Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:03/01/2013
Processo:09778/13
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.º Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:MEDICAMENTOS GENÉRICOS.
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO.
FIXAÇÃO DOS PREÇOS DE VENDA AO PÚBLICO.
LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO.
Texto Integral:
Procº nº 09778/13

Suspensão de eficácia

Parecer do M.P. ao abrigo do nº1 do artº 146º do CPTA

Vem o presente recurso interposto pela requerente Merk Canada INC, da sentença que considerou improcedente o seu pedido de suspensão de eficácia da AIM e fixação do PVP atribuídas pelo INFARMED à contra-interessada Tetrafarma – Produtos Farmacêuticos, Lda, relativas aos medicamentos genéricos contendo o princípio activo Montelucaste com a designação comercial de Montelucaste Tetrafarma 10 mg, concedidas às contra-interessada durante o período de vigência da patente nº 99213 e respectivo certificado complementar de protecção nº35, válido até 17-8-2014.


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A requerente, ora recorrente, aborda as seguintes questões nas suas alegações de recurso jurisdicional:

1 – Efeito do recurso jurisdicional

2- Aditamento à matéria de facto

3– Existência dos pressupostos contidos na alínea a), b) e c) do nº1 do artº 120º do CPTA, dados como não provados pela sentença recorrida, bem como o requisito constante do nº2 do artº 120º, necessário ao deferimento da suspensão de eficácia.

1 – Efeito do recurso jurisdicional

Segundo a recorrente, deveria ter sido dado efeito suspensivo ao recurso nos termos do artº 143º nº1 do CPTA, uma vez que o efeito devolutivo a que se reporta o nº2 do mesmo artigo deverá ser atribuído, apena, quando se está perante uma sentença que tenha decretado a “adopção” da providência cautelar.

Parece-nos, no entanto, que só em parte lhe assiste razão.

De facto, o nº2 do artº 143º do CPTA constitui uma excepção ao que refere o seu nº1, pelo que não admite interpretação analógica mas admite interpretação extensiva nos termos do artº 11 do CPC.

Ora, afigura-se-nos que a letra do nº2 é bem clara ao consignar apenas duas excepções uma das quais é a de ser “adoptada” a providência requerida.

É aliás, o que também acontece em processo civil, sendo que o recurso interposto de decisão que não adopte uma providência tem efeito suspensivo ( cfr alínea d) do nº3 do artº 692º do CPC).

Também no âmbito da LPTA existia esta diferenciação entre recurso da sentença que suspendia a eficácia com efeito meramente devolutivo, nos termos do nº2 do artº 105º e recurso da sentença que considerava o pedido improcedente, com efeito suspensivo (cfr anotação 3. Ao artº 113º in Contencioso Administrativo anotado e comentado, 2ª edição, de José Manuel dos Santos Botelho).

E parece que faz sentido que assim seja, uma vez que a não adopção da providência no caso presente, não deve implicar a nosso ver, a cessação automática dos efeitos do acto suspendendo prevista no nº1 do artº 128º do CPTA, mantendo-se os mesmos até trânsito em julgado da decisão recorrida.

Isto excepto quando existe uma declaração fundamentada devidamente aceite, ou uma oposição a esta regra devidamente fundamentada e justificada como é o caso presente em que o Infarmed nas suas contra-alegações alude, como devia aludir, aos notórios e graves prejuízos que para a saúde pública, para as finanças públicas e para a imagem de Portugal na CE, acarreta a suspensão de eficácia aqui solicitada.

Neste caso, uma vez que o Infarmed deve poder, de imediato, executar o acto suspendendo, por razões de manifesto interesse público, não pode o recurso ter efeito suspensivo, aplicando-se o nº3 do artº 142 do CPTA.

Nestes termos, deverá no nosso entender, este TCAS manter, no caso vertente e pelas razões invocadas pelo Infarmed, o efeito devolutivo dado ao presente recurso jurisdicional.

