer dos alegados vícios nos termos do art. 149º nº 1 do CPTA.

O ora recorrente, na sua p.i. põe em causa o despacho impugnado sobretudo por referência às violações de lei em que, segundo ele, incorreu o procedimento disciplinar, designadamente no que se refere à falta de indicação dos factos concretos praticados pelo ora recorrente na “Nota de Ocorrência” e da falta de audição das testemunhas por ele indicadas.

E, efectivamente, entendemos assistir - lhe razão.

Com efeito, o despacho impugnado tem como fundamento as disposições do “Regulamento do Formando”, nomeadamente no que se refere a deveres violados e a aplicação da medida disciplinar de expulsão no processo disciplinar que lhe foi instaurado.

Estipula o art. 36º nº 1 do referido Regulamento que: “Em tudo quanto se não encontrar previsto neste regulamento, aplicam - se os Diplomas Legais e ou Normativos em vigor” (cfr. o Regulamento junto aos autos a fls. 12 e segs.)

A “Nota de Ocorrência” a que se refere o art. 27º nº 3 do citado Regulamento equivale para todos os efeitos a “Acusação/Nota de Culpa” em processo disciplinar.

Porque aquele Regulamento não contém qualquer disposição que indique as exigências que deverão constar da Nota de Ocorrência, sendo a tal respeito omissa haverá que recorrer, nos termos do atrás mencionado art. 36º nº 1 do Regulamento do Formando, ao que dispõe o art. 411º do Código do Trabalho (Lei nº 99/2003 de 27/08), já que não estamos perante regime de funcionalismo público.

Ora, dispõe o Artigo 411.º nº 1 do CT, quanto à “Nota de Culpa”: «Nos casos em que se verifique algum comportamento susceptível de integrar o conceito de justa causa enunciado no n.º 1 do artigo 396.º, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.» (bold e sublinhado nosso).


Na verdade, tal como no que respeita ao ED do funcionalismo público, conforme é jurisprudência unânime e o Conselheiro Leal Henriques o ensina in “Procedimento Disciplinar” «a acusação tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstractas, devendo enunciar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo e as infracções disciplinares que deles derivem…»

Ora, conforme resulta do facto dado como provado no ponto 27 da matéria factual assente e do doc. de fls. 79 do proc. instrutor, na “Nota de Ocorrência” apenas foram deduzidos quatro artigos, onde se aponta de forma genérica e com afirmações vagas e abstractas condutas do ora recorrente, sem contudo as concretizar e individualizar em termos de circunstâncias de tempo, modo e lugar em se que se manifestaram.

Na verdade, quer na acusação, quer no relatório final os factos consubstanciadores de infracção disciplinar, são descritos sem que sejam especificados e concretizados os factos, os quais surgem como juízos conclusivos ou mesmo de mera presunção, tratando - se de conceitos de direito não reportados a factos concretos.

O que implica que o arguido não tivesse, em concreto, possibilidade de defesa, pois ficando sem saber quais os factos concretos ocorridos em que as referidas infracções e juízos se consubstanciam que não tivesse a possibilidade de os contrariar e infirmar, ou até os confessar.

Por outro lado, tendo o ora recorrente, na resposta que deduziu à “Nota de Ocorrência”, indicado testemunhas relativamente aos quatro fundamentos indicados naquela “Nota de Ocorrência”, o instrutor não procedeu à sua audição nem justificou o facto, em violação do disposto no nº 5 do art. 27º do Regulamento do Formando.

Também o nº 2 do art. 8º do DL nº 242/88 de 07/07 estipula que: « A rescisão é feita por escrito, devendo ser indicados os factos que a motivaram» (bold nosso).

Assim, que tais deficiências e falta de fundamentação, acarretem a ilegalidade da decisão punitiva e também do acto final, consequente, de rescisão do contrato, por falta de fundamentação, em violação do art. 8º nº 2 do DL 242/88 de 07/06, art. 411º nº 1 do CT ex vi do art. 36º nº 1 do Reg. do Formando e de omissão de diligências em violação do nº 5 do art. 27º do Regulamento do Formando.

Aqui chegados e declarado anulado o acto impugnado, haveria lugar à condenação à prática do acto devido.

Todavia, uma vez que o curso de formação em causa, segundo o contrato de formação terminou em 15.10.2010, torna - se impossível reintegrar no mesmo o ora recorrente e assim reconstituir a situação que existiria não fora o acto anulado.

Por outro lado, dos autos não resultam os elementos probatórios necessários dos danos morais que o recorrente diz ter sofrido e consequentemente do montante de indemnização peticionado em alternativa.

Assim, haverá de recusar tal condenação com esses fundamentos, sendo, no entanto, de reconhecer ao autor o direito a uma indemnização, afigurando - se - nos que deverá ter lugar, para esse fim, o disposto no art. 95º nº 6 do CPTA, baixando os autos para o efeito à 1ª instância.

VI – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de:
- ser concedido parcial provimento ao recurso, declarando nula a sentença recorrida, substituindo - a por outra que anule o acto impugnado por ilegal, mas recusando a condenação à prática do acto devido, julgando improcedente tal pedido, mas reconhecendo - se à A. o direito a uma indemnização;
- determinar a baixa dos autos à 1ª instância para ser dado cumprimento ao disposto no art. 95º nº 6 do CPTA.