Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:02/11/2013
Processo:09713/13
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA TERRITORIAL AUTÁRQUICA.
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
PARECER DE ENTIDADE AD HOC.
ACTIVIDADE LEGISLATIVA DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Texto Integral:Procº nº 09713/13
2º Juízo-1ª Secção
Suspensão de eficácia
Parecer do MP




Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelas requerentes, Junta de Freguesia de Alcanena e Junta de Freguesia de Vila Moreira, da sentença que indeferiu liminarmente a providência cautelar declarando a incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos para decretar a suspensão de eficácia da proposta de 2-11-2012, da Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território (UTRAT), a apresentar à Assembleia da República, de reorganização administrativa territorial autárquica, com vista à agregação das requerentes numa nova Freguesia, denominada União das Freguesias de Alcanena e Vila Moreira, ao abrigo das competências que lhe foram atribuídas pelo artº 14º da Lei nº22/2012, de 30-5.

Defendem as requerentes, ora recorrentes, que a referida proposta, da autoria de um órgão de natureza externa, a funcionar junto da Assembleia da República, estando inseria num procedimento administrativo, é um acto praticado no exercício da função administrativa, ao abrigo de normas de direito administrativo e, como tal, é susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos, como acontece no caso presente.

Assim, consideram que a sentença deveria ter considerado os tribunais administrativos competentes em razão da matéria para decretar a pretendida suspensão da proposta em análise.

Não têm, porém, a nosso ver, razão.

Defendem as recorrentes que a reorganização administrativa do território autárquico poderá ser considerada um acto de natureza política mas a extinção de freguesias não o é.

Ora, se procedermos à leitura da proposta suspendenda, aliás sob a designação de “Proposta Concreta de Reorganização Administrativa do Território”, verifica-se que em lado algum propõe a extinção das requerentes, mas sim a sua mera agregação.

Nestes termos, está fora de causa qualquer decisão administrativa, mas sim, claramente, uma proposta de natureza política.

E sendo uma proposta, aliás de natureza não vinculativa, nunca poderia ser considerada como definidora da situação jurídica das recorrentes, - mormente concretizando decisões tomadas a nível político e/ ou legislativo, por estas serem ainda inexistentes - pelo que jamais seria impugnável contenciosamente.

Acresce que a UTRAT é apenas um órgão de natureza técnica, criado ad hoc, de apoio à Assembleia da República, a extinguir quando estiver terminada a missão para que foi criado, sem poder decisório, competindo-lhe, apenas, emitir propostas sobre a reorganização administrativa do território, não tendo poderes decisórios nem políticos ou legislativos.

Assim, não projecta, só por si, quaisquer efeitos jurídicos para o exterior, não tendo qualquer eficácia externa ou susceptibilidade de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo, como tal, inaplicável ao caso vertente o acórdão do STA de 16-12-2009, in procº nº 0140/09, referido pelas recorrentes, bem como a doutrina citada na conclusão 11ª das conclusões das alegações das recorrentes.

De facto, a definição da situação jurídica das recorrentes terá que ocorrer mediante Lei da Assembleia da República a qual, segundo as palavras das próprias recorrentes, “definirá, tendo em conta a situação individual e concreta de cada Junta de Freguesia, aquelas que se vão extinguir ou fundir… “. E na verdade, as alterações dos limites territoriais das autarquias locais é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos da alínea n), do nº1 do artº 164º da CRP.

Nestes termos, ainda que se considerasse estarmos perante um órgão da Administração e, consequentemente, perante uma competência dos Tribunais Administrativos, sempre seria de rejeitar a presente providência por manifesta improcedência da acção principal, dada a evidente inimpugnabilidade da proposta em análise, por ser um acto interno ( cfr, entre outros, os acs do STA de 9-1-2013 in procºs nºs 01383/12, 01349/12, 01348/12 e 1365/12).

