Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:10/28/2011
Processo:08165/11
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONSTRUÇÃO CLANDESTINA EM TERRENOS DA REN.
AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS.
FUMUS BONI IURIS.
PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
GRAVE DANO PARA O INTEESSE PÚBLICO.
Data do Acordão:11/30/2011
Texto Integral:Parecer do MP ao abrigo do nº1 do artº 146º do CPTA

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo Município de Cascais da sentença que decidiu suspender a eficácia do despacho de 5 de Novembro de 2010 do Presidente da Câmara Municipal de Cascais, que determinou a posse administrativa do prédio sito na Estrada dos Bernardos, Manique de Baixo, onde se localiza a obra a demolir, uma moradia com dois pisos, cave e rés do chão, com a área total de cerca de 300m2, pertencentes ao requerente, na sequência de várias ordens para a demolição voluntária a última das quais em 12-1-2004, na sequência da audiência do requerente em 6-02-2001, ao abrigo do artº 100º do CPA ( cfr fls 81 a 86 dos autos.

Quanto a nós o recurso merecerá provimento.

Vem impugnada a parte da sentença que considerou de suspender o despacho de 5-11-2010 que determinou a posse administrativa do terreno onde se situa a moradia do requerente com vista à sua demolição, ao abrigo da alínea b) do nº1e nº2 do artº 120º do CPTA, por se verificarem os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Em causa está, porém, apenas a verificação dos requisitos do fumus boni iuris e da prevalência do interesse privado do requerente, ora recorrido, sobre o interesse público invocado pela entidade recorrente, uma vez que não vem impugnada a existência do periculum in mora.

I - Quanto ao fumus boni iuris

Assim a questão reside em saber se a douta sentença deveria, ao contrário do que decidiu, considerar “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do seu mérito” e assim dar como não verificado o requisito constante da última parte da alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA.

As questões que se colocam neste âmbito são duas:

1- saber se o acto que ordenou a posse administrativa com vista à demolição coerciva é manifestamente irrecorrível por vir na sequência do despacho de 12-1-2004 que ordenou não só a demolição como a posse administrativa caso aquela não fosse efectuada voluntariamente( cfr fls 86);
2- saber se havia ou não que proceder a nova audiência do interessado antes da prolação do acto suspendendo, tendo em conta que essa audiência foi efectuada antes da prolação do despacho de 12-1-2004 que ordenou a demolição.

Quanto a nós, atendendo a que entre a data da audiência do interessado em 2001, e a data do despacho que ordena a demolição em 2004, decorreram três anos e que o acto suspendendo só foi proferido em 2010 e sobretudo atendendo que entre estas datas ocorreram alterações de facto susceptíveis de alterar as anteriores posições assumidas pela entidade recorrente, conforme decorre da matéria de facto assente na douta sentença recorrida, parece-nos que, no caso específico dos autos, o acto suspendendo poderá ser considerado impugnável

Efectivamente, e para além disso, trata-se de um acto de conteúdo externo, manifestamente lesivo dos interesses do requerente e passível de ser considerado inovatório, não só porque o despacho de 12-1-2004 contém em si uma mera possibilidade de demolição coerciva - como se conclui do termo “ poderá” - como essa demolição abrange apenas a moradia, ao contrário do que sucede com o acto suspendendo que abrange ainda outra s construções.

Assim sendo e porque entretanto o despacho de 12-01-2004, foi revogado, conforme decorre da alínea T) da factualidade assente, tendo sido aventada a hipótese de legalização das construções, e ainda porque em 10-4-2005, 30-12-2005 e 24-9-2010 foram proferidas informações de serviço, nos processos a que se refere o acto suspendendo.

Assim, havendo novos actos de instrução desfavoráveis ao recorrido, parece-nos que não seria despicienda a audiência do interessado.

Nestes termos, tal como foi decidido na douta sentença recorrida, parece4-nos que deve ser dado como verificado o requisito do fumus boni iuris.

II – Quanto à ponderação de interesses:

Em relação à ponderação de interesses parece-nos que terá razão o recorrente.

De facto, atendendo às informações de serviço de 10-4-2005, 30-12-2005 e 24-9-2010 transcritas nas alínea HH), II) e JJ) da factualidade assente, não poderá deixar de se considerar que o interesse público da proibição de construções em terrenos abrangidos pela Reserva Agrícola Nacional – Espaço Agrícola nível 1- Espaço de Protecção e Enquadramento, prevalesse sobre o interesse privado do recorrido de continuar a morar numa zona que já sabe há muitos anos que mais cedo ou mais tarde terá que abandonar.

Com efeito, o recorrido nem sequer contesta a ilegalidade das construções em causa, quer porque não são licenciadas, quer porque se encontram em terrenos onde é proibida a construção sem hipótese de legalização, uma vez que o PDM sempre teria que respeitar as prescrições previstas para os terrenos da REN.

Assim, afigura-se-nos que a demolição em causa não pode estar dependente da boa vontade do recorrente em protelar a situação que já se arrasta há muitos (quiçá demasiados)anos, com inegável prejuízo para o interesse público que reside na preservação dos terrenos em causa.

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da revogação da sentença recorrida com o inerente indeferimento do pedido de suspensão em causa.