Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:05/18/2006
Processo:01629/06
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo - 1ª. Secção
Magistrado:Artur Barros
Descritores:COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL JUDICIAL EM MATÉRIA JURÍDICA ADMINISTRATIVA
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
LEGISLAÇÃO ANTERIOR AO CPTA
Data do Acordão:02/19/2009
Disponível na JTCA:NÃO
Texto Integral:Pretende a Recorrente que seja revogada a sentença impugnada e substituída por decisão que julgue o tribunal administrativo competente para conhecer do pleito.
Sustenta que com a entrada em vigor da reforma do contencioso administrativo devem considerar-se derrogados os artigos 63º e ss. do DL 129/98, de 13/5, que prevêem o recurso hierárquico necessário para o director-geral dos registos e do notariado e conferem competência ao tribunal judicial para conhecer do recurso contencioso da decisão deste, pelo que considera violados os artigos 2º, e 51º do CPTA, 4º, nº 1, do ETAF, 268º, nº 4, e 212º, nº 3, da Constituição.

Aceita a R. que, de acordo com a disciplina do citado DL 129/98, o acto impugnado não seria passível de recurso contencioso directo e que o tribunal competente para conhecer do recurso da decisão final a proferir em recurso hierárquico daquele acto seria o tribunal de comarca.
Simplesmente, defende que aquela disciplina foi derrogada pelos novos ETAF e CPTA, na medida em que, no seu entender, deles decorre, também por imposição do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, a eliminação da necessidade de recurso administrativo prévio. E, como tal, sustenta a impugnabilidade contenciosa directa do acto primário impugnado, que, respeitando a relação jurídico-administrativa, cabe na competência material do tribunal administrativo.

É certo que o CPTA (cfr. art. 51º, nº 1) prescinde da definitividade vertical como pressuposto processual objectivo de admissibilidade da acção especial impugnatória de actos administrativos, ao não impor a prévia exaustão dos meios graciosos.
Mas, nem por isso se pode dar por assente que, por um lado, a exigência daquela definitividade atente necessariamente contra o princípio da tutela jurisdicional efectiva(1), e, por outro, que o CPTA tenha a virtualidade de derrogar toda a normação jurídica de carácter especial que estabeleça a necessidade de recurso hierárquico prévio (2).
Pelo contrário, por regra, a exigência do recurso hierárquico necessário não colide com aquele princípio, e só na análise de cada caso concreto, se poderá verificar uma tal colisão – que não parece ocorrer na hipótese aqui em causa.