Mas sobre a insusceptibilidade da eficácia deste tipo de propostas ser suspensa já se pronunciou unanimemente (pelo menos em 32 casos) o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdãos publicados no site www.dgsi.pt, tendo decidido nomeadamente no acórdão de 9-1-2013, in procº nº 01419/12 o seguinte:

“ I -Aos tribunais administrativos não cabe interferir em processo legislativo;
II - É essa interferência que se busca ao pretender-se a suspensão de eficácia de proposta formulada pela Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território, no quadro da Lei nº22/2012, de 30 de Maio”.

E no acórdão de 10-12-2012,in procº nº 1342/12 - aliás transcrito no anterior pois ambos rejeitam reclamação para a conferência do despacho que rejeitou pedido de suspensão de eficácia de proposta da UTRAT - refere-se o seguinte:

“Como se disse no despacho sob reclamação, na presente providência cautelar é pedida a suspensão de eficácia da proposta da Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território formulada no âmbito do procedimento previsto na Lei 22/2012, de 30 de Maio.
Essa lei estabelece os objectivos, os princípios e os parâmetros da reorganização administrativa territorial autárquica e define e enquadra os termos da participação das autarquias locais na concretização desse processo (artigo 19, 1).
Nessa mesma lei é criada a Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território, que funciona junto da Assembleia da República (artigo 13.°, n.°1).
Compete à Unidade Técnica acompanhar e apoiar a Assembleia da República no processo de reorganização administrativa territorial autárquica; apresentar à Assembleia da República propostas concretas de reorganização administrativa do território das freguesias, em caso de ausência de pronúncia das assembleias municipais; elaborar parecer sobre a conformidade ou desconformidade das pronúncias das assembleias municipais na matéria, apresentando-o à Assembleia da República; propor às assembleias municipais, no caso de desconformidade da respectiva pronúncia, projectos de reorganização administrativa do território das freguesias (artigo 14.°).
A proposta cuja suspensão se pede insere-se no quadro da actividade legislativa da Assembleia da República.
Na verdade, nos termos do artigo 164º, n), da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a criação, extinção e modificação de autarquias locais.
Ora, aos tribunais administrativos não compete apreciar litígios tendo por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa — artigo 4°, n.° 2, a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Certo que as debilidades que ocorram em matéria de produção legislativa da Assembleia da República afectam os respectivos actos.
Mas fora as possibilidades de intervenção do Tribunal Constitucional, a apreciação dos actos materialmente legislativos só é possível por via da sua aplicação a casos concretos submetidos a julgamento judicial.
Assim, não cabe aos tribunais administrativos interferir no procedimento conducente à produção dos actos legislativos, exactamente por não lhes caber apreciar a impugnação desses actos.
A reclamante pretende que «uma coisa é o processo de produção legislativa da Assembleia da República, relativamente ao qual a jurisdição administrativa nada tem a ver, outra bem diferente é a análise da actuação da UTRAT no exercício da competência (materialmente administrativa) que lhe é conferida pela Lei 22/2012».
Mas no presente processo não está em causa nenhuma actuação da UTRAT descuidada do procedimento legislativo. É o procedimento legislativo que está em causa e é a interferência nele que se pretende.
Aliás, nos termos da própria reclamante «a Assembleia da República tem, em conformidade com a CRP o poder de aprovar leis, mas não pode fazê-lo tendo por base uma proposta da UTRAT que possa estar inquinada de vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, como foi requerido». É, na verdade, ao poder de legislar que se dirige a pretensão da ora reclamante.
Por isso, tal como decidido no despacho sob reclamação, verifica-se a manifesta ilegalidade da pretensão formulada, pois essa pretensão implica interferência (não permitida) dos tribunais administrativos no processo de produção legislativa.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação”.

Nestes termos, aderindo inteiramente às teses defendidas nos doutos acórdão citados, à douta sentença recorrida e às esclarecedoras contra-alegações da entidade demandada, Assembleia da República, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.


A Procuradora Geral Adjunta


Maria Antónia Soares