Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/27/2012
Processo:009228/12
Nº Processo/TAF:0551/12.4BESNT
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:INTIMAÇÃO CONSULTA DADOS CLÍNICOS.
SEGURADORA.
CONSENTIMENTO EXPRESSO.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 09228/12 – Rec. Jurisdicional
2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )

Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº1 e 147º do CPTA, vem, nos termos do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pela Entidade Requerida, da sentença de fls. 122 e segs., proferida pelo TAF de Sintra, que julgou procedente a presente intimação e, em consequência, intimou a mesma Hospital …, a facultar ao Requerente a consulta do processo clínico de J…, a efectuar pelo médico conselheiro da Requerente, nos serviços do Hospital, advertindo a Requerente de que os documentos que lhe forem comunicados não podem ser utilizados para fins diversos dos que determinaram o acesso (nº 2 do artigo 8º da Lei nº 46/2007).

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade por omissão de pronúncia do art. 668º nº 1 al. d) do CPC, errada interpretação do nº 2 do art. 7º da Lei nº 67/98, violação do art. 26º da CRP, o Código Deontológico dos Médicos, os arts. 70º e 80º do CC, a Lei de Bases da Saúde, o DL nº 19/88, o DL nº 16/93 e o C. Penal e a Lei nº 12/2005 de 26/01.

A Requerente, ora recorrida, apresentou contra - alegações pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na decisão em recurso foram dados como provados, com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos i. a ix., de III.1., de fls. 126 a 130, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à imputada nulidade por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 al. d) do CPC).

Defende o recorrente existir tal nulidade com o fundamento de que a sentença recorrida não apreciou a questão relativa à validade do consentimento e à validade das cláusulas invocadas pela recorrida.

Mas, a nosso ver, não lhe assiste razão.

Com efeito, na sentença pode ler - se: «(…) deu o seu consentimento expresso e específico para que a Seguradora possa aceder à sua informação de saúde, na posse de qualquer médico, hospital ou clínica, ou seja aceitou que os seus dados de saúde sejam consultados pela Seguradora.
Tal consentimento foi expresso e manifestado mesmo antes da aposição da assinatura, portanto perfeitamente perceptível para qualquer cidadão médio (cf. as menções feitas no Parecer nº 103/2012 da CADA – alínea ix. do probatório). Não se trata de uma declaração anexa ou por remissão para as cláusulas contratuais gerais da apólice, nem de “letra miúda”, como alega a Entidade Requerida. Tanto mais que a assinatura do segurado foi aposta várias vezes, por cada secção, “Tratamento de dados pessoais”, “Declaração de Saúde I”, “Declaração de Saúde II” – cf. alínea iii) do probatório – e para efeitos do contrato de seguro. Estando perfeitamente perceptível quer o seu conteúdo quer o alcance da autorização em causa.
Nem existindo nos autos nenhum elemento que permita concluir que a declaração do titular dos dados não constitui uma manifestação de vontade, livre, específica e informada.».

Assim, que a sentença recorrida tenha considerado tal consentimento válido e válida a respectiva cláusula, pelo que, poderia existir erro de julgamento, mas não omissão de pronúncia, improcedendo por isso, em nosso entender, a invocada nulidade.

IV – Quanto aos imputados vícios de errada interpretação do nº 2 do art. 7º da Lei nº 67/98, violação do art. 26º da CRP, o Código Deontológico dos Médicos, os arts. 70º e 80º do CC, a Lei de Bases da Saúde, o DL nº 19/88, o DL nº 16/93 e o C. Penal e a Lei nº 12/2005 de 26/01.

Entendemos que os mesmos também improcedem.

Na verdade, a Deliberação da CNPD (doc. nº 5 junto à p.i.) – em contraposição ao parecer da CADA (doc. nº 6 junto à p.i.) – independentemente da sua competência ou não para apreciar a questão, fundamenta - se no essencial em que o “Consentimento expresso e específico significa que os titulares segurados devem prestar o seu consentimento em cláusulas contratuais que, para além de pré - definidas pelas companhias de seguros, sejam destacadas, separadas, autonomizadas no respectivo contrato. Dito de outro modo as cláusulas contratuais dos contratos de seguros … nomeadamente ao acesso a dados pessoais de saúde, devem ser inseridas nos contratos de forma destacada, permitindo que os titulares prestem o seu consentimento, por exemplo, apondo a sua assinatura em lugar próprio e autónomo para esse consentimento informado e correspectiva informação, diferente da outorga da restante parte do contrato”.