2. Aditamento à matéria de facto :

2.1. Segundo a recorrente, a sentença não fixou como factualidade assente, que o ingrediente ”Montelucaste” é produzido/sintetizado pelo processo descrito nas reivindicações da PT 99213.

Contudo, a patente não interfere com a AIM dado que a sua existência apenas vinculava a contra-interessada a não comercializar o produto, caso se verificasse a validade da patente e até à sua caducidade.

Assim sendo, os actos objecto deste pedido de suspensão de eficácia, da autoria de entidades públicas, nada têm a ver com a existência da patente.

Nestes termos, não cabe apreciar, neste processo, a sua validade para efeitos de impedir a comercialização do medicamento genérico em causa, onde se inclui a questão de saber se o processo de fabrico utilizado pela contra-interessada é o patenteado.

Seriam, aliás, os tribunais administrativos incompetentes para o efeito, uma vez que se trata duma questão de natureza privada em que as partes envolvidas são empresas privadas, sendo, actualmente estas questões dirimidas através do recurso obrigatório à arbitragem necessária ( cfr artº 2º e 3º da Lei nº 62/2011, de 12-12).

Estes argumentos decorrem actualmente, clara e inequivocamente, das alterações efectuadas pela Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, aos arts 19 nº 8, 25 nº2 e3 e 179º nº2 do Estatuto do Medicamento aprovado pelo DL nº176/06, de 30-8,bem como do artigos 23-A, pela mesma aditado ao citado Decreto-Lei.

A referida Lei tem natureza interpretativa nos termos do seu artº 9º, pelo que apenas vem clarificar o que já constava do DL nº 176/06.

Não podemos deixar de concluir, em face do exposto, que a matéria que se pretende que fosse fixada como relevante, diz respeito à existência de uma patente, pelo que nada interessa para a decisão desta providência, pelo que bem andou o Mmo Juiz a quo em não a relevar.


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3 – Existência dos pressupostos necessários ao deferimento da suspensão de eficácia.

3.1.A sentença proferida nos autos considerou que não existe evidente procedência da pretensão formulada no processo principal, dando como não verificado o requisito constante na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA.

Considerou, ainda, que a atribuição da AIM ou a fixação da PVP não pressupõe a comercialização efectiva do medicamento genérico. Assim, entendeu que a prolação dos actos suspendendos não causarão à recorrente prejuízos de difícil reparação ou verificação de um facto consumado, pelo que considerou não se verificar o periculum in mora. Em termos da “ponderação de interesses” considerou ser mais relevante o interesse público da imediata eficácia da AIM, do que o interesse da requerente nessa suspensão.

3.2 A recorrente nas suas alegações defende a manifesta procedência da acção principal bem como a existência do periculum in mora e da ponderação de interesses a seu favor, baseando-se na vasta jurisprudência do TCAS que tem considerado de suspender a eficácia em casos semelhantes.

3.3.Contra-alegou o INFARMED pugnando pela manutenção do julgado.


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A. Quanto ao requisito contido na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA.

3.4. Tal como bem decidiu a douta sentença recorrida, na senda, aliás, do entendimento jurisprudencial unânime quanto a esta questão, não se verifica este requisito da manifesta ilegalidade do acto suspendendo e consequente evidente procedência da acção principal.

E isto desde logo porque era controversa, até à entrada em vigor da Lei nº 62/2011, e tem sido amplamente discutida, conduzindo à prolação de decisões diversas, nomeadamente a questão da obrigatoriedade ou não de apreciação, pelo INFARMED, da existência de patentes.

Ademais, nenhum dos vícios de violação da lei ou da Constituição, invocados nas conclusões das alegações da recorrente, são igualmente de manifesta procedência.

De facto, todos esses vícios se prendem com a defendida intervenção da recorrente no processo de atribuição, à recorrida da AIM, decorrente do seu alegado direito de propriedade violado, por desrespeito da patente.

Ora, com a entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12-12, essa “manifesta procedência” tornou-se ainda mais longínqua, senão impossível.

Assim, está totalmente arredada, neste momento, a verificação deste requisito.