De qualquer modo - e isto é que é essencial para decidir a questão, segundo me parece -, não se vê como a eliminação dum pressuposto processual – o recurso administrativo prévio – poderia, sem mais, modificar uma norma de competência material e ser suficiente para derrogar a vontade legislativa especial de conferir competência ao tribunal judicial na matéria.
Na verdade, ainda que tivesse passado a ser passível de recurso contencioso directo o acto impugnado – e essa, em rigor, é uma questão a julgar só depois de fixada a competência, pelo tribunal competente – sempre se colocariam as mesmas questões materiais que determinaram o legislador do DL 129/98 a entregar a competência material aos tribunais judiciais, nada se alterando de substancial, para esse fim, em face da eventual impugnabilidade directa do acto impugnado, e não apenas da impugnação do acto a proferir em recurso hierárquico, como ali se prevê. Quer dizer, a eliminação do pressuposto processual da prévia exaustão dos meios graciosos nada alteraria quanto distribuição da competência material operada pelo DL 129/98.
Quanto à admissibilidade constitucional e legal, face aos artigos 212º, nº 3 da Constituição, e 1º, nº 1, do ETAF, de, excepcionalmente, ser deferida a competência material a tribunais não administrativos para julgarem causas emergentes de relações jurídicas administrativas, não parece que a recorrente equacione tal questão ex professo neste recurso.
Diga-se, em todo o caso, que a sentença recorrida a deixou adequadamente tratada em termos a que adiro, com citação de jurisprudência e doutrina no sentido de não estar consagrada uma reserva material absoluta da competência da jurisdição administrativa, que obste à atribuição excepcional de competência em matéria jurídico-administrativa a tribunais de outra ordem juridicional, como, aliás, pressupõe o artigo 192º do CPTA, ao dispor sobre a extensão da sua aplicabilidade por esses tribunais nessas hipóteses.
Não merece, pois, censura a sentença recorrida, pelo que, a meu ver, improcederá o recurso.
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(1) Cfr. Acs. do STA, entre muitos, de 13.10.05, proc. 031/04, e de 23.11.2005, proc. 0757/05, extraindo-se deste a seguinte passagem: “…a tese sustentada pela Rte da dispensabilidade do recurso hierárquico necessário para accionar a via contenciosa, em face da redacção do art.º 268.º, n.º 4 da C.R.P., não procede, como, de resto, é de há muito, posição consolidada na jurisprudência administrativa e do T. Constitucional (v. quanto a este último entre outros os acos 603/95 e 425/99).
A título ilustrativo desta posição, transcreve-se o seguinte excerto do ac. do Pleno da 1ª Secção de 19/6/01, no rec. 43.961, a cujo entendimento inteiramente se adere:
“Na verdade, quer da Revisão Constitucional pela Lei 1/89 de 8 de Junho, quer da operada pela Lei 1/97 de 20 de Setembro, a garantia de recurso contra actos lesivos, em vez de recurso contra actos definitivos e executórios, não afastou a possibilidade de o legislador impor, previamente, através do recurso hierárquico necessário, a accionabilidade do acto lesivo. A lesividade (definitiva) aparece agora com forma de accionar qualquer acto administrativo e não exclui o recurso hierárquico necessário como forma de alcançar a sua impugnação contenciosa, pelo que, nessa perspectiva, o artº 25º da LPTA não é inconstitucional.
Como se refere no Acórdão proferido no Recurso 45 398, citando as palavras do Prof. Rogério Soares, “É que, repare-se, o princípio não impõe a abertura de um recurso contencioso imediato, apenas determina que não pode recusar-se a garantia contenciosa quando há um acto administrativo. Não nos diz que voltas é que esse recurso contencioso pode ser obrigado a dar para defesa de outros valores, caso não se ponha em perigo a garantia da accionabilidade. Sendo assim, não há nada que impeça que, por boas razões (...) o interessado tenha, antes de exercitar a defesa jurisdicional, de vir esgotar a via administrativa, não é seguramente o artigo 268º nº 4 que o impede”.
Na mesma linha desse entendimento pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 495/96, Processo 383/93 de 20/3/1996 e Prof. Vieira de Andrade (Justiça Administrativa nº 0, pág. 13 e segs.), bem como outros Acórdãos posteriores do Tribunal Constitucional, todos no mesmo sentido da utilidade e necessidade do recurso hierárquico necessário, como meio de accionabilidade do recurso contencioso. E o Prof. Vieira de Andrade na referida revista, em jeito de balanço, depois de sublinhar a importância e a necessidade do recurso hierárquico necessário, não deixa de referir que só quando não for garantida, nos casos concretos, uma tutela judicial efectiva, é que poderá admitir-se o recurso contencioso imediato, quando de outro modo ficasse afectado em medida intolerável ou desrazoável o direito ao recurso contencioso".
(2) Cfr. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, I, pág. 347: “Devem, porém, considerar-se em vigor as disposições legais específicas anteriores ao CPTA que de modo claro tornavam a impugnação contenciosa dos actos praticados por subalternos dependente de prévia impugnação hierárquica (…)”; e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, págs. 262 e ss., para quem “A precedência obrigatória da impugnação administrativa mantém-se em relação aos casos especialmente previstos na lei”, citando, porém, em sentido contrário Vasco Pereira da Silva, De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico, págs. 21 e segs, em especial, 26 a 30..