Ora, se atentarmos no doc. junto de fls. 37 a 39 (“Tratamento de Dados Pessoais”, “Declaração de Saúde I” e “Declaração de Saúde II”) constata - se que tais declarações se mostram destacadas de outras cláusulas do contrato, em partes autonomizadas e assinadas, respectivamente, pelo segurado em causa nestes autos, sendo na parte de “Tratamento de Dados Pessoais” que é consignada a autorização expressa pelo segurado ao segurador do acesso à “certidão ou certificado de óbito; documento comprovativo das causas e circunstâncias em que ocorreu o falecimento; relatório médico sobre a doença e sua evolução, se aquela for causa do falecimento;” bem como “a solicitação e acesso da mesma a outros elementos ou informações relacionadas com o estado de saúde do Segurado, anteriormente à celebração do presente contrato e, eventualmente, a proceder às averiguações que para esse efeito considere necessárias, junto das competentes entidades”.

Perante tal documento – que se afigura preencher os requisitos atrás enunciados pela CNPD – e atento, igualmente, o teor e conclusão do parecer favorável da CADA, não se vê, face ao disposto no art. 3º nº 1 da Lei nº 46/2007 de 24.08, art. 7º nº 1 da Lei nº 67/98 de 26.10 e 268º nº 2 da CRP, que o acesso ao atestado/relatório médico, com a menção da data do diagnóstico da doença que causou a morte ao segurado J…, seja um pedido que não possa ou não deva ser prestado.

Sendo que, perante tal documento, competia então à entidade Recorrente demonstrar que o segurado não foi informado e não tomou conhecimento daquela parte destacada do contrato.
Assim, conforme se pode ler no Ac. deste TCAS de 08/03/2012, Rec. 08471/12, in www.dgsi.pt/: «Existindo o consentimento ou autorização escrita da pessoa a quem os dados de saúde digam respeito – constante de uma declaração de saúde, que faz parte integrante do contrato de seguro –, em facultar à companhia de seguros toda e qualquer informação médica de que possa necessitar, detida por médicos, hospitais e clínicas, com a garantia de confidencialidade, é de reputar tal declaração como traduzindo o consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido no acesso a tal informação clínica.».

Não obstante, sempre se dirá que, tal como se afirma no Acórdão deste TCAS de 01/03/2012, Rec. 8472/12, igualmente in www.dgsi.pt/: «A Lei n.º 46/2007, de 24.08, tem aplicação num momento prévio à existência de qualquer pedido de informação ou acesso formulado por um particular ou entidade ao abrigo da Lei n.º 67/98, de 26.10. Consequentemente, a CNPD só tem de ser ouvida ou consultada relativamente ao tratamento de dados. Não numa situação em que apenas se visa o acesso a uma informação.».

Assim, dada a autorização expressa do Segurado, que não se veja qualquer violação nº 2 do art. 7º da Lei nº 67/98, ao art. 26º da CRP, ao Código Deontológico dos Médicos, aos arts. 70º e 80º do CC, à Lei de Bases da Saúde, ao DL nº 19/88, ao DL nº 16/93, ao C. Penal e à Lei nº 12/2005 de 26/01.

E, mesmo que se considerasse não haver autorização expressa, sempre a recorrida Seguradora teria um interesse directo, pessoal e legítimo no acesso à referida informação.

Nesse sentido o Acórdão deste TCAS de 13/09/2012, Rec. 09083/12, em www.dgsi.pt/, em cujo sumário se pode ler: « I. Sobre o pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, rege o artº 268º, nº 2 da CRP, os artºs. 2º nº 3, 3º nº 1, 5º e 6º nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08 (LADA) e os artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01, por estar em causa documentos administrativos nominativos, de acesso restrito, porque abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.
II. Embora não tenha sido prestado consentimento ou autorização escrita da pessoa titular dos dados de saúde à companhia de seguros, em facultar toda e qualquer informação médica de que esta possa necessitar, detida por médicos, hospitais e clínicas, com a garantia de confidencialidade, faltando, por isso, tal consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido no acesso a tal informação clínica, é de reconhecer à requerente, companhia se seguros, a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, decorrente da subscrição do contrato de seguro de vida e de uma declaração de saúde assinada pela de cujus, e do seu objetivo próprio, de atestar a causa e as circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as declarações de saúde prestadas no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. parte final do nº 3 do artº 2º e 2ª parte do nº 5 do artº 6º, ambos da Lei nº 46/2007, de 24/08.
III. Em consequência, deve ser prestada à requerente, companhia se seguros, a informação clínica da sua segurada, limitada ao atestado médico que, de entre o mais, contenha a indicação da doença e a data do diagnóstico da doença, que esteve na origem do óbito.».

Motivo pelo qual a sentença recorrida não nos mereça censura, não enfermando, a nosso ver, do erro de interpretação e violações de lei que lhe são imputadas.

V – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.


Lisboa, 2012 - 09 - 27

A Procuradora Geral Adjunta



( Clara Rodrigues )