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B. Quanto aos requisitos constantes das alíneas b) e c) do nº1 do artº 120º do CPTA - periculum in mora e fumus non boni iuris.

3.5.Concordamos inteiramente com a sentença proferida, a qual integra, na sua essencialidade, o entendimento que vimos defendendo reiteradamente em casos semelhantes, pelo que nos limitamos a reproduzir os argumentos que invocámos, a título de exemplo, nos processos nºs 07947/11 e 07948/11, agora tendo também em vista as alterações e aditamentos introduzidos pela Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, e a douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

3.6. É verdade que a Jurisprudência deste TCAS inicialmente se inclinava, quase maioritariamente para, em casos semelhantes, suspender a eficácia da AIM e também da fixação do PVP, dando como verificada a existência duma patente integrante dos direitos de propriedade das sociedades farmacêuticas que comercializam o princípio activo que também integra o medicamento genérico que se pretende ex novo introduzir no mercado e, consequentemente, considerando que a AIM concedida nestes casos pelo INFARMED, é ilegal por não ter apreciado in totum todas as limitações impostas pelo ordenamento jurídico a essa introdução no mercado e, nomeadamente, as previstas no Código de Propriedade Industrial.

Não concordamos, salvo o devido respeito, com este entendimento.

3.7. Na verdade, existe um processo de AIM dos medicamentos genéricos, devidamente regulamentado, aí se estabelecendo, taxativamente, não só as respectivas fases, como as razões que levam ao seu indeferimento.

É o que, aliás, também acontece nos processos centralizados de obtenção de autorização de introdução no mercado, da competência da Comunidade Europeia, cujo Regulamento (CE) n.º 726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, estabelece no nº2, do artº 18º, que a AIM “só pode ser concedida, recusada, suspensa, retirada ou revogada em conformidade com os procedimentos e pelas razões previstas”.

Em consonância com esta norma, o nº2, do artº 179º, do DL nº 176/06, com a nova redacção dada pela Lei nº 62/2011, estipula que “a autorização ou registo de introdução no mercado de um medicamento, não pode ser alterada, suspensa ou revogada, com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial”

3.8. Já antes da entrada em vigor desta Lei, de acordo com a referida directiva comunitária, o DL nº 176/2006, de 30-8, que aprovou o actual Estatuto do Medicamento (EM), revogou o anterior regime estatuído pelo Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, cujo artigo 19.º estipulava o seguinte:

1 - São considerados medicamentos genéricos aqueles que reúnam cumulativamente as seguintes condições:

a) Serem essencialmente similares de um medicamento de referência, de acordo com o previsto nas alíneas i) e j) do artigo 2.º;

b) Terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico; ( destaque nosso).

c) Não se invocarem a seu favor indicações terapêuticas diferentes relativamente ao medicamento de referência já autorizada,

2 - A exigência de demonstração da bioequivalência, para a concessão da autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos, segue estritamente o disposto nas normas comunitárias sobre a matéria.

3.9. Em consonância com este normativo, estipulava o nº1, do artº 20º, do mesmo Decreto-Lei que “a autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos está sujeita ao disposto na secção I deste capítulo, com as alterações decorrentes do estabelecido no artigo anterior”

Isto significava que a requerente, no âmbito do anterior Estatuto do Medicamento, teria que instruir o seu pedido de AIM com documento que comprovasse “terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico”.

3.10. Ora, nos termos do DL nº 176/2006, de 30-8, tal exigência tinha deixado de existir, referindo o seu artº 25º nº1, taxativamente que “o requerimento de AIM é indeferido sempre que um dos seguintes casos se verifique:

a) O requerimento, apesar da validade, não foi apresentado em conformidade com o art. 15º.;

b) O processo não está instruído de acordo com as disposições do presente decreto-lei ou contém informações incorrectas ou desactualizadas;

c) O medicamento é nocivo em condições normais de utilização;

d) O efeito terapêutico do medicamento não existe ou foi insuficientemente comprovado pelo requerente;

f) A relação benefício/risco é considerada desfavorável, nas condições de utilização propostas;

g) O medicamento é susceptível, por qualquer outra razão relevante, de apresentar risco para a saúde pública”.

3.11. Por sua vez, também o artº 15º citado na alínea a) do dispositivo legal transcrito, não prevê qualquer prova da caducidade da patente como requisito da AIM de um medicamento genérico.

Verifica-se, assim que, para um medicamento ser considerado genérico, não é necessário que tenham caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico, pelo que o INFARMED, atentos os citados artºs 25º( este com a redacção dada aos seus nºs 2 e 3 pela Lei nº 62/2001) e 15º do E.M., não pode recusar a AIM com base na existência duma patente ainda em vigor.

Parece-nos, efectivamente, clara, a intencionalidade da alteração legislativa neste sentido.

3.12. Isto não obsta a que, como se refere no acórdão do TCAS de 14-2-08, in procº nº 03165/07 “a AIM não confira aos particulares direitos de que não sejam titulares relativamente à comercialização de medicamentos, não os dispensando, por isso, da sujeição aos exclusivos resultantes das patentes nem da responsabilização civil ou criminal (cfr. art. 14º. Nº4 do EM)

Porém, quanto a nós e salvo o devido respeito, a conclusão a tirar desta asserção, não é a mesma do acórdão citado, mas sim a de que é aos particulares ou empresas requerentes, que compete “o não exercício de direitos de que não são titulares”, sob pena de serem responsabilizados por isso, e não ao INFARMED o dever de fiscalização nessa matéria.

Ou seja, a eventual ilicitude de condutas tanto a nível do direito comercial como do direito criminal, incluindo a validade da patente, terá que ser discutida entre as partes da relação jurídica donde emanou a conduta indevida e no foro próprio.

Portanto, no foro do Contencioso Administrativo e, em particular, num processo cautelar, não pode dar-se como assente a existência de uma patente que não se sabe se é válida, para servir de fundamento principal à suspensão de eficácia de um acto administrativo cuja prolação não depende da inexistência daquela.

3.13. Mas assim sendo, não se poderá considerar a AIM, à qual não foi atribuída a violação de qualquer dispositivo constante do Estatuto do Medicamento em vigor, causa adequada de qualquer dano que a Requerente invoca neste processo.

De facto, a verificação de qualquer circunstância danosa para esta, advirá duma relação de direito privado que se estabelecerá entre esta, alegadamente detentora duma patente que lhe confere direitos, e a recorridas, sendo o eventual conflito de interesses assim gerado, dirimido pelo recurso à arbitragem nos termos regulados pelo actual EM.

Efectivamente, não nos parece de todo incompatível a existência dessa patente com a comercialização de medicamento genérico, podendo, por exemplo, ser feito um acordo de cedência do produto patenteado.

Se assim não fosse, verificar-se-ia a impossibilidade quase total de introdução dos medicamentos genéricos no mercado, sendo certo que, como é sabido, em muitos casos coexistem no mercado medicamentos genéricos( vários) e não genéricos ( vários) com o mesmo princípio activo e comercializados por empresas diferentes ou até pela mesma empresa embora com designações diferentes .

A existência de nexo causal entre o dano e o acto suspendendo tem vindo a ser considerada necessária unanimemente pela jurisprudência do STA (cfr, entre muitos, os acs do STA de 29-1-91, de 3-7-03 e de 19-3-03, in recºs nºs 028742, 0782ª/03 e 0484/03, respectivamente).

Assim, nos termos do último acórdão citado “Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto (v. entre outros, acórdão de 30.11.94, recurso º 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes)”.

3.14. Portanto, o requisito do periculum in mora constante das alíneas b) e c) do nº1 do artº 120º do CPTA, não poderia dar-se como verificado, tal como bem decidiu a douta sentença recorrida ( cfr, neste sentido, os acórdãos deste TCAS in recºs 03247/07 e 03222/07).


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3.15. Não podemos, também, deixar de sublinhar mais um ponto essencial que decorre da alegada violação do direito fundamental e que é o direito de propriedade industrial decorrente do registo da patente, supostamente corolário do direito de propriedade privada constitucionalmente consignado, que a Recorrente defende que lhe assiste sobre o princípio activo comum ao medicamento de referência que comercializa e aos medicamento genéricos que as Requeridas pretendem introduzir no mercado.

Realmente e salvo o devido respeito, não podemos concordar com o “individualismo possessivo” que a Requerente imprime à defesa do que considera serem os seus direitos, como se estes fossem os únicos direitos a considerar na problemática que aqui nos ocupa e tem ocupado os Tribunais Administrativos nos últimos tempos, da relevância que assume um princípio activo patenteado, para a introdução no mercado de medicamentos genéricos com o mesmo principio activo.

E isto porque, simplesmente, consideramos que está em jogo não apenas o direito à propriedade industrial – aliás sem assento constitucional específico – mas muitos outros direitos, alguns, esses sim, com assento constitucional específico, como o direito à saúde a que se reporta o artº 64º da CRP, de que é corolário lógico o direito consignado na alínea e), do nº3 deste dispositivo constitucional, bem como o direito dos consumidores à protecção do Estado estatuído na alínea e) do artº 99º da C RP.

É, em face dos interesses sociais em jogo, que a introdução dos genéricos em Portugal e também em muitos outros países, obedece a legislação própria e específica com vista à prossecução duma política integrada de defesa da saúde.

Nesta senda e para além da própria lei não o exigir, não se pode aqui relevar, sem mais, em nosso entender, o registo da patente, com preterição de todos os outros direitos e interesses em jogo.

Isto, salvo se se provar no foro próprio, que houve efectiva violação da patente e que essa violação acarreta responsabilidade civil e criminal, como já se referiu.

De facto, a defesa que faz a Requerente, de que a introdução no mercado dum medicamento genérico com as mesmas características e propriedades de um medicamento de referência “só pode ser autorizada quando não existam patentes válidas eficazes relativas ao medicamento de referência”, para além de, no nosso entender, não merecer qualquer apoio legal, é uma violação não só dos interesses privados que também existem na comercialização dos genéricos, idênticos, aliás, aos da proprietária da patente, mas também e sobretudo dos direitos dos cidadãos, quer directamente dos seus direitos no âmbito da saúde, quer indirectamente dos direitos que lhes advêm do benefício que o Estado retira da comercialização dos genéricos em termos económicos.

Tal resulta, temos para nós que inequivocamente, do facto dos direitos de propriedade – onde se poderá incluir o direito de propriedade industrial – por mais relevantes que sejam, - não serem direitos absolutos, sofrendo as restrições prevista na lei e na Constituição, nomeadamente enquanto são susceptíveis de colidir com outros direitos de igual ou superior importância, como nos parece ser o caso dos autos ( cfr, sobre esta problemática, as anotações ao artº 62º da CRP in Constituição da República Portuguesa Anotada, I volume de V.Moreira e J.J.Gomes Canotilho e em especial o recente acórdão do STA de 8-9-11in procº 0508/11).

3.16 Ora, uma das restrições ao direito de propriedade de uma patente protectora dum princípio activo é, para nós, o facto da lei prever expressamente a concessão de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos pelo INFARMED e a consequente e necessária fixação dos preços de mercado, sem que tais medidas possam ser recusadas com base na existência de uma patente, como decorre da alteração legislativa levada a cabo pelo DL nº 176/2006, de 30-8 que revogou anterior legislação que o permitia, bem como actualmente da lei nº 62/2011 a qual, como já referimos, veio afastar mais claramente as questões sobre propriedade industrial da aprovação dos medicamentos genéricos.

De facto, não faz, a nosso ver, qualquer sentido, a lei prever a AIM e a fixação do PVP de medicamentos genéricos com vista à protecção de direitos sociais e económicos, e depois, na prática, dar-se relevo apenas a um direito de propriedade da patente estritamente privado e de forma alguma absoluto, para justificar um total impedimento da comercialização do medicamento genérico.

3.17.Como é sabido, os direitos de propriedade não são absolutos sofrendo as restrições que a lei lhes impõe e que são muitas.

Veja-se o caso das restrições ao direito de construir, ao direito de condução automóvel, ao direito de habitação, todas restritivas de direitos de propriedade.

Com semelhança ao caso presente – mutatis mutandis - temos a autorização ou atribuição de licença a um particular, para construir por parte de uma Câmara Municipal. Se essa licença respeitar todas as normas respeitantes ao licenciamento terá que ser atribuída.

Mas poderá acontecer que um outro particular se considere lesado não com a construção, mas com a colocação, pelo proprietário da construção, de materiais necessários a essa construção, no seu terreno.

Ora, também aqui a atribuição da licença foi a decisão central que permitiu (ou obrigou) a invasão do terreno vizinho. Sem esta, tal invasão não teria acontecido.

Contudo, seria impensável, o proprietário do terreno invadido, pedir responsabilidades à CM - ainda que o construtor não dispusesse de qualquer outro meio de colocar os materiais - com o argumento de que deveria ter respeitado os direitos de propriedade dos vizinhos do prédio a construir.

E isto precisamente porque a causa invocada – licenciamento – não é adequada à produção do dano, tal como as AIMs não são adequadas a violar uma patente.

Por outro lado, manter durante anos suspenso - que pode, em teoria, atingir os vinte ou mais se considerarmos os CCPs, através de sucessivas prorrogações do direito patenteado, um processo de autorização que a lei permite e regula -, à espera que a patente perca a validade, não poderia merecer apoio legal, sob pena da violação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. E o mesmo aconteceria caso as entidades públicas optassem por indeferir o pedido de AIM com base na existência da patente, impedindo a comercialização de genéricos contra a política de saúde fomentada pelo próprio Governo.

Não se verifica, pois, o requisito do periculum in mora, motivo pelo qual se torna desnecessário proceder à apreciação do requisito do fumus non boni iuris também contido nas alíneas b) e c)do nº1 do artº 120º do CPTA, uma vez que a existência destes requisitos é de verificação cumulativa.

C. Quanto ao requisito constante do nº2 do artº 120º do CPTA- ponderação de interesses.

3.18. Mas ainda que se verificassem os pressupostos contidos na alínea b) e c), do nº1, do artº 120º, do CPTA, afigura-se-nos que as providências conservatória e antecipatória requeridas, teriam que ser indeferidas por não se verificar o pressuposto contido no nº2, do artº 120º, do CPTA, uma vez que os graves prejuízos causados à saúde pública e ao erário público, na medida em que impede os utentes economicamente mais carenciados de aceder a um determinado medicamento, e torna as comparticipações do Estado mais elevadas, serão mais relevantes do que os interesses privados da Requerente, por muito respeitáveis que sejam ( e são).

No sentido da improcedência do pedido de suspensão de eficácia das AIMs e dos PVPs, pronunciaram-se, contra a jurisprudência maioritária, os acórdão deste TCAS de 4-8-11, de 28-1-10, de 6-5-10, de 31-8-10, proferidos nos processos nºs 07591/11, 05790/09, 06476/10, 06154/10, respectivamente).

Neste sentido parece ter-se pronunciado, igualmente, o acórdão do STA de 8-9-2011, muito embora o mesmo tivesse sido emitido numa situação diferente da destes autos, em que estava em causa uma AIM concedida pela Comunidade Europeia, bem como o acto de registo a mesma praticado pelo Infarmed.

Actualmente é já vasta a jurisprudência tanto do STA como deste TCAS que defende a improcedência do pedido de suspensão de eficácia das AIMs bem como dos actos de fixação dos PVPs, a qual por estar, na sua maioria, publicada no site www.dgsi.pt, se dispensa de indicar.

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, com a consequente manutenção da sentença recorrida.


A Procuradora Geral Adjunta

Maria Antónia Soares